Aproximação entre grandes empresas e startups acelera a inovação em produtos, serviços, estrutura e gestão
Vivemos um momento ímpar da história: nunca antes nos reinventamos com tamanha velocidade. Na área médica, por exemplo, na década de 1950, o tempo estimado para se dobrar o conhecimento médico no mundo era de 50 anos; nos anos 1980, esse período caiu para sete anos; hoje, o número é de 73 dias.
Dados como esses mostram o impacto do rápido avanço tecnológico na rotina humana. Mas não precisamos viajar tão longe. Há 13 anos surgia o iPhone; hoje, 67% da população mundial possui um celular, cerca de 5,1 bilhão de pessoas, segundo dados da GSMA. Por sua vez, o Uber, que revolucionou o transporte e sacudiu cadeias de valor, foi lançado há dez anos.
No contexto das grandes corporações, uma década não significa tanto tempo assim, e são movimentos como esses que as alertam sobre a velocidade de transformação e sobre a urgência da adaptação desses negócios – e que a paz de espírito de seus líderes talvez já não seja mais a mesma. Uma pesquisa feita pela Dell em 2016 apontou que 78% das empresas se sentem ameaçadas por startups digitais. Com isso, não é surpresa quando modelos tradicionais de P&D e a perpetuação do pioneirismo dessas corporações comecem a ser questionados.
No setor de saúde, observamos uma escalada enorme de novas soluções e tecnologias que tem transformado a maneira como interagimos com os atores da cadeia de valor, de consultas virtuais à coleta de exames e condução de tratamentos.
A medicina atual está conectada, automatizada e, ao contrário do imaginado, não possui como protagonistas robôs humanoides que realizam procedimentos cirúrgicos, mas, sim, as plataformas digitais que centralizam serviços, consultas remotas, sistemas de suporte para tomada de decisão médica e aplicativos que povoam os smartphones dos profissionais da saúde.
Essa revolução é bem mais recente que o lançamento do iPhone ou do Uber, e o cenário pandêmico acelerou ainda mais essa transformação, liderada pela digitalização. Não será surpresa se, em pouco tempo, diante da questão: “você já fez uma consulta por telemedicina?”, a resposta seja: “quem nunca?”Inovação em casa ou de fora?
Tradicionalmente, grandes corporações sempre foram reconhecidas por inovarem “de dentro para fora”, criando produtos e serviços em suas áreas internas de P&D e Negócios. Há mais de um século, companhias como Johnson & Johnson, Siemens e Pfizer garantiram superioridade tecnológica e liderança em inovação por meio de massivos investimentos em centros de pesquisa e ciência produzida em casa.
No entanto, o cenário já não é o mesmo. A velocidade com que novas descobertas se tornam produtos e, consequentemente, empresas também já não é mais a mesma, assim como não é mais uma opção aguardar a inércia natural das grandes corporações para inovar.
Antes de um projeto de P&D passar por todas as aprovações e burocracias de uma grande empresa, a spin-off de um laboratório em uma universidade na Califórnia já se transformou em uma startup, capitalizou e entrou no mercado com uma solução tão inovadora quanto. Isso é possível, entre inúmeros fatores, devido à maturidade dos ecossistemas de tecnologia e empreendedorismo mundiais e pela oferta de capital de risco, disposta a apostar no potencial payoff dessas empresas nascentes.
A intenção não é pintar um cenário catastrófico sobre como as startups de tecnologia tornarão áreas de P&D tradicionais obsoletas. Pelo contrário! As grandes companhias têm percebido que existe complementaridade entre seus departamentos de P&D, Produtos e Negócios com esse crescente ecossistema independente. Não é à toa que as três gigantes que mencionei anteriormente possuem estruturas dedicadas a buscar, investir e integrar startups de tecnologia que estão revolucionando seus segmentos, por meio da estratégia de inovação corporate venture capital, os “CVCs”.
Os CVCs são, com perdão da liberdade poética, uma segunda derivada dos famosos fundos de venture capital, ou “IVCs”. Esses fundos ganharam os holofotes da mídia ao fornecer o capital inicial para empresas como Apple, Intel e Genetech, em um modelo de aquisição minoritária de participação (em troca pelo investimento) e a possibilidade de atuar ativamente da construção do negócio – oferecendo além da injeção de capital sua expertise setorial, estrutura, gestão e conexões.
Esses fundos assumiram um alto risco devido às elevadas chances de falha dessas startups; por outro lado, no caso de sucesso, o potencial de retorno era imenso. Mas o que um fundo de investimento que corre altos riscos – e busca altos retornos – tem a ver com inovação corporativa?
É claro que as áreas de P&D de grandes corporações estão longe de acabar, todavia, esses negócios não podem mais ignorar o crescente movimento das startups que, propelidas pela alta liquidez do capital de risco, atacam desafios de forma ágil, proporcionando soluções de alto valor. Portanto, o corporate venture capital tem como missão buscar novas tecnologias, mercados e modelos de negócio que surgem fora da organização e possuem “match” com o contexto da corporação.
Os CVCs se estruturam de forma similar aos IVCs, porém, com uma clara diferença que reside no chamado capital estratégico. De maneira análoga aos IVCs, os CVCs fornecem a abertura de portas para o setor, a expertise em determinadas áreas e um suporte que só um “irmão mais velho” consegue oferecer. Em retorno, além do potencial financeiro, espera acessar novos mercados, explorar outros modelos de negócio e trazer tecnologias para dentro de casa, construindo vantagem competitiva e se mantendo conectada com o que há de mais novo.
A história desse mercado nos mostra que ainda existem desafios para uma estratégia de corporate venture bem-sucedida – e não há uma receita certa, pois cada negócio, setor, região ou estágio de maturidade exige planejamento e abordagens diferentes, abrindo espaço para inovadores modelos de negócio.
Não conseguimos prever o futuro, mas sabemos que ele deve se transformar bastante na próxima década. Também não sabemos quem serão os “Ubers” ou “iPhones” que vão revolucionar o consumo e quais cadeias de valor serão afetadas pelo avanço dessas empresas ágeis. Mas é possível escolher entre participar dessas mudanças e transformar as organizações ou manter o status quo e assistir o desfile passar, pois essa é a única certeza: ele vai passar.”