Como você líder pode lidar com os estragos culturais que a Fofoca Interna pode fazer em sua empresa
Imagine a seguinte situação: você é uma líder democrática, que escuta todos os pontos de vista e incentiva as pessoas a pensar fora da caixa, bem como a discussão – muitas vezes acalorada – sobre as principais encruzilhadas estratégicas e táticas da sua empresa. Já leu, e compartilhou, os artigos de Danny Kahnemann sobre viés (em particular o viés da confirmação) e, por isso, incentiva todos os dissidentes que você enxerga a terem voz e vez.
Imagine também que, neste momento, existe uma proposta sobre a mesa que promete forte impacto para o futuro da empresa. Essa proposta é oriunda de muita discussão interna, e possivelmente envolveu acionistas e conselho de administração. Vários colaboradores, e você também, se referem a ela com entusiasmo. E, num clima de “estamos quase lá”, você quer partir para a execução assim que possível.
Mas eis que a Rádio Corredor inicia transmissões “em edição extraordinária” com a intenção de torpedear a proposta.
Sua primeira reação, claro, será de surpresa, pois ninguém se havia expressado assim quando teve a chance de fazê-lo. E alguns temas se repetem – no dialeto de rádio, isso se chama “bordão”. O que fazer?
Intuitivamente, você sabe que (1) não adianta lutar contra a anonimidade da Rádio Corredor e (2) é possível que as “transmissões” contenham algo válido que – apesar da sua postura facilitadora – não foi expresso durante as discussões.
Então, como uma boa líder moderna, que pratica compaixão e resiliência, você decide incorporar a fofoca na discussão. Afinal, dessa forma, você vai (1) esvaziar seu propósito destrutivo e (2) incorporar ao debate o conteúdo positivo que a fofoca por ventura possa conter.
Há bons caminhos para fazer essa incorporação. Felizmente, cada bordão sugere ele mesmo a maneira de incluí-lo no debate. Vejamos isso, ao menos para os três bordões mais comuns:
1.BORDÃO “Esta empresa nunca fez isso antes”RESPOSTA: Só porque a empresa encara um desafio que nunca encarou antes não significa que não seja capaz de lidar com ele. Como todo desafio novo é – por definição – novo, ele sempre conterá uma boa dose de desconhecido/subconhecido. As fofocas de tipo 1 mais comuns vêm da turma do “Sempre Fizemos Assim”, que apresentei em coluna anterior. (Leia sobre os elefantes aqui.)
2.BORDÃO “Esta proposta é cheia de falhas”RESPOSTA: Se uma ideia não soar absolutamente perfeita, ela – no Planeta Fofoca – automaticamente não tem valor. Isso inibe as pessoas de se expressarem, por medo de sua contribuição não ser _________(insira aqui uma ou mais das seguintes: perfeita, válida, completa, brilhante, arrasa-quarteirão, silenciadora de fofoqueiros). Existe aqui um outro perigo, tão ou mais pernicioso: a fofoca de “missão impossível” ser tão dominante que as pessoas passem a aceitar soluções subótimas (do tipo “o ótimo é inimigo do bom”).
3. BORDÃO “A avaliação de riscos é inadequada”RESPOSTA: Pois é, avaliação de riscos no momento proposta-em-discussão é uma jornada, ainda não um destino. E a grande maioria das soluções alternativas propostas pela Rádio Corredor não tem nenhuma avaliação de risco. As poucas fofocas com alguma avaliação de risco provavelmente a tomaram emprestado de um tema diferente… Isso gera uma extrema assimetria entre a fofoca e a proposta que está sendo considerada. Sua tarefa como líder, para trazer esses dissidentes de volta à discussão, é enfatizar a assimetria.
Por último, mas não menos importante, a fofoca pode nem conter um bordão válido; a Rádio Corredor esteja propagando fake news pura e simples. Afinal, repetir um argumento não significa que ele seja valido ou verdadeiro. Nesta era de fake news, aprendemos que, se você pegar um factoide e massageá-lo com uma lógica tabajara, divulgará uma conclusão errada, mas que vai engambelar muita gente.
Nos casos em que a fofoca pouco ou nada tem a ver com a discussão atual, seu papel fica um pouco mais espinhoso: você precisa identificar os focos de insatisfação dentro da sua empresa (os insatisfeitos que se manifestam por meio de fake news) e iniciar diálogo.
Responder à Rádio Corredor como um tipo de liderança moderno não é tarefa fácil, mas, para saber se o esforço vale a pena, vale lembrar que a melhor maneira de matar a cultura da sua empresa é ignorar a fofoca.
PS: Um artigo de 2018 publicado na revista da PwC proporciona uma boa discussão sobre o assunto, e minha classificação acima foi vagamente inspirada nele: Changing the conversations that kill your culture. Mas faço o alerta de que, ao menos na minha visão, esse artigo envelheceu bastante em três anos e que muitos leitores não apreciarão seu perfil “gringocêntrico”.”