Empresas cujo tom é uma base contínua e repetitiva, como o ritmo de um swing, adotam o estilo semelhante ao jazz, que dá espaço a improvisos. É o ápice da gestão
Longe de ser cativante, a melodia feita com uma única nota musical rapidamente torna-se tediosa. Até mesmo o saudoso Tom Jobim, no seu _Samba de uma nota só,_ percebeu isso: depois de seis compassos a tônica cede lugar à quarta harmônica para enfim liberar a melodia à ampla variação. Há, também, o caso extremo do compositor John Cage que, em 1952, apresentou a peça intitulada 4’33”, que nada mais é do que a ausência deliberada de qualquer som durante 4 minutos e 33 segundos. Na referida obra não havia, em teoria, uma única nota, mas na prática havia um monótono ruído de fundo causado pela impaciência da plateia. Os dois exemplos avisam: se você não articular a melodia não provocará nada estimulante em termos musicais, apenas a mera curiosidade.
É plausível desenvolver uma correlação entre as composições musicais e a instauração da cultura das organizações? Sim. Na partitura de ambas, é o movimento harmônico que dá a tônica dominante para que se possa articular relações de encadeamento de sons simultâneos com diferentes vozes melódicas, sem que o resultado produza a sensação de desafinação para o ouvinte. Mesmo quando os acordes produzem dissonâncias, tais efeitos constroem e aliviam a tensão da composição, produzindo sutileza ou densidade, que são percebidas como beleza, emoção e expressão. Seja como for, as melodias organizacionais acontecem pela articulação de notas e mais notas que se aproveitam das harmonias e dos ritmos para cativar colaboradores, gestores e acionistas.
No engenho de qualquer cultura organizacional, o tom, o ritmo, o estilo e as vozes disponíveis são determinantes. Empresas cujo tom é uma base contínua e repetitiva, como o ritmo de um _swing_, adotam o estilo semelhante ao jazz_,_ que dá espaço às vozes capazes de amplas escalas e improvisos. Elas diferem substancialmente de empresas cujo o tom é dado pelo ímpeto marcado de um ritmo frenético, no estilo punk rock e com vozes gritadas ou roucas.
Porém, é preciso considerar que a cultura das empresas sempre está de caso com o refinamento dos ouvidos de seus acionistas. Aqueles que creem nos fundamentos populares, muito provavelmente conduzirão a empresa ao comportamento de um samba-enredo, um pagode, um sertanejo, ou ainda um funk de raiz. Outros se afeiçoam às músicas populares estrangeiras, com seus ritmos peculiares, ou preferem a sofisticação dos clássicos. Há ainda aqueles que tomam o blues como pauta para expressar o modelo de chamada e resposta.
Em todo caso, seja qual for o preparo do ouvido dos acionistas, tudo o que advém daí sofre direta influência: o tom, o ritmo, o estilo e as vozes que você contrata para operar a grande melodia empreendedora.
A analogia serve também para a cultura geral. Particularmente, gosto de pensar a cultura como o que se cultua ou o que se cultiva. Por esta perspectiva é possível entender o que prevalece no âmbito popular – entendido aqui como o que é mais cultuado ou cultivado. Contudo, a diversidade de um povo proporciona o convívio de preferências múltiplas, cada uma delas cultuando ou cultivando o que mais as sensibiliza. Temos, por exemplo, o grande grupo da música popular com suas diferentes variações, o grupo da música eletrônica, o pequeno grupo do rock pesado e os restritos grupos da música clássica e do jazz. Por que seria diferente nas organizações?
Bem, há que se considerar que a diversidade, por mais ampla que seja, sempre encontra alguma prevalência. Isto se deve à disposição da empresa em associar-se aos saberes disponíveis que dão conta de motivar as crenças diretivas e gerenciais. Tenha-se em conta a sabedoria popular e as sabedorias filosóficas e científicas. Há, ainda, a sabedoria dos visionários empreendedores. A analogia permite dizer, por exemplo, que as sabedorias filosóficas e científicas estão mais associadas ao rock ou à música clássica. Já a sabedoria popular, aos estilos populares e eletrônicos.
Mas. e o jazz? Pela sua característica de improviso é razoável associá-lo aos visionários empreendedores, porém não creio que seja bem assim. Os visionários empreendedores, na verdade, flertam com as tendências da música popular e não com a sofisticada articulação improvisada de diferentes vozes em ritmos sincopados. Isso exigiria ciência avançada e compreensão de fatores que dão à música uma noção de unidade, mesmo quando todos estão criando alguma coisa em real time, sem a necessidade de repetir na próxima apresentação aquilo que foi desenvolvido anteriormente. No jazz tudo é sempre novo. Parece que está mais para algo como um _war room,_ que junta vários integrantes para ajudar a Apollo 13 a retornar à Terra. No jazz, todos colaboram para um único fim, uma missão que parece ter sido pensada desde o primeiro instante para ser nada mais do que a missão de pensar qual a próxima sequência de notas que garantirá o sucesso de todos os participantes. Para falar a verdade, eu considero isso um ápice no modelo diretivo de uma empresa.
Não obstante, é interessante fazer tais paralelos porque se referem a nossa própria disposição dentro das organizações. Frequentemente, o estilo não é o de nossa preferência. Há grupos dominantes que mantêm o estilo. Mas não importa. No fundo, o papel de cada um é ser voz (ou nota) em cada contexto. Aos líderes, além da voz, é exigida a manutenção do tom e do ritmo que correspondem às expectativas do negócio. A voz dos colaboradores contribui para aquilo que encorpa o grande concerto da empresa. O resultado – a dinâmica – é sempre o que dá à composição do grande grupo o seu valor cultural e, por decorrência, o sentido de pertencimento.
O psicólogo evolucionista, Steven Pinker, na obra _Como a mente funciona_, defende que a música é “uma primorosa iguaria que estimula as nossas outras faculdades mentais”. Como essa iguaria derivou para todos os estilos conhecidos não é bem sabido, mas não duvido da tese. Para mim, que gosto demais de rock pesado, o tom alto que energiza meu corpo e minha mente, com aquele ritmo forte e determinado, exigindo vozes extremas e evoluções de grande envergadura, é uma iguaria sem igual. Mas assim também considero as delicadas sonatas para flauta de Bach, as estonteantes sinfonias de Beethoven, o introvertido dodecafonismo de Debussy e os contrastes afiados, grotescos e ambivalentes de Shostakovich. Também prezo muito Chico Buarque e Caetano, e ainda sou capaz de me encher de energia ouvindo Gipsy Kings ou, no outro extremo, Chick Corea.
No âmbito da cultura organizacional, cultuar ou cultivar a diversidade é bastante promissor. Soma-se a isso a ideia do jazz e teríamos uma organização ideal. No jazz, por exemplo, as hierarquias não são importantes. A livre criatividade é incentivada, os improvisos são construtivos e não há críticas à expressão de cada integrante. Mas nem sempre isto é bem entendido. E não se pode exigir que todos pensem da mesma maneira. O que se pode adotar é, invariavelmente, uma disposição para a diversidade.
Aprendi a gostar de todos os estilos que requerem boa execução para serem apreciados. É assim que, como líder de uma operação, os combino para ajustar às situações do cotidiano profissional. Porém, não sou fechado: reconheço que às vezes a gente apenas precisa que a plateia cante com a gente. E isso é um bem cultural que deve ser cultuado e cultivado.