O Brasil é o atual campeão mundial em rotatividade de funcionários, com um aumento de 82% desde 2010; muito disso pode ter a ver com déficits de diversidade e inclusão. Enquanto as empresas não melhoram o quadro, cada pessoa deve agir
Joana acaba de aceitar a oferta de emprego dos seus sonhos. Foi tudo bem na entrevista e ela já completou o período de três meses de experiência no novo time. É final de junho e a empresa manda um comunicado sobre a celebração do mês do orgulho LGBTQ e ela, que é lésbica, lê o email e respira aliviada por ter feito a escolha certa.
Algum tempo depois, ela está no café e vê sua diretora, o vice- presidente da sua linha de negócios e alguns colegas de outras áreas fazendo comentários e piadas homofóbicas sobre o e-mail enviado. Joana comenta com um colega de time, que também é gay, o que acaba de presenciar. Ele olha profundamente para ela, suspira e observa: “As ações de diversidade podem ser lindas no e-mail, mas, na prática, não existem treinamentos, nem comitês de diversidade e muito menos exemplo dos líderes”. Oito meses depois, Joana está começando seu primeiro dia em outra empresa.
Segundo estudo global feito pela Robert Half, o Brasil é o atual campeão mundial em rotatividade de funcionários, com um aumento de 82%, desde 2010, o que é mais que o dobro da média mundial de 38%. Com um agravante: boa parte dessas pessoas sai do atual emprego antes de completar o primeiro ano.
Para a empresa, O custo financeiro disso é muito significativo, além de afetar a reputação corporativa e a credibilidade externa, pois pode ser questionada inclusive a estabilidade do negócio.
Internamente, os efeitos negativos podem ser notados com a sobrecarga de colaboradores que precisam realizar o trabalho da pessoa que saiu, o que aumenta a insatisfação de quem fica e leva diretamente à uma queda na produtividade.
E para você?
Se diversidade, inclusão e ou pertencimento forem fatores importantes para você na hora de escolher um lugar para trabalhar, não faça como a Joana da nossa história, que deixou para descobrir depois da contratação se o discurso da empresa coincidia com a prática. Seria o mesmo que deixar para conhecer o marido ou a esposa só depois do casamento.
Uma das recomendações é pesquisar na página da empresa na internet, buscar perfis no LinkedIn de pessoas que trabalham nessa empresa e que tipo de postagens elas fazem sobre o assunto. Se souber quem é a liderança, melhor ainda. Se encontrar alguma postagem de um colaborador ou colaboradora com o qual você se identifica, não pense duas vezes em mandar uma mensagem privada e perguntar como é a cultura de diversidade por lá.
Essa medida inicial é fazer a lição de casa. Depois vêm uma medida para a entrevista de emprego. Sabe aquele momento no final, onde ambas as partes já se fizeram todas as perguntas e sobra um tempinho para tirar dúvidas ou fazer comentários? É aí que você precisa agir. Aqui vão algumas sugestões de perguntas a fazer, para te inspirar.
1 – Quão importante é a diversidade para a empresa? Qual o valor para vocês em ter times diversos?
Você já vai perceber na fala da pessoa do recrutamento se ela tem o que responder ou não. Se os argumentos forem muito genéricos, como por exemplo, se ela falar que diversidade aumenta a inovação e a criatividade, fique alerta. O que queremos ouvir nessa hora são coisas como: “É tão importante que temos até uma pessoa dedicada a trabalhar com diversidade” ou “Participamos ativamente de eventos com talentos diversos para trazer mais diversidade para nossos times”. O ideal é sentir autenticidade na fala e não apenas mensagens prontas retiradas de páginas da internet, mas que ela compartilhe histórias reais.
2 – O que vocês estão fazendo para garantir ativamente que todos se sintam incluídos?
Se a empresa está buscando em sua pesquisa de clima ou outros canais de escuta, como fóruns de colaboradores, quais são os pontos fortes e desafios de inclusão, significa que estão criando planos para encarar de frente esse cenário. Muitas vezes, a empresa pode não estar com todas as políticas e práticas implementadas, mas entendeu a sua realidade e tem planos para intervir com ações práticas. De novo, se a pessoa der exemplos reais, melhor ainda.
3 – Quais dados vocês costumam avaliar e medir sobre D&I?
As estatísticas de diversidade nos dão uma imagem clara de onde está a empresa para a qual você está se candidatando. A existência de programas de desenvolvimento que garantam um pipeline interno de talentos diversos – como, por exemplo, mentoring para mulheres – pode ser um bom indicativo de que pessoas dos grupos minorizados terão espaço para crescer nessa organização.
4 – Como está a liderança em termos de diversidade? Há representatividade de mulheres, negros e outros grupos no comitê executivo?
Observar a diversidade da equipe de liderança diz muito sobre as oportunidades de crescimento e desenvolvimento de candidatos diversos. Ninguém busca um emprego para ficar onde está, e um dos grandes desafios da inclusão é criar oportunidades para que todos os talentos possam avançar em suas carreiras. Para mim, esse é um dos indicadores mais importantes.
5 – Que tipo de treinamento em diversidade e inclusão os líderes recebem? E a pessoa que será a minha liderança? Passou por algum deles?
Uma cultura de diversidade e inclusão só é construída com muito conhecimento e educação. Compreender as bases das desigualdades e privilégios inconscientes, de onde eles vem e como comportar-se diante de dilemas cotidianos é o que vai ajudar a empresa a dar mais passos em direção aos seus objetivos de inclusão. A liderança é quem dá o tom e o exemplo para que os colaboradores sejam os followers da cultura. Vale a pena perguntar também se os treinamentos são mandatórios. E, mais importante ainda, se a pessoa que será a sua liderança direta participa ativamente deles.
No fim do dia, diversidade e inclusão já se tornaram prioridades para muitas pessoas quando procuram um novo desafio profissional. Porém, ainda é muito difícil determinar se uma empresa é inclusiva quando você está olhando de fora para dentro.
Embora uma entrevista possa dizer bastante, é difícil avaliar as políticas corporativas em algo tão complexo e multifacetado como diversidade e inclusão.
Felizmente, os empregadores estão percebendo que as pessoas valorizam essas práticas e vêm assumindo um papel mais estratégico e consistente sobre o tema. Vale a pena acompanhar e monitorar quais ações a empresa que você sonha trabalhar tem feito, antes de tomar uma decisão. Entreviste a empresa e confirme se ela está apta para contratar você.”