Ninguém quer chamar palestrante para falar de coisa que falhou, não é? Mas deveria
Um dos temas mais em alta nos últimos anos é o empreendedorismo. Histórias de negócios que nasceram em garagens, com fundadores que se tornaram milionários, a especulação de quem será o próximo unicórnio, o glamour que vive em torno das rodadas de investimento. Muito se fala dos sucessos, dos casos fora da curva, mas pouco se fala da realidade que é, efetivamente, empreender.
Há mais ou menos duas semanas, participei de uma live com o Leo Kuba, fundador da agência Inkuba (aliás, fica aqui a recomendação para seguir seus conteúdos no Instagram @digitalbyleo), onde falamos sobre empreender na real. Antes, para a divulgação, compartilhei uma foto e biografia minha e isso me fez refletir sobre o que falamos e o que deixamos de falar quando contamos nossas histórias.
A biografia que enviei foi algo nesta linha:
Ana Julia Ghirello é fundadora da aceleradora de startups abeLLha e responsável pelo Streaming do Telecine. Ela fez parte do time que fundou o bomnegócio.com em 2011, onde era vice-presidente, e que se juntou à OLX em fevereiro de 2015, onde atuou como COO. Antes disso, morou 8 anos em Nova York onde iniciou sua carreira aos 19 anos com UX e desenvolvimento de produtos, até fundar a sua primeira empresa, uma consultoria digital, aos 22 anos.
Chique, né? Mas a verdade é que, pra ser mais sincera, a minha biografia deveria, talvez, ser:
Ana Julia Ghirello é fundadora da aceleradora de startups abeLLha e responsável pelo Streaming do Telecine. Ela fez parte do time que fundou o bomnegócio.com em 2011, onde era vice-presidente, e que se juntou à OLX em fevereiro de 2015, onde atuou como COO. Antes disso, morou 8 anos em Nova York onde iniciou sua carreira aos 19 anos com UX e desenvolvimento de produtos, até fundar a sua primeira empresa, uma consultoria digital, aos 22 anos.
Ana também fundou cinco outras empresas que não tiveram continuidade, onde perdeu um valor significativo de seus investimentos: um site para gerenciar roadmaps de produto (roadmappe), um site onde pessoas compartilhavam dicas de viagem (fuui.me), um app para compartilhar e guardar seu momentos favoritos de uma cidade (happymoment.me), um app para encontrar talentos e compartilhar projetos (GoodPeople – este ainda ativo mas sem modelo de negócio!) e um software para gerenciamento de OKRs e Projetos (Honeycomb, que será desativado este mês). Ao todo foram mais de 400k investidos em negócios que não se concretizaram devido à alguns fatores como: falta de foco, falta de validação do fit no mercado e pouca validação com usuários e possíveis clientes. Mesmo assim, ela segue realizada perseguindo o que acredita, aprendendendo e errando mais e mais.
Por que é que focamos tanto somente nos sucessos? Por que, na hora em que envio uma biografia minha ou olho o meu LinkedIn, só listo os negócios que continuam ativos?
Eu com certeza tenho mais a ensinar falando das coisas que não foram pra frente do que falando do que deu certo. O que deu certo é, na maioria das vezes, difícil de explicar e conta com inúmeras variáveis complexas, incluindo a sorte.
Falamos tanto nas empresas que precisamos de gente com mindset empreendedor, que estejam confortáveis em ambientes de grande volatilidade e dispostos a experimentar, errar e aprender. Test & Learn! E, ao mesmo tempo, nos vendemos como seres perfeitos, que não erram, que tem carreiras apenas de sucessos!
Será que não deveríamos falar mais dos erros e seus aprendizados do que apenas dos acertos e de fórmulas prontas? Afinal, não seriam esses cases de sucesso fora da curva uma visão incompleta e totalmente enviesada? Será que não temos mais a aprender com os erros do que com os poucos que, efetivamente, acertaram?
O curioso é que, para todos os lados que olhamos, só vemos cases de sucesso, os fora da curva: as regras de ouro do CEO Fulano, como ter uma rotina de vencedor, hábitos de pessoas eficazes, como trazer para sua startup os segredos de Google e Facebook? Ninguém quer chamar palestrante para falar de coisa que falhou, não é?
Neste ponto, recomendo a leitura (indicada, também pelo Leo Kuba!) do artigo em inglês Survivorship Bias (Viés de Sobrevivência) neste link. Nele o David McRaney escreve com inúmeros exemplos detalhados sobre o erro de lógica quando nos concentramos nas pessoas, cases, coisas que passaram pelo processo duro de seleção e sobrevivência, passando por cima de toda a informação e aprendizado dos que não sobreviveram. São estes que falharam que geralmente tem zero visibilidade (seja na mídia, palestras, livros, etc). O viés de olhar somente para o que funcionou / sucesso geralmente leva a falsas conclusões.
Será que no seu negócio, na sua empresa, na sua vida, você não deveria buscar histórias e exemplos dos que falharam? Talvez não estejam aí as respostas e estratégias mais eficazes para chegar onde deseja?
“”The Misconception: You should focus on the successful if you wish to become successful.The Truth: When failure becomes invisible, the difference between failure and success may also become invisible.””“