O metaverso ainda precisa de tempo para ser relevante; o NFT até faz um bom trabalho, mas tem vulnerabilidades importantes. Vale acompanhá-los, mas qualquer esforço de curto prazo precisa ser muito bem medido
Preciso trazer da memória uma obra de Shakespeare que traduz bem o papel de metaverso nos dias de hoje: “Much Ado about Nothing”. Traduzindo em bom português, “Muito barulho por nada”.
Muito embora a gente encontre um aumento tremendo na procura do termo “metaverso” no Google (precisamente de 689%) e embora vejamos um tremendo buzz sobre o assunto entre empresários, marqueteiros e publicitários mais inovadores, o território do metaverso para o Brasil ainda é um tremendo… nada.
Ok, ok, você pode estar pensando: que baldão de água fria! Mas, do ponto de vista prático, e com a rede de contatos com que tenho me relacionado, em sua grande maioria constituída por CEOs e conselheiros de empresas, o assunto vai mexer praticamente “zero” no ponteiro do market share e da receita das empresas no curto prazo.
Daí você me pergunta: “Então, por que você está escrevendo sobre o assunto?”. Bom, porque há uma importante reflexão dos gestores de negócios e marcas sobre essa tendência no Brasil.
São pelo menos duas as razões: a primeira é que, em tempos de menor gravidade da pandemia e de guerra entre Ucrânia e Rússia, todo esforço de curto prazo precisa ser valorizado. A segunda razão é que o metaverso ainda não se estabeleceu como um novo modelo de negócio para as empresas e marcas em nenhum lugar do planeta.
Por outro lado, pergunto se o metaverso é um assunto desprezível. Óbvio que não. Ele aponta para um potencial inimaginável de possibilidades para os negócios.
Mas, e um “MAS” com letras bem maiúsculas, o metaverso e as traquitanas digitais que estão ao seu redor como os NFT (os tokens não fungíveis) são tecnologias ainda emergentes para o marketing e para os negócios com potencial de se transformarem em algo relevante no médio prazo.
Olhar o metaverso como um canal de vendas, local para reuniões e substituto das plataformas de mídias sociais me parece, no momento, uma espécie de subversão sobre o que ele realmente é. Vale aqui uma observação importante: não estou me referindo às plataformas de games como Fortnite e Roblox, que, de alguma forma, já se constituem para o segmento adolescente uma central de relacionamento e embriões de metaversos.
O metaverso deveria ser apenas um lugar, localizado no éter digital, que espelha de forma lúdica o universo em que vivemos. E que carrega em si algumas das possibilidades que o mundo digital oferece.
Pelo menos foi assim que o romancista Neal Stephenson cunhou o termo, em seu livro Snow Crash (publicado no Brasil também como Nevasca), de 1992. No romance, ele retratou a possibilidade de um universo paralelo e concomitante ao nosso.
Parece que vivemos num mundo onde o “desejo” é “realidade” em relação ao metaverso. Varejo, circulação de dinheiro, compra de espaços e imóveis no metaverso (…lembro do Second Life), essas são atividades possíveis, mas ainda experimentais e focadas nos chamados “innovators”, que são aquela parcela ínfima da população que quer arriscar seu dinheiro e seu tempo experimentando o espaço.
Quase 30 anos depois do romance de Neil, em julho de 2021, o Facebook transformou-se na holding Meta e tornou pública sua escalada no metaverso oferecendo os “workrooms”, as salas de reunião virtuais, para serem usadas tanto em desktops como via realidade virtual. Talvez, essa tenha sido a grande alavanca de visibilidade sobre o assunto para a grande massa.
A máxima de que o metaverso é uma realidade nos dias de hoje não foi nem explorada pelo próprio Zuckerberg em seu discurso de lançamento da Meta. Ele destacou que a plataforma seria algo relevante somente daqui a dez anos.
Falando sobre o “worksrooms”, a proposta é a oferta de uma reunião imersiva, interativa e semipresencial com os colegas de trabalho ou com clientes e fornecedores. Só que do ponto de vista prático e comportamental, há uma barreira bastante alta para adoção do metaverso para esse fim no curto prazo: avatares com aparência de personagens de game, com somente metade do corpo mostrada na reunião virtual, com movimentos de desenho animado que fecham um “pot-pourri” de características ainda primárias de seu experimento.
Convoco você a pensar numa reunião para o fechamento de um contrato de US$ 30 ou 40 milhões sendo discutida no metaverso por bonequinhos infantilizados e precários. A aparência do metaverso colabora pouco para que o mundo dos negócios adote essa tecnologia nos próximos anos.
Estou chamando atenção para o “timing” de adoção e o foco desnecessário nesse assunto para os gestores brasileiros. Ainda é cedo.
Estou simplificando ao máximo o entendimento do metaverso para uma reflexão crua e honesta sobre essa celebração atual e “acima da média”. Hoje sabemos que a era do rádio foi chacoalhada pela chegada da TV. Mas o formato do rádio era tão forte e conhecido que acabou sendo adotado pela nova tecnologia. A única mudança no início da era da TV foi que os noticiários e telenovelas foram transmitidos por imagens, porém com o mesmo formato de conteúdo do rádio (leituras de textos numa mesa e microfones pendurados à altura da boca dos radialistas).
Por que isso aconteceu? Porque não se tinha ideia concreta do potencial da nova tecnologia naquele momento.
Quem conhece um pouco do mundo chinês e o fenômeno do WeChat, usado por mais de 1 bilhão de pessoas, vai conseguir capturar, ainda que de forma parcial, um pouco do potencial que a plataforma imersiva do metaverso poderá alcançar no longo prazo. O WeChat, para os chineses, é um “hub” de serviços único que carrega aplicativos correspondentes ao nosso YouTube, LinkedIn, Facebook e transações bancárias. Tudo junto.
Terra de ninguém e de todo mundo. Assim é que se definia o mundo virtual antes da chegada da tecnologia do blockchain, que trouxe a segurança e a proteção de um arquivo digital a ponto de que ele pudesse virar até uma moeda. Sim, as criptomoedas são arquivos digitais protegidos e assegurados pelo blockchain.
Foi ele que começou a aterrissar o sonho de que um espaço virtual pudesse ter nome e dono, assim como no mundo real. Por isso, pode se tornar arte, terrenos, domínio de compra… Enfim, dinheiro.
Com a tecnologia do blockchain, arquivos digitais que originalmente podiam ser movidos, copiados e multiplicados livremente, agora são únicos. O senso de propriedade começa a se fazer presente no mundo virtual. Arquivos não fungíveis, aqueles que têm a capacidade de permanecerem intocados, seguros e com propriedade assegurada pelo mundo virtual, deram ao metaverso o status de um universo efetivamente replicável do ponto de vista da posse.
O NFT mais famoso é o Bored Ape, uma obra digital vendida pela Sotheby’s por US$ 24 milhões e que hoje está avaliada em mais de US$ 100 milhões. Neymar comprou dois desses macaquinhos por R$ 6,5 milhões. Graças ao blockchain, nosso jogador poderá revendê-los (e provar que são originais) por mais do que comprou.
Diante disso, podemos começar a falar de possibilidades no curto prazo. Em julho de 2021, no verão nos EUA, a Coca-Cola pediu para artistas digitais confeccionarem selos da marca para serem leiloados. O valor arrecadado seria doado para instituições americanas. A iniciativa gerou mais de US$ 600 mil.
Outro exemplo vem do Aberto da Austrália deste ano. A federação australiana de tênis criou um mecanismo de venda virtual de pedaços das quadras que iriam receber os jogos do torneio. Cada porção de 16 centímetros quadrados foi comercializada no metaverso Decentraland, que reproduziu os locais do torneio virtualmente.
Cada “arquivo” dos pedaços das quadras era enviado ao comprador, juntamente com uma bolinha de tênis virtual comemorativa criada por inteligência artificial, fazendo com que cada bola tivesse cores diferentes para cada comprador. A coleção de pedaços virtuais da quadra era constituída de 6.636 NFTs. A cada match point num dos quadrados virtuais vendidos, o comprador ganhava mais uma bola também gerada por IA. Até março, a novidade havia arrecadado US$ 4,4 milhões.
OS NFTs ainda são um bem especulativo. Como não há “track record” ou passado para a gente investigar, há um risco na comercialização. Ademais, não há lastro que garanta que aquele NFT valha o que está sendo cobrado. Na verdade, a especulação vai no sentido do bem comprado custar o quanto o comprador quiser pagar.
Aí é que mora o problema. É tremendamente instável. No fim de março, um Bored Ape que valia US$ 350 mil foi vendido, supostamente por engano, por US$ 115.
Outro ponto que chama atenção é que ela é altamente poluente. Para se criar de forma segura um NFT ou uma criptomoeda, são necessários vários servidores ao redor do mundo que conversem entre si para garantir a unicidade do arquivo. É um altíssimo consumo de energia.
Além disso, os NFTs podem ser alvo de hackers, de acordo com especialistas com quem eu falei. E, por isso, essa é uma “brincadeira” cara e para poucos.
Se a gente pensar em imagem e em traços de equity (valor) de uma marca, não há nenhuma dúvida de que o NFT e o metaverso vêm para agregar valor. No entanto, ainda considero uma iniciativa muito prematura, arriscada e custosa para as companhias hoje, quando deveriam estar mais preocupadas com o dia a dia e inovação em produto, modelo de negócio e uma comunicação mais criativa com vistas ao engajamento on e offline de seus públicos.
Bola pra frente. Mas vamos guardar e observar esse assunto.”