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O grande achatamento: cadê a média gerência que estava aqui?

Drucker via os gestores intermediários como garantidores de que os objetivos estratégicos fossem traduzidos em ações práticas e mensuráveis. Mas agora Elon Musk, Mark Zuckerberg e outros querem eliminar essa camada “burocrática” e seus custos – e isso pode aumentar a resistência a mudanças e ter outros impactos negativos

Daniele Botaro
O grande achatamento: cadê a média gerência que estava aqui?
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Se um fenômeno corporativo tem nome e sobrenome, é sinal de que ele já está acontecendo em larga escala e em múltiplos setores. Vivenciamos recentemente tendências como “quiet quitting”, “great resignation” e “quiet firing”. Agora, chegou a vez do “great flattening”, ou grande achatamento. Essa nova trend corporativa é marcada pela eliminação sistemática de posições de média gestão em diversas indústrias, particularmente em empresas de tecnologia e grandes corporações. Mais do que um mero ajuste operacional, trata-se de uma redefinição radical da estrutura organizacional, das dinâmicas de trabalho e, inevitavelmente, da identidade profissional.

A origem deste movimento está fortemente associada à visão de líderes influentes na indústria de tecnologia. Mark Zuckerberg, CEO da Meta, e Elon Musk, à frente do Twitter (atual X), têm vocalizado críticas severas às camadas hierárquicas intermediárias, consideradas por eles como entraves à eficiência organizacional. A mensagem central é simples, mas disruptiva: menos camadas significam mais agilidade e menos burocracia.

A lista de promessas associadas ao achatamento é longa e pouco considera o papel fundamental da média gerência em uma organização. Líderes defendem que a eliminação da média gerência proporciona redução de custos administrativos, comunicação mais direta entre líderes e equipes operacionais; eliminação de redundâncias burocráticas, maior adaptação a modelos ágeis e tecnologias disruptivas e respostas mais rápidas às demandas de uma força de trabalho flexível e remota.

Entretanto, ao simplificar o papel da média gerência, ignora-se o impacto crítico dessa camada para o desenvolvimento organizacional sustentável. Peter Drucker, considerado o pai da administração moderna, descrevia a média gerência como o lugar “onde a borracha encontra a estrada” (“where the rubber hits the road”, ele dizia, e aqui o velho mestre se referia à borracha do pneu, bem entendido). Para Drucker, a média gestão era o elo essencial entre a visão estratégica da alta liderança e a realidade operacional, garantindo que os objetivos fossem traduzidos em ações práticas e mensuráveis.

As ameaças contidas nesse movimento

Historicamente, a média gerência tem sido mais do que um intermediário hierárquico, que transmite as demandas da base para os líderes e vice-versa, ajustando expectativas e processos; identificando e, desenvolvendo talentos, servindo como um pilar no crescimento de profissionais dentro das organizações; além de sustentar valores, fomentar colaboração e impulsionar a inovação. A quem caberá essas funções?

Pesquisas recentes também indicam ainda que a média gerência desempenha um papel vital no engajamento das equipes e na implementação de mudanças organizacionais. Eliminar essa camada pode, paradoxalmente, aumentar a resistência à mudança e criar lacunas na execução da estratégia. Essa deve ser outra preocupação com a eliminação da camada.

Mais ponto de atenção do “grande achatamento”: o impacto desproporcional sobre profissionais diversos, como mulheres, minorias raciais e étnicas, e indivíduos de origens interseccionais. Esses grupos, que já enfrentam barreiras sistêmicas significativas, podem ser particularmente afetados de várias formas. Com menos gestores intermediários, os profissionais diversos podem ser forçados a acumular responsabilidades mais amplas tendo menos suporte estrutural. Isso intensifica a pressão por desempenho e aumenta o risco de burnout, especialmente entre aqueles que precisam constantemente provar seu valor.

Além disso, em estruturas planas, o poder tende a ser distribuído de maneira menos formal e mais dependente de redes de relacionamento. Especificamente os profissionais diversos, que frequentemente não têm acesso aos mesmos círculos de influência, podem enfrentar desvantagens na busca por recursos, visibilidade e patrocínio para suas equipes.

Estruturas mais enxutas podem aumentar a visibilidade de profissionais diversos? Sim, podem, mas essa exposição, sem o devido apoio, também pode amplificar vieses sobre sua competência. A ausência de uma média gerência que os apoie tende a tornar esses profissionais mais vulneráveis a críticas baseadas em julgamentos sem evidencias.

Não é só isso. A média gerência sempre serviu como uma etapa intermediária essencial para o avanço na carreira. Sua eliminação pode estreitar o pipeline de talentos para posições de liderança, dificultando ainda mais a ascensão de profissionais diversos. E, com mais líderes sobrecarregados, iniciativas de inclusão possivelmente vão perder prioridade, sendo vistas como secundárias diante das exigências por agilidade e resultados rápidos.

Outros modos de “achatar”

As organizações que desejam implementar o “grande achatamento”, e fazê-lo de maneira bem-sucedida, precisam fazer isso com intencionalidade estratégica e não perder o foco sobre a inclusão. Há outros modos de achatar. Em vez de eliminar a média gerência, as empresas podem, isto sim, reimaginar seu papel, criando estruturas mais flexíveis e colaborativas e sistemas que valorizem e integrem perspectivas diversas, garantindo que a inovação nao seja estrangulada durante o processo.

Um “achatamento” não deve ser visto apenas como uma reestruturação administrativa; ele pode ser um experimento em tempo real sobre como equilibrar eficiência organizacional e capital humano. Na paisagem de incerteza e oportunidade que vivemos, a adaptabilidade emerge como a competência mais crítica. Para profissionais diversos que navegam por essas águas transformadoras, o caminho adiante requer pensamento estratégico e uma crença inabalável na própria proposição de valor.

A narrativa da estrutura organizacional continua a ser escrita, não em pedra, mas nas interações dinâmicas e em constante mudança entre o potencial humano e a inovação institucional.

Daniele Botaro
Head de cultura e inclusão da Oracle para a América Latina, ela também é embaixadora da Gaia+. Foi empreendedora, e sócia-diretora, da Impulso Beta, consultoria especializada em programas de diversidade.

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