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Assistimos a guinadas de 180 graus nas políticas de diversidade, equidade e inclusão de empresas dos EUA e do Brasil, com alguns gestores argumentando que priorizar DEI tem significado, na prática, despriorizar excelência e desempenho. Pois um estudo com cooperativas de crédito dos EUA comprova o contrário: DEI pode ser uma alavanca e tanto para a implementação da estratégia
As maiores prioridades de liderança hoje incluem atrair e reter os melhores talentos, promover o pensamento e a ação inovadoras, motivar os funcionários a ter bom desempenho e aumentar o valor da empresa para seus stakeholders. Tudo isso em um mercado cada vez mais concorrido.
Oficialmente por conta dessas prioridades, temos visto recuos notáveis de algumas empresas em relação a políticas de diversidade, equidade e inclusão de públicos minorizados – muitas vezes, é preciso dizer, baseadas em percepções errôneas ou em simples resistência à mudança.
Os líderes empresariais que querem continuar a apoiar iniciativas de DEI (e assim fazer suas empresas contribuírem para reduzir as desigualdades sociais) se encontram, portanto, em um momento crítico. Mais do que nunca, eles precisam empregar estratégias baseadas em evidências que reforcem a proposta de DEI e também se alinhem com os principais objetivos do negócio.
Acabei de conduzir com McKenzie Preston uma pesquisa em cooperativas de crédito dos Estados Unidos que mostra uma oportunidade mais ampla de usar DEI para alavancar a estratégia corporativa e, assim, conseguir enfrentar os desafios mencionados acima. O que nós dois descobrimos ao investigar práticas de DEI dessas cooperativas foram evidências de que, quando há uma abordagem estratégica de integrar DEI aos processos do negócio, isso se reflete em um melhor desempenho financeiro – em retorno sobre ativos e em lucro líquido. Pesquisas anteriores já haviam descoberto que há um business case sólido para DEI, com uma série de benefícios potenciais para as organizações – incluindo acesso a novos mercados, maior inovação e maior engajamento dos funcionários. Mas acredito que esse estudo dá um passo além.
Em outras palavras, impulsionar a mudança de cultura e promover ambientes (resilientes a ondas do mercado) capazes de oferecer benefícios tangíveis ”só” depende de abordagens mais estratégicas para DEI.
Neste artigo, baseado nas relações entre a implementação de ações de DEI e o desempenho financeiro da empresa mostradas em nossa pesquisa, destaco as práticas que são eficazes para obter vantagens competitivas por meio dessas iniciativas. Adiantando, descobrimos três chaves para alavancar DEI de modo a melhorar o desempenho financeiro:
Essas três perspectivas, quando combinadas, permitem que os líderes tomem decisões DEI com bases sólidas – e estratégicas. A seguir, ofereço orientações mais detalhadas para colocar essas recomendações em prática.
Quando pensamos na gestão de DEI, pensamos em uma grande variedade de práticas – entre elas, anunciar oportunidades de emprego em veículos direcionados a membros de grupos sub-representados ou minorizados, utilizar processos de entrevista estruturados, vincular metas de DEI à avaliação de desempenho e remuneração e aumentar a presença de fornecedores pertencentes a mulheres e minorias. Essas práticas variam em escopo, intensidade de recursos e influência dos stakeholders.
Nossa pesquisa revela uma nova frente de ações de DEI que têm impacto no desempenho da empresa: são as práticas que incorporam DEI na estratégia e nas operações de uma empresa e se mostram essenciais para a criação de valor. Elas começam com a formalização de uma política de DEI ou de um plano estratégico para a área que sejam alinhados com as principais funções do negócio, como gestão de talentos, desenvolvimento de produtos e envolvimento do cliente.
Um participante do estudo descreveu a estratégia corporativa de DEI da seguinte maneira:
“Estamos realmente comprometidos com diversidade, equidade e inclusão, e trabalhamos junto com os funcionários em iniciativas que promovam entendimento da questão, conscientização, oportunidades e sensação de pertencimento. Todos os dias nós nos esforçamos para criar e manter uma força de trabalho diversa, o que significa na prática melhorar continuamente nosso ambiente de trabalho, identificando o que podemos fazer diferente ou onde conseguimos ter processos melhores. Proporcionar flexibilidade, colaboração e empoderamento, como fazemos, incentiva todos os funcionários a atingir seu potencial máximo, e leva a níveis mais altos de engajamento individual e a melhores resultados para a organização.”
Outros entrevistados citaram planos estratégicos que se concentravam em construir forças de trabalho diversas e abraçar o caráter único de cada uma delas, o que aumenta a inovação, o alcance do mercado e outras formas de crescimento do negócio.
Em vez de simplesmente declarar um “compromisso com DEI”, essas organizações contaram como o conceito pode impulsionar os objetivos de desempenho e contribuir para a criação de valor a longo prazo. Essa integração na estratégia posiciona DEI não apenas como uma prioridade ética; DEI passa a ser visto como um imperativo de negócio que alimenta a competitividade e o sucesso.
Nossa pesquisa ainda destaca a importância da existência de práticas para estabelecer responsabilidade pela implementação e progresso de DEI, como nomear um executivo-chefe de diversidade (CDO, na sigla em inglês) ou até formar um conselho de DEI com funcionários diversos.
Para obter um sucesso sustentável, o CDO deve se reportar diretamente ao CEO ou pelo menos ao CHRO para garantir que a iniciativa continue sendo uma prioridade central na agenda de liderança da empresa. Da mesma forma, os conselhos de DEI, embora ofereçam às empresas a oportunidade de obter insights de funcionários de várias origens e funções, precisam que seus membros tenham poder de decisão e recursos para promover mudanças significativas.
Essas duas estruturas – o CDO e o conselho – ajudam a estabelecer DEI como uma prioridade estratégica, fornecem liderança dedicada e criam caminhos claros de responsabilidade para manter o progresso das metas de DEI.
Para facilitar o exercício da responsabilidade sobre o tema em toda a empresa, as organizações precisam estabelecer métricas que reflitam os principais aspectos de DEI e acompanhar o avanço desses indicadores ao longo do tempo. Isso vai além de simplesmente capturar a representação demográfica em pessoal, liderança e retenção.
Métricas do movimento dos funcionários através das camadas hierárquicas organizacionais rastreiam o uso de benefícios/programas e medem o engajamento dos grupos podem oferecer insights valiosos sobre áreas de melhoria e sobe onde as empresas podem investir mais recursos para ampliar o impacto de DEI internamente.
Métricas dos stakeholders – como satisfação em diferentes segmentos de clientes ou o número de contratos com fornecedores pertencentes a minorias – trazem informações reais sobre os esforços externos de DEI de uma empresa.
Medição, análise e interpretação dos dados de DEI responsabilizam as pessoas e ajudam a promover uma cultura corporativa enraizada na transparência e no comprometimento. E também servem de apoio aos líderes nas tomadas de decisão consistentes e baseadas em dados que levam a estratégias de DEI mais eficazes, as quais melhoram o desempenho organizacional.
Uma descoberta significativa de nosso estudo do setor de cooperativas de crédito é que as empresas que obtêm os melhores desempenhos se beneficiam não tanto de uma prática específica de DEI que aplicam, mas da maneira como essas práticas são combinadas e sobrepostas.
Em geral, algumas empresas se concentraram em objetivos e práticas distintas; entre elas, como atrair e contratar diversos grupos de candidatos, treinar funcionários para minimizar preconceitos e interagir efetivamente com outras pessoas superando diferenças ou melhorar o desempenho e desenvolver líderes em todos os grupos.
Embora tenhamos visto que individualmente as práticas podem ser eficazes para atingir metas específicas de DEI, essa perspectiva pode não ser suficiente para melhorar o desempenho financeiro.
Por sua vez, nossa pesquisa mostra que uma abordagem de prática agrupada para DEI amplifica os efeitos de desempenho individuais.
Os pacotes de práticas de DEI são conjuntos de práticas complementares que reforçam o valor e o compromisso de uma empresa com DEI e a ajudam a atingir metas específicas, como apoiar o crescimento e a progressão na carreira dos funcionários ou fortalecer o engajamento e o comprometimento dos funcionários.
Quando examinamos a implementação de 35 práticas de DEI no setor de cooperativas de crédito, surgiram oito conjuntos de práticas: estratégia, governança, metas e rastreamento, recrutamento, seleção, desenvolvimento de carreira, grupos de funcionários e diversidade de fornecedores.
Dentro de cada uma dessas áreas, as cooperativas de crédito implementaram várias políticas e práticas destinadas a atingir um objetivo comum. Essa abordagem cria configurações difíceis de imitar por outras empresas, juntamente com sinergias que maximizam sua eficácia.
Embora diferentes conjuntos de práticas de DEI possam impactar as organizações de diferentes maneiras, alguns deles desempenham um papel especialmente transformador na motivação de seu desempenho. Três deles geram receitas líquidas e retornos sobre ativos mais altos do que os demais: s os que envolvem estratégia, os relativos a governança, os que lidam com metas e acompanhamento.
CONJUNTO DE PRÁTICAS | DESCRIÇÃO |
Estratégia | Práticas como estratégias de DEI, políticas que descrevem o valor que pode ser gerado por DEI e a incorporação de DEI no plano estratégico de uma organização – tudo que remeta a vincular a abordagem de DEI com o cumprimento da missão e dos objetivos de uma empresa. |
Governança | Práticas como a nomeação de cargo(s) e/ou órgãos de governança com responsabilidade formal pela coordenação e monitoramento dos esforços de DEI de uma empresa. Inclui CDOs e conselhos de DEI. |
Metas e acompanhamento | Práticas como desenvolvimento e uso de métricas de DEI para garantir o progresso. Isso inclui indicadores para construir forças de trabalho diversas, manter sistemas equitativos e facilitar ambientes inclusivos. |
Recrutamento | Práticas para atrair diversos grupos de candidatos. Inclui recrutamento direcionado e parcerias com instituições que atendam a públicos minorizados e organizações especializadas na área. |
Seleção | Práticas para fazer candidatos participarem de um processo de seleção. Inclui o uso de diversos painéis de entrevistas, treinamento em entrevistas e processos de entrevista estruturados. |
Progressão na carreira | Práticas de desenvolvimento de liderança e avanço na carreira. Elas incluem identificar, orientar e treinar diversos grupos de líderes atuais e futuros. |
Grupos de funcionários | Práticas para fortalecer o engajamento, o comprometimento e a retenção dos funcionários diversos. Podem tomar a forma de grupos de afinidade, de recursos de funcionários (chamados de grupos ERG, pela sigla em inglês) ou redes. |
Diversidade de fornecedores | Práticas para incentivar a contratação de fornecedores de grupos tradicionalmente sub-representados. Elas incluem políticas formais, divulgação e programas de cadastramento de empresas pertencentes a mulheres, negros etc. |
Esses três conjuntos trabalham em sintonia para garantir que a diversidade, a equidade e a inclusão não sejam simplesmente aspiracionais, mas estejam entrelaçadas na estrutura operacional da empresa. Mais precisamente, eles moldam os pools de capital humano, motivam ações consistentes com a estratégia e as metas de DEI e fornecem feedback sobre o desempenho de DEI.
Nossa pesquisa mostra que a estratégia e as metas de DEI e os conjuntos de rastreamento são vitais para moldar o capital humano, atraindo e retendo uma força de trabalho diversificada, o que traz uma ampla gama de perspectivas e experiências para uma organização.
Esses conjuntos capacitam coletivamente os funcionários a fazer contribuições únicas para os processos de trabalho, pois promovem uma cultura em que diversas perspectivas e habilidades são reconhecidas e valorizadas.
Ao vincular explicitamente as metas de DEI aos resultados do negócio, as empresas também criam uma visão clara de como a diversidade agrega valor e motivam os funcionários a alinhar seus esforços com o sucesso geral da empresa.
Em resultado, a estratégia, a governança e as metas de DEI e os pacotes de práticas de rastreamento ajudam a incorporar DEI nas estruturas e fluxos de trabalho de uma organização e a impulsionar comportamentos alinhados aos objetivos organizacionais.
Simultaneamente, esses conjuntos oferecem um feedback que permite que as empresas avaliem e refinem seus esforços de DEI para garantir um impacto duradouro, mantendo-se adaptáveis às necessidades em evolução da força de trabalho.
À medida que as empresas capitalizam com mais eficiência as oportunidades que a diversidade oferece – como inovação aprimorada, resolução de problemas e alcance de mercado –, elas tendem a superar financeiramente seus pares.
Isso demonstra que as organizações que alinham estrategicamente DEI com seus objetivos mais amplos e acompanham o progresso em direção a esses objetivos estão mais bem posicionadas para alcançar o sucesso cultural e financeiro.
A integração de DEI nas estratégias de negócio também promove uma organização mais adaptável e resiliente – mais bem equipada para navegar pelas mudanças na dinâmica do mercado e pelos desafios emergentes.
O setor de cooperativas de crédito é um cenário interessante para esses efeitos, uma vez que DEI é um princípio orientador em sua abordagem centrada nos associados para o negócio e seus padrões éticos, incluindo mandatos para empréstimos justos e tratamento equitativo dos membros.
Embora essas instituições financeiras cooperativas priorizem o serviço aos seus associados em vez de maximizar os lucros, nossas descobertas mostram que elas podem atingir metas sociais e melhorar os resultados financeiros.
Os conjuntos de práticas que vinculam DEI à estratégia de negócios e criam responsabilidade pelo progresso também levam as instituições além da conformidade e destacam maneiras de integrar DEI ao modelo de negócio.
Como os programas de DEI podem sofrer variações de sua eficácia em diferentes filiais, funções e outras unidades de negócio, esses conjuntos de práticas estratégicas também oferecem uma abordagem sustentável de DEI em toda a empresa.
Abordagens mais estratégicas para diversidade, equidade e inclusão são cruciais para alcançar mudanças organizacionais significativas e sustentáveis. Ao contrário das iniciativas táticas, que podem oferecer soluções de curto prazo para questões específicas, uma visão estratégica de DEI consolida esses princípios na missão principal, nas operações e nos objetivos de longo prazo de uma organização.
Essa integração garante que DEI se torne um aspecto fundamental das operações na promoção das capacidades organizacionais e da cultura, fomentando um ambiente mais inclusivo e equitativo.
Um bom framework para DEI pode envolver as seguintes ações:
O PAPEL DE DIVERSIDADE, EQUIDADE E INCLUSÃO COMO UM IMPERATIVO de negócios não deve ser exagerado – e este artigo não o está exagerando. Nossa pesquisa nas cooperativas de crédito dos EUA confirma que a integração dessa função na estratégia de fato fortalece o tecido cultural das organizações e não apenas – também serve como um motor fundamental para mudanças significativas e melhor desempenho organizacional.
Líderes de quaisquer organizações podem aproveitar a oportunidade atual [incluindo a oportunidade de se diferenciar na onda de recuos, como alguns têm dito querer aproveitar] para criar programas de DEI estratégicos, robustos e baseados em evidências que se alinhem aos objetivos do negócio e promovam o crescimento e o sucesso sustentáveis.
Em 2021, os pesquisadores examinaram a implementação de 35 práticas de DEI no setor de cooperativas de crédito dos Estados Unidos. Exemplos das cooperativas investigadas são Advantis Credit Union, Bethpage Federal Credit Union, Civic Federal Credit Union, Desert Financial Credit Union, Global Credit Union, Kinecta, LGFCU – Local Government Federal Credit Union, SchoolsFirst Federal Credit Union, State Department Federal Credit Union, Suncoast Credit Union, UNFCU, UW Credit Union e Visions Federal Credit Union. Nessa análise, foram identificados oito conjuntos de práticas de DEI: estratégia, governança, metas e rastreamento, recrutamento, seleção, desenvolvimento de carreira, grupos de funcionários e diversidade de fornecedores. A pesquisa foi feita com o Filene Research Institute, think tank dedicado a pesquisas que gerem inovação para o setor de cooperativas de crédito, com sede em Madison, Wisconsin, nos EUA.
Q. Roberson, O. Holmes IV, e J.L. Perry, “Transforming Research on Diversity and Firm Performance: A Dynamic Capabilities Perspective,” Academy of Management Annals 11, no. 1 (January 2017): 189-216.
D.R. Avery, E.N. Ruggs, L.R. Garcia, et al., “Improve Your Diversity Measurement for Better Outcomes,” MIT Sloan Management Review 64, no. 2 (winter 2023): 54-59.