TENDÊNCIA NO MARKETING 10 min de leitura

A subjetividade nos trabalhos de comunicação em marketing

O território de ação dos departamentos de marketing está longe de ser "risk-free"

Ulisses Zamboni
2 de agosto de 2024
A subjetividade nos trabalhos de comunicação em marketing
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A subjetividade na área de comunicação em marketing é parte do jogo dos negócios. Por mais que as agências de comunicação e os departamentos de marketing executem suas tarefas baseados num conjunto robusto de dados e nas boas práticas da disciplina, queiramos ou não, a indústria da comunicação trabalha com uma fatia considerável de incerteza nos resultados. 

Se você for um profissional de marketing ou de agência, você pode até querer refutar minha afirmação. Mas não dá para negar que, quando uma campanha vai para as ruas, nos resta torcer para que ela tenha um ótimo retorno para a marca e para o negócio — muito por conta da subjetividade criativa que, adiciona uma pitada de incerteza aos trabalhos (e no resultado) de comunicação. É uma espécie de aposta no risco dos profissionais de marketing. 

Nos últimos 10 anos, o negócio da comunicação foi pródigo em entortar seus métodos de gestão de campanha no deslocamento de foco da intuição criativa para as interpretações das planilhas e dashboards, a fim de diminuir a fatia de imprevisibilidade na disciplina. 

O resultado disso a gente percebe nos cases e prêmios criativos dos últimos anos, incluindo Cannes Lions: campanhas e marcas sem resultados criativamente empolgantes, nada que pudesse mudar de fato o destino de uma companhia ou, ainda, mudar a carreira do próprio gestor nas companhias. 

Prova disso é que Simon Cook, presidente executivo do Cannes Lions, destacou em entrevista recente para um blog de comunicação que a ideação criativa e suas execuções voltaram a ser o epicentro dos julgamentos no Festival. Como comentei, o foco havia se deslocado para as ferramentas de dados, os dashboards e a tecnologia, elementos estes que suplantaram a criatividade mais pura no julgamento dos trabalhos e premiações dos anos anteriores.

Neste ano, como alavanca de incentivo para a valorização da criatividade, o festival vai dar visibilidade às ferramentas disponíveis capazes de conectar criatividade e negócios. E aponta, obviamente, para a gestão da inteligência artificial (IA) na criatividade como a mais evidente delas. 

A subjetividade criativa, aquela que sai das mentes ultra heterodoxas dos criativos, tende a permanecer ainda por muitos e muitos anos na vida das marcas. E, na verdade, é uma ótima notícia. Sou do time de “quanto maior o risco, maior o ganho”. 

Ninguém perde com a criatividade. A maturidade dos profissionais de agência, especialmente a dos criativos e do planejamento, é tal que existe uma clareza entre o que é considerado arrojado — portanto, de alto risco — e o “desastre” para uma marca. 

A subjetividade não está somente na criatividade

Para minimizar as chances de uma marca apostar em uma criatividade que pode estar “errando na mosca” — e, assim, aumentando o risco de erro —, existe uma enorme equipe nas agências que estuda com profundidade sociologia e antropologia de consumo para subsidiar o trabalho criativo. 

Pesquisa qualitativa, design thinking, estudos de tendências, social listening e um sem-fim de ferramentas são colocados nas mãos dos gestores e decisores para selecionar ou reprovar esta ou aquela campanha. Ainda que essas ferramentas sejam, em certa medida, interpretativas — e, portanto, também subjetivas —, elas dão um panorama aos executivos para um “go or no go” em relação a uma campanha, os posts da marca ou, até mesmo, para efetivar patrocínios e eventos.

Sempre depositei confiança nos escritórios de tendências que fazem leituras sobre o mundo em que vivemos, nossos hábitos, atitudes e especialmente nosso comportamento no futuro. Eles são suportes que “contabilizam” questões comportamentais do futuro no presente e diminuem o risco criativo em recomendar atitudes diferenciadas para os usuários. 

No entanto, confesso que nos últimos anos passei a olhar os relatórios de tendências com mais atenção e até com alguma desconfiança. Meu vício em questionar o óbvio na psicanálise me fez ler e enxergar algumas falhas nos conceitos “construídos” e nas premissas levantadas por esses institutos.

Muitos dos relatórios que tenho lido se tornaram documentos contaminados de drama e alarme social a respeito do mundo que viveremos no futuro. Exagerando nas tintas, são documentos que retratam um mundo quase distópico, forjado a partir das decisões equivocadas da sociedade de consumo, quase sempre apontando para uma condição irreparável se não mudarmos nosso comportamento no presente.

O que me desconforta não é somente seu conteúdo, mas também o tom impositivo. Quem de nós não se lembra do cenário bem construído lá em 2021 sobre o metaverso? A afirmação tinha até data marcada em alguns “reports”, que projetavam a consolidação do metaverso na sociedade (para marcas e pessoas) para 2026. 

Corta para a realidade de hoje e aqui estamo: sem metaverso na vida de ninguém. Só Roblox (o jogo) e algumas poucas marcas de luxo tiveram dinheiro, vontade e excentricidade para “brincar” de metaverso. As outras marcas? Permanecem no mundo real, “alive and kicking“.

Quando uma “nova tendência” se torna apenas um desserviço à sociedade

As sessões mais concorridas nos eventos internacionais de marketing e comunicação são sempre as das empresas de tendência de mercado, frequentemente apresentando ppts “esculpidos à mão”, com conteúdos surpreendentes apresentados por executivos ultracarismáticos, geralmente portadores de uma excentricidade fora do comum, para dizer o mínimo.

Você resistiria a uma apresentação como essa? Pois é, ninguém é bobo de pular uma palestra-show assim. No entanto, nem toda essa camada de verniz resiste a um conteúdo refutável pela lógica. Possibilidades e tendências de fatos no futuro são apresentados como verdades absolutas (assim como foi no metaverso). 

Vou dar apenas um dos muitos exemplos recentes que colecionei numa dessas concorridíssimas sessões de empresas de tendências em congressos. Essa palestra ouvi na NRF 2024, em Nova York, nos EUA, maior evento de varejo do mundo.

Dentro do elenco de fatos dramáticos enumerados pela palestrante a respeito do futuro sombrio do planeta e da sociedade, ouço a previsão de que as gerações Z e Alpha devem ganhar muito menos dinheiro do que seus pais ganharam e que, por isso, a configuração das famílias já estaria se modificando. 

Posso até acreditar que por outras razões, talvez por questões culturais do mundo contemporâneo, essas gerações permanecerão morando na casa de seus pais. No entanto, a origem desse fato não reside na ausência de oportunidades para esse público ganhar mais dinheiro que seus pais. 

A premissa dessas gerações estarem fadadas a ganhar menos dinheiro que os millennials e os boomers quando bem analisadas chega a ser um insulto intelectual. Ainda assim, a gente ouve e não se dá conta de que o que está ouvindo é até contraintuitivo.

Ao contrário. Esta “tendência” pode ser desmantelada por cinco fatores: 

  1. O mercado não é um jogo de soma zero. Ele cresce na exponencialidade da criação de valor. Quanto mais valor, mais oportunidades. Caso contrário, estaríamos estagnados na Revolução Industrial. 
  2. Inovação e avanço tecnológico abrem espaço para novas indústrias e serviços. Nunca estivemos diante de tantas inovações ao mesmo tempo.
  3. Empreendedorismo é a força motriz desta nova geração, celebrada em cortes do TikTok e Instagram. Por que, então, elas seriam menos empreendedoras que as passadas?; 
  4. Networking nunca foi tão intenso. A geração Z faz isso como ninguém. O mundo em rede e a economia colaborativa alavancam negócios como nunca.
  5. As necessidades de consumo são muito maiores hoje. E a possibilidade de personalização de ofertas no marketing abre oportunidades infinitas.  

Como se vê, não há justificativa racional que deixe de pé a ideia de que as gerações Z e Alpha ganhem menos dinheiro que seus pais. Ao contrário, sobram evidências do contrário.   

Mas como se justifica tal imprecisão conceitual? Podemos especular em várias frentes: da vontade ingênua da empresa de tendências de impactar a audiência com afirmações surpreendentes até a adoção de uma agenda ideológica que traz o vitimismo como estilo de vida (no caso, as gerações Z e Alpha como vítimas impotentes da sociedade capitalista e, portanto, elegíveis à uma “revolução de costumes”).

Não importa. Na prática, o resultado disso é mais uma variável baseada em ideologia — ainda subjetiva — que não se prova na realidade.

Pressões dos gestores na tomada de decisão sob a subjetividade na comunicação

O que importa aqui é identificar que a disciplina de comunicação em marketing é um conjunto de variáveis subjetivas e, por isso, gera um armazém de incertezas e apostas de risco na cabeça dos gestores. 

Eu, claramente, não estou falando das disciplinas de mídia e de performance na atividade de “growth”, que lançam mão de dados vindos de dashboards feitos com amparo estatístico e entregam planos de ação com alta probabilidade de acerto. 

Estou falando da comunicação criativa nas campanhas on e offline, o que inclui desde um storytelling de alguma forma pode desagradar a audiência com o comportamento e com a “bandeira” que a marca esteja levantando    

As tomadas de decisão dos líderes em comunicação acabam, de alguma forma, respondendo a quatro fontes de pressão igualmente potentes: 

  1. Pressão pessoal, com a cobrança do próprio gestor, em relação à sua capacidade de avaliar a comunicação recomendada por sua agência a partir de seu repertório pessoal. 
  2. Pressões internas que ele sofre para entregar o melhor resultado para o negócio e a marca;
  3. Pressões externas por parte dos usuários, que hoje têm voz e poder graças às mídias sociais e podem cancelar e gerar um boicote à marca.
  4. Pressão de sua agência de comunicação, que tenta aprovar trabalhos mais ousados — bons para a agência, mas com risco mais alto do que o gestor é capaz de sustentar.

Ao mesmo tempo em que é vital para o crescimento das marcas e a alavancagem da companhia, a comunicação de marketing sempre se revela desafiadora pelas razões já expostas. Por isso, o vínculo na relação entre agência e cliente e a confiança entre o profissional de marketing e o de criação têm que se consolidar. 

Mas não só ele. A área de planejamento das agências tem a capacidade de minimizar incertezas e, com isso, aplacar cada vez mais as ansiedades dos gestores, fornecendo dados, gerando insights -— especialmente de comportamento — e trazendo estratégias que trazem um grau maior de segurança e previsibilidade para a tomada de decisão. 

Além disso, o planejamento desempenha papel crucial na preparação de planos emergenciais para lidar com possíveis problemas na aceitação da campanha e com o número de cancelamentos — agora cada vez mais frequentes. 

Este texto não é sobre medo da comunicação de marketing, mas um convite para abraçarmos a criatividade ousada, com coragem, e enfrentarmos o risco, com otimismo, reforçando confiança nas agências e no profissional criativo. Tudo isso, é claro, sempre com um bom planejamento “na manga”. 

Ulisses Zamboni
Com mais de 40 anos de experiência na área de comunicação, é presidente e sócio da agência Santa Clara, membro do board e do comitê de etica e integridade do Capitalismo Consciente e membro do conselho editorial da MIT Sloan Review Brasil. Também clinica como psicanalista.

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