Os negócios precisam ir além da reciclagem e acolher a circularidade como forma de inovação, inclusão e segurança para o futuro
Já temos muitas informações sobre lixo e sobre o acúmulo de milhares de toneladas de resíduos no mundo. A cada segundo, um caminhão de roupas é descartado em aterros sanitários no mundo, segundo a Fundação Ellen MacArthur.
No Brasil, 16 caminhões de lixo têxtil saem diariamente da região do Brás (São Paulo) e são descartados, aponta o relatório “Fios da Moda”, feito pelo Instituto Modefica em parceria com a FGV (Fundação Getulio Vargas) e a consultoria Regenerate Fashion.
Será que tudo o que consumimos não tem uma utilidade posterior? A simples ideia de continuidade incomoda?
Tudo o que consumimos precisa ser pensado de forma circular: onde nasce o insumo, como descartamos o produto e como utilizar seus resíduos no pós-consumo.
Circularidade pressupõe criação, inovação, pensamento sistêmico.
Circularidade não é transformar o consumo linear em circular. É um conceito que nasce diferente. Pressupõe criação, inovação, pensamento sistêmico. O produto precisa ser criado para ser desmembrado, dividido, utilizado em partes, revisitado no passo seguinte.
A circularidade redefine o que é lixo, redimensiona a matéria-prima – é um modelo de negócio, um mindset, uma oportunidade.
É uma máquina cujo componente tem vida longa e pode estar em outro aparelho depois: é uma roupa criada com fios que já foram outras peças, uma mochila que já foi calça, um tênis que já foi garrafa PET. É a ideia, o produto e a utilidade sendo transformados e absorvidos pelo mercado.
Quem está lendo esse texto já deve ter passado pela onda dos papeis reciclados, conhece as lixeiras coloridas para receber recicláveis – e talvez saiba que o Brasil é recordista mundial em reciclagem de latinhas de alumínio.
Mas circularidade não é só sobre esses padrões básicos, que já existem há 20 anos. Pensar que separando o lixo estamos fazendo muito é só a ponta do iceberg. É a coisa miúda que precisa ser mudada com projetos, ações e lideranças que vão além.
Segundo a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS; lei 12.305/2010), fabricantes, comerciantes, distribuidores e importadores precisam comprovar a logística reversa de, no mínimo, 30% das embalagens que colocam no mercado. A lei foi regulamentada após 12 anos, em 2022, e a partir dessa data as empresas precisam reportar seus projetos e processos de logística reversa.
A lei é uma responsabilidade compartilhada entre todos os atores da cadeia, mas sempre vale a pergunta: você, como consumidor ou consumidora, sabe onde descartar tudo o que consome? É lembrado/a disso pelas marcas?
Para promover a transição do modelo de produção linear para uma economia circular, o governo federal assinou o decreto nº 12.082, de 27 de junho de 2024, que institui a Estratégia Nacional de Economia Circular.
Entre as diretrizes, estão:
O decreto traz também a oportunidade de fomentar a inovação, a cultura, a educação e a geração de competências para reduzir, reutilizar e promover o redesenho circular da produção.
Sabemos que muitas respostas negativas à circularidade dos materiais ou à compra de produtos reciclados e reutilizados passam pelo preço. Nesse sentido, o decreto abre portas para o debate sugerindo instrumentos financeiros de auxílio à economia circular, por meio de tratamento tributário adequado para reduzir a poluição e os resíduos.
Tem política, tem decreto, tem espaço para inovar – mas será que vamos ocupá-lo?
Quanto ao impacto social da circularidade, pensemos no edital de R$ 11,2 milhões para catadores de recicláveis, anunciado pelo Ministério das Cidades em 10 de julho de 2024 para projetos que promovam a estruturação e o fortalecimento das redes desses catadores.
O objetivo tem foco no social – inclusão econômica na sociedade –, e os critérios de seleção vão dar prioridade a projetos que promovam a autonomia, a inclusão financeira e o desenvolvimento sustentável da categoria.
Num país de extremas desigualdades –o Brasil é o sétimo país mais desigual do mundo e o segundo em concentração de riqueza no topo, perdendo apenas para o Catar, segundo o último relatório divulgado pelo Pnud (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento) –, torna-se mandatório criar oportunidades, espaços e políticas para que todos possam ser incluídos. E essa é mais uma delas. Cerca de 90% do lixo brasileiro passa pelas mãos de catadores, que recolhem resíduos e os levam às cooperativas.
Para apimentar ainda mais a discussão sobre circularidade e a importância do pensamento sistêmico e circular, acreditem: o Brasil importa lixo. Sim, somos o lixão de muitos países, e o que chega aqui, dizem, é para colaborar na produção de embalagens porque não temos matéria-prima suficiente. Não reciclamos nosso lixo, mas usamos o dos outros.
No mundo da sustentabilidade, ingredientes como mudanças climáticas, externalidades, gestão de resíduos e consumo consciente são parte de um conjunto de informações que norteia a gestão de empresas e as decisões de negócios.
No atual momento, qualquer tomada de decisão que passe a gerar risco de negócio ou risco reputacional aciona alarmes efetivos na empresa. Se os líderes não pensam em suas próprias ações (e no próprio produto sob a ótica sustentável), no mínimo precisarão pensar na cadeia de fornecedores, na rastreabilidade e na compra de insumos.
Tudo isso tem lugar no pensamento circular e sistêmico. Todos os atores da cadeia são stakeholders do seu negócio, incluindo seus acionistas que podem perder e ganhar.
Empresários de todas as áreas podem contribuir enormemente para educar o consumidor sobre como descartar seus resíduos.
Agir na direção do cumprimento da PNRS, orientar novas criações a partir do pensamento circular, cuidar da logística reversa são no mínimo ações éticas e responsáveis.
Empresários de todas as áreas podem contribuir enormemente para que o cenário mude. Não apenas tomando as rédeas e fazendo a gestão dos seus resíduos, mas educando o consumidor sobre como descartar seus resíduos. Pedindo aos seus colaboradores que escolham como comprar. Entendendo custos operacionais da reciclagem e optando por circular materiais em vez de pagar centavos a menos por algo que terá uso único e descarte imediato.
Não adianta pedir uniforme novo e não pensar sobre o tecido de que são feitos e como serão descartados. Não adianta fazer brinde e não saber onde o consumidor jogou fora. Não adianta ser criativo e despejar toneladas de lixo nas ruas.
Leia também: “Da linearidade à circularidade”, de Johan Frishammar e Vinit Parida
E não estamos falando só de embalagens de papel, plástico, alumínio e vidro. Precisamos pensar no descarte dos materiais mais diversos e complexos, que podem contaminar rios, lençóis freáticos, solo – e que passam pelas mãos das pessoas continuamente: remédios, chapas de raio-X, materiais de informática, produtos químicos, resíduos de construção, tintas, esmalte, pilhas, baterias, sem contar borracha e tecidos.
Os negócios precisam acolher a circularidade como forma de inovação, inclusão e segurança para o futuro.
Já não cabe mais nos questionarmos se é possível ou não. Se não queremos problemas agora, e adiamos a ação, os problemas aparecerão no futuro. Se agirmos agora, diminuímos a projeção dos mesmos problemas. E resíduos e lixo sempre serão um problema.
Circular, reinventar, reutilizar são caminhos possíveis e imediatos. Transformar vantagem competitiva em vantagem colaborativa, também. Use seu poder de ação e de liderança. Faça diferente.