Apesar do ano difícil, houve avanços, como o anúncio da CVM de que vai facilitar o caminho para que as companhias abertas compartilhem seus dados de diversidade
Que foi um ano desafiador, ninguém questiona. Que houve muita coisa nova e assustadora acontecendo, também. A questão é que o mundo mudou, o normal mudou e que ainda é impossível medir todos os efeitos negativos que a Covid-19 nos trouxe e ainda vai trazer. Mas como dizem que toda crise é uma oportunidade de mudança, quero convidar vocês a lembrarem do que aconteceu esse ano no campo da diversidade e inclusão.
Desde direitos das mulheres, passando por episódios tristes como o caso George Floyd nos Estados Unidos e chegando aos programas para trainees negros no Brasil, será que o balanço final foi positivo? Eu, como eterna defensora do copo meio cheio, trago aqui alguns dos eventos que marcaram 2020, sob a ótica da diversidade e inclusão.
O ano começou promissor para o avanço dos direitos das mulheres com a condenação a 23 anos de prisão do americano e ex-produtor de filmes, Harvey Weinstein, por abusos sexuais contra diversas mulheres. O caso serviu como motor propulsor para que muitas mulheres ao redor do mundo se empoderassem a se manifestar contra outros abusadores famosos, inclusive no Brasil.
Entretanto, mal havíamos celebrado o dia internacional das mulheres, e março já trazia uma ameaça global que interromperia a rotina e a ordem das coisas ao redor do planeta. Com a pandemia e a intensificação dos modelos de trabalho remoto, nós acreditamos que finalmente as mulheres poderiam alcançar mais espaço no mercado de trabalho, uma vez que flexibilidade é um dos fatores apontados como importantíssimo para que isso aconteça. No entanto, não contávamos que as escolas fechariam e que a pandemia duraria tanto tempo. O que parecia ser a solução, converteu-se em um fenômeno chamado de “She-cession”, ou seja, uma crise econômica que acertou em cheio as mulheres.
Mas a crise também mostrou que nações lideradas por elas, como Taiwan, Coreia do Sul, Alemanha e Nova Zelandia, foram as mais eficazes no combate a pandemia, comprovando os benefícios da liderança feminina e fazendo muita empresa pensar. Além disso, as mulheres também foram destaque na construção de soluções contra o novo coronavírus, liderando equipes de cientistas que criaram em tempo recorde, vacinas capazes de ajudar o mundo a se tornar imune. Destaque aqui no Brasil para Jaqueline Gomes de Jesus que coordenou a equipe que fez o sequenciamento do genoma do novo coronavírus por aqui.
Junho é o mês do orgulho LGBTQ+ e foi exatamente nesse mês que a Suprema Corte dos EUA aprovou a lei que proíbe discriminação no trabalho contra homossexuais e pessoas transgênero. Foi também o ano de muitos eventos online, incluindo a Parada do Orgulho LGBT de São Paulo, a maior do mundo, transmitida em tempo real para milhões de pessoas.
No Brasil, o comercial do dia dos pais estrelado pelo ator Thammy Gretchen rendeu muita polêmica e muitos resultados positivos a marca Natura, que viu suas ações serem valorizadas após a campanha. Mais uma lição aprendida por muitas marcas.
Com a pandemia, o assunto “grupo de risco” ficou cada vez mais em evidência e entre eles, um dos mais afetados foi o de pessoas acima de 60 anos de idade. Estudos mostram que as maiores taxas de perda de emprego aconteceram exatamente para pessoas 60+. Felizmente, varias empresas começaram a se movimentar e acelerar processos de reinserção desses profissionais no mercado.
A Oracle e a organização Labora criaram um programa de bolsas para capacitação em tecnologia para 500 profissionais desse grupo etário, visando a preparação para uma segunda carreira. Com o mercado de tecnologia cada vez mais aquecido para profissionais de TI, devido principalmente à urgência da necessidade de transformação digital das empresas por conta da pandemia, esses profissionais abriram caminhos para novas oportunidades de carreira.
Mas 2020 foi definitivamente o ano da discussão sobre a desigualdade racial no mundo. Após a morte de George Floyd por violência policial nos EUA, explodiram manifestações contra a discriminação racial nos quatro cantos do planeta. Em Bristol, na Inglaterra, até a estátua do traficante de escravos Edward Colston foi derrubada em sinal de que homenagear pessoas que contribuíram para o racismo estrutural que temos hoje, não será mais tolerado.
Infelizmente, George Floyd não foi o único que perdeu sua vida por causa do racismo. Um menino negro que caiu do 9º andar de um prédio no Recife, um homem negro morto por seguranças em um supermercado em Porto Alegre e mais recentemente, duas meninas de 4 e 7 anos, mortas por bala perdida no Rio de Janeiro, nos lembram que as pessoas ainda morrem por conta da cor de sua pele e que precisamos combater toda e qualquer forma de racismo na sociedade.
E a cobrança tem sido forte por posicionamento das empresas. Um comentário de que para contratar negros teria que baixar o nível de qualificação dos candidato, custou milhões a uma fintech considerada queridinha pelos seus consumidores. Felizmente a marca fez seu trabalho de casa e rapidamente se desculpou, apresentando publicamente um plano de ação para colocar em prática a intenção de ter mais talentos negros trabalhando com eles.
Outra empresa que deu exemplo e fez bonito esse ano foi a Magalu que criou um Programa de Trainees dedicado para pessoas negras. Outras iniciativas importantíssimas foram criadas, como o Conselheira 101, programa de incentivo à presença de mulheres negras nos conselhos de administração das empresas.
Com a pandemia, os efeitos sobre a economia e a empregabilidade foram sentidos também por pessoas com deficiência. Porém, em julho entrou em vigor a Lei 14.020/2020, que proibiu a demissão de pessoas com deficiência sem justa causa no período da pandemia, para proteger o emprego desses trabalhadores.
Muitas empresas também tiveram atenção especial aos seus colaboradores com deficiência, quanto as adaptações de home office e ergonomia, promovendo ações como disponibilizar móveis adaptados e acessorios, como monitores para pessoas com baixa visão. Além disso, com o home office abriu-se uma grande oportunidade para pessoas com baixa mobilidade, pois aumentaram as chances de trabalhar de qualquer lugar, não dependendo mais de deslocamento ou de adaptação de infraestrutura das empresas.
A vitória do candidato democrata Joe Biden nos EUA, trouxe ao poder a primeira mulher vice-presidente de uma das maiores economias do mundo, Kamala Harris. Além disso, o anúncio de um gabinete composto de diversas mulheres, pessoas negras e pessoas da comunidade LGBTQ+, traz a esperança de que esse seja um recado muito positivo para o mundo em 2021 e que pode gerar movimento global.
Por aqui, cada vez mais investidores estão de olho nos indicadores de diversidade e inclusão na hora de apostar em empresas e a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) acaba de anunciar que vai facilitar o caminho para que as companhias abertas compartilhem informações sobre dados de diversidade nos seus quadros de funcionários.
Que 2021 seja um ano de transformações necessárias em prol da diversidade e inclusão. Feliz Ano Novo!”