Na maior feira de varejo do mundo, empresas e marcas se preparam para o metaverso por meio de sensores, estreitando a integração on-off line em lojas e produtos com tecnologia embarcada; ESG e DEI também foram destaques no evento
Essa é a sétima vez que venho na maior feira de varejo do mundo, a NRF2022 em Nova Iorque (até agora, pois a feira de varejo chinesa tende a ser a maior do mundo nos próximos anos).
A maratona para realizar a viagem para NY nesse início de ano com todos os processos de saúde pública americana para entrada no país mudando todos os dias, a obtenção do certificado internacional de vacinação com o site do SUS “bugado”, malas feitas para um frio abaixo de zero, o processo da viagem propriamente dita (com o medo de pegar covid-19 lá antes da volta) e a possível aglomeração na feira, apontava que tinha me colocado num projeto de auto enrascada. No entanto, vale o destaque aqui, essa talvez esta tenha sido a melhor NRF que já fui.
Muito embora quase 40% das palestras — das 300 disponíveis — tivessem sido alteradas ou canceladas por covid-19 entre os palestrantes, as apresentações que participei foram além do esperado quanto aos insumos e insights que consegui colher. Vou compartilhar aqui com vocês alguns highlights do que foi do congresso.
Os assuntos tratados no evento são sazonais, para não dizer, que são os assuntos “da modinha” do varejo no momento em que acontece. Um ano só se falava sobre omnichanel, questão que já é do passado por aqui nos Estados Unidos, já que não há mais on e off por aqui, a não ser que você queira morrer como varejo nos próximos 12 meses.
No outro ano só se falava da morte das lojas físicas, em outra somente sobre propósito de marca e por aí vai. Neste ano, o assunto foi tecnologia e metaverso, de alguma forma, impulsionado pelo queridíssimo Zuzu…ckerberg, mas também porque as possibilidades de captura de dados via tecnologia com a IoT (Internet das Coisas) estão cada vez mais presentes.
Primeiro, visitei algumas lojas — novas e já tradicionais — para entender o que mudou. Apesar de muitas lojas estarem vazias e com algumas (muitas) prateleiras depressivamente vazias — até pareciam cenas daqueles filmes de catástrofe onde a NY que conhecemos se torna um deserto de gente e coisas, abandonadas por algum mal virulento ou hecatombe natural —, percebi que o lockdown preparou o varejo tecnologicamente.
Em qualquer loja (de marca) que você entre, sensores de captação de movimento para contagem computacional de pessoas e de permanência na loja estão apontando para você. Sabem sua altura, (estimam) o sexo, temperatura (por causa da covid-19), tempo de permanência em cada setor, caminho percorrido dentro da loja e até alguns cruzam essa informação com seu cartão de crédito com dados comparados a partir do tempo/hora da compra. A propósito, VM de produto estrela sem display de interação não é exatamente um produto estrela…o display é algo quase mandatório hoje.
Uma das lojas que muito se apoia nesse instrumento tech é a B8TA (apesar do 8 no nome, lê-se beta). A empresa trouxe à feira um show room/catálogo ao vivo de equipamentos e devices tecnológicos que ainda não foram massificados, mas já estão à disposição para compra; é uma experiência muito interessante.
Como a simples disposição dos produtos não consegue explicar para que eles servem — designs e formas muito inusitadas — um display está lá, sempre com um vídeo de um minuto e trinta segundos para explicar a mágica do device. E se ainda sim você quer saber mais, um QR Code leva até a página da B8ta.com, que explica mais e melhor sobre o produto.
A propósito, a loja física da B8ta não (sobre)vive sem a loja digital. Livestreamings de lançamentos, marcados com hora de divulgação enviada para seu e-mail e mais um punhado de vídeos do tipo “youtube” estão disponíveis no site para consulta e para compra (uma janela de compra abaixo do vídeo).
A integração loja on-off é natural e necessária. Assim como nos vídeos, os vendedores são estudantes de tecnologia ou marketing que têm aquela disposição “além do limite” (meio over) para explicar tudo. Não os culpo. São comissionados e precisam fazer o tal push de vendas.
Até aqui, não contei exatamente muita novidade. No entanto, dois aspectos interessantes são os pontos altos desse negócio para nós do marketing: o modelo de negócios e a tecnologia embarcada na loja. Essa é uma loja “display” que vende espaço para produtos tecnológicos recém-lançados.
O processo é simples: após uma curadoria sobre a qualidade tecnológica e funcional do produto, a marca tem a permissão de comprar um espaço em gôndola, sempre com exclusividade na sua categoria. Um modelo de negócios que deixa para esse então marketplace tecnológico, uma receita de intermediação.
O outro aspecto é o que está por trás da percepção dos consumidores é a quantidade de tecnologia embarcada. Os tais sensores estão lá, capturando dados. Os cenários montados com os produtos são totalmente “instagramáveis” para awareness da marca, inclusive com promoções para quem colocar o hashtag da loja. Por fim, se a captura anônima dos sensores não bastasse, a oferta de “enrollment” para recebimento de e-mails com novidades tecnológicas “de graça” em troca de seus dados é mandatória.
Percebam que do ponto de vista do consumidor, estamos falando de uma loja bem montada como todas devem ser, mas por trás dessa loja bem montada, a ciência de dados e a tecnologia para engajamento evolui exponencialmente de uns anos para cá. E falando em exponencialmente, é necessário falar sobre outro destaque de visita em loja. É a primeira flagship store do Harry Potter no mundo que fica no número 935 da Broadway.
De novo, e com muito mais tecnologia que a loja B8ta, a loja-conceito do bruxo de Hogwarts encanta os clientes por ser temática e com um tremendo primor, além de muito bom gosto nos VMs dos departamentos específicos (departamentos que sempre trazem memórias de cada um dos oito filmes da série).
São 15 espaços tematizados com os principais personagens e locais. Diz o ditado aqui nos States que “retail is detail” (em inglês, uma rima de varejo com detalhe — varejo é detalhe) e, nesse caso, é detalhe ao extremo. A impressão que dá entrando nos 2 mil metros quadrados de loja é que estamos num pedaço do parque da Universal.
Os detalhes cenográficos, especialmente feitos para serem fotografados e devidamente instagramados, e o engajamento com VMs é monstruoso, principalmente o VM interativo da seção das varinhas, que permite que você encoste nas varinhas e, magicamente, apareça na tela “abobadada” oval à sua frente o personagem dono dela. A propósito, pela primeira vez, as varinhas podem ser personalizadas. Uma mágica. Um sonho.
Dizem os atendentes da loja que muitos consumidores chegam a chorar dentro da loja quando deparam com alguns dos espaços correspondentes ao seu filme preferido. O engajamento emocional com a franquia Potter é tanto que não seria necessário um padrão tão alto de qualidade dos VMs e experiências. No entanto, repito “retail is detail” (varejo é detalhe). Não há canto sobrando na loja que não seja fotografável e instagramável. E as experiências são não só em AR como em VR e auditivas… a sensação na loja é de imersão.
Ainda no campo do que o consumidor não vê, mas está lá, estão dois assuntos de extrema relevância: esforços da empresa com público interno (como alavanca do negócio) e ESG, palavra que no Brasil está ficando desgastada, mas que por aqui seguiu firme e relevante, por sinal sem qualquer desgaste.
Os colaboradores do varejo — detesto a expressão “colaborador”, mas o termo corre solto no varejo — são focos inescapáveis das estratégias da marca. Impossível não começar este assunto com um quote da diretora-geral da Morgan Stanley, Carla Harris, que teve sua palestra ovacionada de pé no evento.
Carla Harris falou sobre inclusão e ESG e soltou uma saraivada de bons insights sobre os negócios de hoje. “Não é só dinheiro, só a localização ou só benefícios (que convertem ou retém colaboradores). Funcionários querem saber para quem eles trabalham, porque trabalham e como trabalham”. Os funcionários são hoje capazes de “make or break” (construir ou destruir) uma marca. São multiplicadores para bem ou para o mal. Uma boa governança muda tudo.
Foi interessante também ouvir o mesmo discurso de uma empresa que há anos se preocupou mais com os produtos que comercializa do que com as pessoas: a PepsiCo. O Steven Williams, CEO da PepsiCo North America, construiu duas grandes avenidas lastreadas no relacionamento humano: uma delas é a mesma da Carla Harris, que são seus 60 mil funcionários como foco prioritário da empresa (a grande maioria da linha de frente, representando a marca junto aos diversos stakeholders) e a de produto que hoje está 100% baseada na vontade dos consumidores (e não mais na capacidade de produção da empresa).
O acrônimo do momento nas empresas (como o Report especial da MIT Sloan Review Brasil mostrou em 2021) é o DEI — diversidade, equidade e inclusão. A CEO da Saks OFF 5th, Paige Thomas, foi categórica: “Grande parte dos pedidos de demissão dos funcionários ocorre porque acham seus chefes uns idiotas”.
Ela está se referindo à grande tendência do mercado americano durante a pandemia — e um pouco no Brasil quando falamos de profissionais da classe média brasileira, na metáfora dos “executivos da Berrini”, da grande debandada de executivos de seus empregos (“the great resignation” ou “the big quit”).
O grande insight da pandemia no mercado de trabalho mundial — e no varejo americano calou fundo — foi a quantidade de vagas abertas de funcionários e executivos que não estavam mais suportando conviver com as idiossincrasias de suas empresas ou de seus chefes.
O varejo americano enfrenta hoje a maior crise de mão de obra dos últimos 10 anos. No entanto, esse é um assunto para até para outro artigo, já que ele aponta para uma mudança estrutural de comportamento humano e estilo de vida do nosso século.
Há dez anos falávamos de estoque, fullfilment de gôndola e supply chain. Hoje falamos da ciência de dados. Sajal Kohli, consultor da McKinsey em FMCG relembra que “data is the new currency” (dados são a nova moeda).
Parte do desafio do segmento hoje, nas questões de curto prazo, é o gerenciamento dos dados para colocar de pé um plano de ação que resolva problemas de curto prazo. Essa é uma arte que ainda não se conseguiu aperfeiçoar.
Para finalizar, uma prioridade atual, é entender o novo padrão de comportamento de consumo. Na palestra de abertura de Mike George, novo presidente da NRF, ex-presidente e CEO da Qurate Retail Inc, ele traz algumas mudanças extremas que o consumidor tem passado e que os varejistas precisam acompanhar. São elas:
1. Tipos de finalização de compra — BOPIs, curbside e online shopping.
2. Checkouts sem contato — formas de pagamento sem digitação ou contato em dinheiro.
3. Autoatendimento, no scan and go.
4. Conveniência.
5. Remessa flexível — lembrando que no Brasil, para 77% das pessoas, o custo do frete é uma influência positiva para decisão de compra, de acordo com pesquisa recente da AWS.
6. Opções pelo digital.
Diria que os seis novos vetores de tendências do varejo) acima podem fazer os pequenos negócios florescerem muito rápido. Essa é uma oportunidade gigante para pequenos e médios varejistas. Isso é, para quem estiver antenado na tecnologia como suporte ao business e não como um fim. Até porque, os grandes varejistas podem quebrar a cara num piscar de olhos para escalar essas tendências (e demorar para reagir).
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