
Nesse modelo, o líder constrói conexões autênticas e colaborações, reconhecendo que ninguém é bom sozinho
Ultimamente, tenho ouvido falar bastante sobre a solidão dos líderes e fiquei pensando: será que realmente a liderança precisa estar associada à solidão? Pessoalmente, acredito que existem formas de liderar de maneira colaborativa e conectada.
Então continuei aprofundando de onde viria essa ideia e comecei a refletir se, tecnicamente, os líderes tendem a estar rodeados de pessoas, geralmente envolvidos em projetos desafiadores e com acesso a espaços formais de troca. Conversando com colegas, surgiu o olhar que, no imaginário social, muitas vezes, o conceito de líder é descrito e visto como figura sobre-humana, um super-herói corporativo que pouco falha. A liderança é idealizada como sinônimo de força, confiança e resiliência, e a explicitação de emoções vulneráveis pode ser vista como fraqueza, mas eu acredito exatamente no contrário.
A solidão não tem a ver com ausência de companhia física e sim com fatores como a necessidade de manter o alto desempenho e ser um modelo a seguir. Aqui gostaria de destacar a oportunidade de fortalecer a colaboração e a confiança ao compartilhar responsabilidades em momentos críticos.
É um fenômeno que levanta várias reflexões, mas resisto a aceitar que a solidão é inevitável, assim como penso que o trade off não precisa ser um jogo de soma zero. A pergunta que devemos construir é: como podemos mitigá-la e qual o impacto a longo prazo dessa dinâmica para o bem-estar organizacional e o futuro das empresas, e, claro, dos líderes? Enxergo um bom caminho para experimentar uma abordagem que transcende o modelo tradicional com interdependência e a criação de valor coletivo.
Seguindo esse contexto e no centro do debate sobre a solidão, acredito que o conceito e a prática de liderança regenerativa aparecem como promissores. O conceito é relativamente novo – ganhou destaque nos anos 2000 e hoje emerge com mais força.
Essa perspectiva propõe uma forma de liderança focada na sustentabilidade para criar interações positivas entre organizações e o sistema socioecológico. Seu principal objetivo é alinhar a gestão organizacional com princípios de empatia e propósito e incentivar práticas que beneficiem tanto os negócios quanto a sociedade e o meio ambiente. Mas o que significa isso na prática e como pode ajudar na criação de valor?
Embora seja uma perspectiva recente e ainda em desenvolvimento, a liderança regenerativa apresenta princípios-chave. Entre eles, apoiar as equipes no alcance de seu potencial máximo, entendendo o propósito não só da organização, mas também das pessoas; focar no desenvolvimento pessoal dos colaboradores; estimular um ambiente de confiança e apoio; e criar relações saudáveis no ecossistema organizacional, com o objetivo de contribuir positivamente para o mundo.
Esses princípios vão além de uma abordagem funcional e são sustentados por um processo de aprendizado mútuo, em que tanto o líder quanto os liderados aprendem uns com os outros e com o ambiente. Também se pautam por uma revalorização das dinâmicas ancestrais e da natureza. Esse ciclo de influências e experiências práticas fomenta o crescimento coletivo e a construção de uma cultura organizacional resiliente e adaptável, alinhada aos valores de empatia e responsabilidade social.
Diante dos obstáculos e desafios, líderes regenerativos adotam uma postura contínua de aprendiz reflexiva e meditativa, o que prioriza decisões mais conscientes em vez de respostas reativas. Eles reconhecem que o sucesso de todos depende de um ambiente de confiança e apoio mútuo, onde o desenvolvimento pessoal e coletivo é estimulado.
O líder regenerativo constrói conexões autênticas e colaborações, reconhecendo que ninguém é bom sozinho. Esse modelo poderia ser descrito como uma forma de “inteligência relacional”, que valoriza a interdependência e a força coletiva.
Na minha experiência nas áreas de inovação e sustentabilidade, eu tive (e tenho) o privilégio de poder experimentar isso no meu dia a dia. Os desafios que enfrentamos são multifacetados e não podemos (nem queremos) pensar em resolvê-los sozinhos. Essa visão compartilhada sobre o valor que precisamos gerar cria uma união que vai além da pressão pelos resultados.
Nós, líderes, temos mais possibilidades de alcançar melhores resultados ao atuar de forma colaborativa e adotar uma abordagem regenerativa por meio de práticas que viabilizem conexões e fortaleçam a resiliência, sempre baseados na importância de ter uma visão sistêmica.
Círculos de confiança – grupos de apoio formados por outros líderes que compartilham desafios, aprendizados e perspectivas – criam um espaço seguro para trocas de experiências. A mentoria e o peer coaching – processo de aprendizagem colaborativa em que colegas se apoiam mutuamente – permitem relações de aprendizado mútuo que desenvolvem habilidades e ampliam a capacidade de colaboração através da abordagem de desafios em conjunto.
Sejamos sinceros: embora os desafios possam continuar, é importante ter um propósito claro e mecanismos para descomprimir e dividir responsabilidades de maneira equilibrada.
Outro elemento transformador é a cocriação com equipes, em que os líderes incluem ativamente suas equipes nos processos decisórios estratégicos compartilhando e inspirando o propósito e a conexão desse propósito com cada um. Essa abordagem aumenta o sentimento de pertencimento e fomenta a colaboração e a inovação.
Paralelamente, reservar momentos para práticas de reflexão e empatia é indispensável. Isso significa criar espaço para introspecção, compreender melhor as próprias emoções e cultivar relações empáticas e genuínas uns com os outros.
A liderança está se transformando. Hoje, ela precisa se basear em relacionamentos genuínos, colaboração e compromisso mútuo, além de vulnerabilidade e compaixão.
O nosso papel como líderes regenerativos é sermos catalisadores de conexões humanas e um modelo de equilíbrio em que os resultados estão diretamente ligados ao bem-estar: das pessoas, das comunidades, do meio ambiente. Não há realização genuína que seja alcançada de forma solitária. O futuro da liderança reside na força coletiva que emerge da colaboração e do cuidado mútuo. Ao abraçar a vulnerabilidade e construir conexões, nós nos fortalecemos e ajudamos a regenerar os sistemas de impacto. Afinal, liderar sozinho não é sustentável — e, no futuro, será impossível.
Artigo escrito por Ornella Nitardi, destaque geral do Prêmio Relevant Leaders 20204.
É gerente sênior de inovação aberta, ecossistemas digitais e insights da BASF e head do Centro de Experiências Científicas e Digitais da BASF na América do Sul. Formada em relações internacionais e ciências políticas pela Universidade Torcuato di Tella (Argentina), pós-graduada em gestão da inovação e prospectiva tecnológica na Universidade Austral (Argentina) e mestre em sustentabilidade, atua há 18 anos com inovação aberta, relações públicas, comunicação e sustentabilidade. É certificada como facilitadora de metodologias ágeis pelo International Consortium for Agile.