O Brasil investe como poucos em educação, mas os resultados não aparecem. Uma possível solução pode estar nos sistemas interdependentes
Este é o primeiro de uma série de dois artigos sobre o papel da inovação na melhoria do sistema educacional brasileiro.
A maioria das economias em crescimento tem ministérios ou departamentos que se concentram em setores importantes da economia, como educação, saúde e transporte. A estrutura e a complexidade desses ministérios podem diferir de um país para outro, mas o objetivo muitas vezes é o mesmo: melhorar os padrões de cada setor.
Descentralizar e modularizar diferentes setores da economia, garantindo que especialistas façam o seu melhor, faz sentido no papel. No entanto, a menos que certas condições sejam atendidas, uma abordagem mais integrada pode se provar um modelo melhor. Considere o caso da educação no Brasil.
O sistema educacional brasileiro é um paradoxo. O país gasta mais de 6% do Produto Interno Bruto (PIB) em educação, dois pontos percentuais a mais do que os vizinhos latino-americanos. Mas os resultados de aprendizagem do Brasil são muito inferiores aos destes países.
As coisas não parecem estar melhorando. Desde 2009, as notas dos testes brasileiros para leitura, matemática e ciências não aumentaram muito, especialmente quando comparadas com a média dos países da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE).
A incapacidade do Brasil de capitalizar seus gastos com educação resultou em uma queda na produtividade desde 1990. Esse declínio impacta no crescimento econômico e no estilo de vida das pessoas. Hoje, cerca de 55% dos brasileiros têm renda mensal inferior ao salário mínimo.
A educação, o emprego e os problemas econômicos subsequentes do Brasil não são por falta de esforço. A Constituição do país garante que a educação seja gratuita em todos os níveis e, nas últimas décadas, o Brasil aumentou as matrículas na educação infantil, primária, secundária e superior. Apesar desse aumento, o sistema educacional ainda luta para produzir resultados de qualidade.
Avaliar o sistema educacional brasileiro por meio das lentes das teorias da inovação pode fornecer algumas pistas desse paradoxo. E como resolvê-lo.
A Teoria da Modularidade é uma estrutura para entender como juntar diferentes elementos de um sistema para alcançar diferentes objetivos. Sistemas interdependentes são necessários quando o desempenho de um produto ou serviço ainda não é “”bom o suficiente”” para a maioria dos usuários.
Um sistema pode ser modular quando não há interfaces imprevisíveis entre seus elementos. Em outras palavras, diferentes elementos do sistema se encaixam e trabalham em conjunto de forma nítida e bem sistematizada. Nesses sistemas, as interfaces de conexão entre os elementos são específicas, verificáveis e previsíveis.
Nos primórdios da indústria dos computadores mainframe, os principais clientes não estavam satisfeitos com a funcionalidade e a confiabilidade dos produtos no mercado. Além disso, não havia padrões predefinidos que conectassem um componente a outro – sistema operacional ao design de hardware, por exemplo.
Como resultado, a maioria das empresas que queriam competir não podia simplesmente optar por projetar ou fabricar apenas um ou dois componentes. Era inviável ser um fornecedor independente de sistemas operacionais, memória central ou circuitos lógicos para a indústria de mainframe, pois esses subsistemas-chave tinham que ser projetados de maneira interdependente e interativa.
O ciclo se repetiu com minicomputadores e computadores pessoais. As empresas que dominaram essas indústrias no seu nascedouro (Digital Equipment Corporation para minicomputadores e Apple para computadores pessoais) desenvolveram arquiteturas proprietárias e interdependentes que foram projetadas para maximizar o desempenho.
Não foi simplesmente um fenômeno da indústria de computadores. Também aconteceu na indústria automobilística. Ford e General Motors subiram ao topo porque desenvolveram sistemas integrados. A Ford, por exemplo, construiu e gerenciou siderúrgicas, minas de minério de ferro, fábricas de vidro e tinta, além de ter investido em distribuição para levar o Ford Modelo T a seus principais clientes. Da mesma forma, a RCA, a AT&T, a Standard Oil e a US Steel dominaram suas indústrias no mesmo estágio porque desenvolveram negócios integrados.
Segundo um relatório da OCDE sobre o sistema educacional do país, “”o Brasil tem uma estrutura de governança complexa (…) Carece de um sistema nacional que delineie e harmonize claramente os papéis e responsabilidades dos diferentes níveis de governo, estabelecendo as formas pelas quais devem trabalhar juntos para entregar a política educacional (…) Essa falta de coordenação muitas vezes leva à sobreposição ou duplicação do trabalho, ineficiências e lacunas na oferta de educação“”. (ênfase nossa)
Em essência, o Brasil dividiu seu sistema educacional em diferentes componentes e autoridades, que gerenciam aspectos únicos do sistema sem uma interface de colaboração claramente definida. Os municípios, por exemplo, são responsáveis pela educação infantil e fundamental, enquanto os estados são responsáveis pelo ensino médio.
O desenho modular do sistema educacional brasileiro é um dos principais contribuintes para seu paradoxo educacional. É claro, estamos falando de um país continental, uma democracia complexa e com multicamadas, não de uma “simples” empresa. Não dá para mudar sua estratégia de educação da noite para o dia. Na verdade, o país vem debatendo a necessidade de um sistema nacional de ensino há vários anos, pelo menos desde 2014.
Em nosso próximo artigo, vamos descrever como a compreensão da estratégia push versus pull pode ajudar a melhorar a qualidade do sistema educacional brasileiro.
Leia a parte dois: Estratégias pull podem ajudar a resolver o paradoxo da educação brasileira“