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Os aprendizados no ecossistema GPTW

Um estudo de caso para liderar a mudança e a cultura digital

Ruy Shiozawa
30 de julho de 2024
Os aprendizados no ecossistema GPTW
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Sou formado em Engenharia de Produção pela Escola Politécnica da USP. Anos depois concluí o mestrado na mesma escola. Somando-se os dois períodos, foram oito anos de formação técnica e de gestão. Detalhe: a carga horária voltada a pessoas e gestão de pessoas nesses oito anos foi zero.

É uma realidade de nosso ensino, que faz questão de separar o “conhecimento” em humanas, exatas e biológicas. Nada poderia ser mais prejudicial à formação das pessoas do que, desde tenra idade, ouvir chavões como “meu filho é bom de matemática, mas péssimo em história” ou “esse aluno se destaca em biologia, mas não se dará bem com as disciplinas de humanas”.

Como a maioria, comecei meu desenvolvimento profissional apoiado nas disciplinas técnicas e não tardei a me destacar em ciências da computação, programação e análise de sistemas. Um belo dia, meu chefe me chamou e disse: “parabéns, você está indo muito bem. Agora você vai ser o chefe daquele grupo, boa sorte!”. Terminou assim, após estes breves segundos, minha primeira formação como gestor!

Levei algum tempo para perceber que o maior desafio não era tentar ser o melhor programador da turma, mas sim cuidar de pessoas. Minha formação não havia me preparado para isso e meu “treinamento gerencial” de alguns segundos também não havia me explicado esse lado.

Por que alguns projetos vão tão bem e outros fracassam?

Essa pergunta não me saía da cabeça. Até que a resposta foi se tornando mais clara: o fator determinante não estava na tecnologia ou metodologia adotadas em cada projeto, menos ainda no investimento financeiro realizado. Estava, sim, em outros fatores:

– Qualidade das equipes formadas e no grau de integração e colaboração;- Grau de confiança, abertura e transparência da cultura de cada organização;- Existência ou não de um propósito inspirador e integrativo, determinando claramente um horizonte para todos, muito além de metas numéricas ou financeiras.

Em resumo, a grande diferença estava na qualidade da liderança. Em um extremo, temos gestores que não enxergam pessoas (e talvez as considerem um obstáculo ao sucesso dos projetos). No outro, temos os líderes inspiradores que colocam pessoas no centro de suas decisões. Por isso, após mais de 20 anos na área de tecnologia, aprendendo – e errando – muito, tive a enorme oportunidade de me dedicar de corpo e alma às minhas crenças de empreender (com muita autonomia e flexibilidade) e de construir uma sociedade melhor.

Ao longo dos últimos 13 anos como sócio do GPTW – Great Place to Work Brasil, tenho desenvolvido esse propósito. O GPTW tem sido um grande laboratório de modelos de gestão.

As pesquisas do GPTW atingem atualmente mais de 4 mil empresas todos os anos, apenas no Brasil, gerando uma gigantesca base de dados de práticas de gestão e de seus impactos, positivos ou negativos, sobre o ambiente de confiança, engajamento e motivação internos. Isso permite trazer muitas ideias e testá-las rapidamente, seguindo em sua implementação ou passando para novos formatos e tornando a organização bastante experimental, ágil e inovadora. Há dez anos já se testavam modelos de autogestão. Há sete, já havia experiências com trabalho remoto.

Aprendendo com as melhores empresas para trabalhar, temos investido nos seguintes pilares:

Propósito

É o ponto de partida, o pilar fundamental do modelo. Nos últimos meses, com a expansão do negócio e transformação em um ecossistema com dez novas marcas, um novo propósito vem sendo construído a centenas de mãos, mas que poderia ser resumido em: “Melhor para as pessoas, melhor para os negócios e melhor para a sociedade”.

Alinhamento X autonomia

Muitas empresas – ou seus gestores – consideram que alinhamento e autonomia são os dois extremos de uma mesma dimensão, ou seja, quanto maior a autonomia das pessoas e equipes menor o alinhamento em torno do propósito e vice-versa.

Nosso modelo considera que alinhamento e autonomia são dois eixos independentes, conforme figura abaixo:

Externo_11-03.png

O que o modelo busca é o máximo de alinhamento em torno do propósito somado ao máximo de autonomia:

Externo_11-04.png

A ideia simples que utilizamos para explicar esse conceito é a seguinte:

a) A forma tradicional de dar autonomia às pessoas e equipes é definir uma série, às vezes infinita, de regras: tudo o que se pode e não se pode fazer, relatórios de atividade, alçadas de decisão e aprovação, órgãos de controle e cumprimento das regras, órgãos de apelação etc. Na realidade, esse complexo mecanismo significa não confiança. Cuidado: por mais que o manual de regras seja exaustivo, sempre surgirão situações não contempladas pelas regras. E aí o processo trava!

b) A outra forma, que é a que adotamos, tem uma única regra: quando você precisar tomar uma decisão e não for possível compartilhar ou discutir com ninguém, decida baseado exclusivamente no propósito e na missão. Ou seja, antes mesmo de fazer uma planilha com inúmeros cálculos provando o ROI do projeto ou o retorno que aquele projeto ou cliente irão trazer, faça a si mesmo uma única pergunta: “Essa decisão que estou prestes a tomar vai ajudar a atingir nosso propósito mesmo que eu ainda não vislumbre claramente os números associados?”. Se a resposta for sim, go ahead! Se for não ou o caminho não ajudar em nada no propósito, mesmo que traga milhões de dólares em receita para a empresa, diga não! Isso é uma organização baseada na confiança!

Flexibilidade

Na dúvida ao adotar um novo processo ou definir alguma coisa que afete as pessoas, nosso modelo prevê sempre adotar a prática que traga maior flexibilidade. Isso só é possível, novamente, em uma organização baseada na confiança. Alguns momentos em que o conceito de flexibilidade pode ser praticado:

a) Horários: todas as pessoas têm total liberdade e flexibilidade em suas jornadas de trabalho, bastando as equipes se coordenarem. Por exemplo, áreas de atendimento ao cliente muitas vezes precisam informar datas e horários em que as equipes estarão disponíveis. Pois bem, cada uma define como cobrir esses horários, da maneira mais conveniente às necessidades de cada um (pessoas casadas, solteiras, estudantes ou que cuidam dos pais idosos podem ter demandas em casa bastante distintas entre si).

b) Licenças: as licenças médicas, por exemplo, são definidas pela apresentação de um atestado com o carimbo do médico, correto? Errado, pois, em um modelo baseado na confiança, se um colaborador disser que não está bem e ficará em casa por uma tarde ou mesmo uma semana, sua palavra basta. Durante a pandemia, por exemplo, cada colaborador tinha à sua disposição uma semana (sem descontar das férias, claro!) para visitar médicos, fazer seu check up ou mesmo descansar na praia. Cada equipe se organizou para que todos pudessem marcar e aproveitar sua “semana de cuidados com a saúde”.

c) Férias: da mesma forma que não existe controle de horário, não existe também controle de férias. Todos têm o direito e o dever de tirar seus períodos de férias quando acharem necessário, sempre planejando com antecedência com a equipe. Alguns tiram muitos períodos curtos, outros, períodos mais longos. Aquele que for mais conveniente para cada colaborador.

d) Presencial x remoto: se o modelo é de máxima flexibilidade, o local de trabalho também. Com um detalhe importante: durante a pandemia, a regra definida foi que, apesar da queda de 70% do negócio nos primeiros meses da pandemia da covid-19, as demissões seriam o último recurso antes de fechar a empresa. Mas uma demissão importante ocorreu: a do prédio! Percebemos que sem o prédio a empresa continuou funcionando. Sem as pessoas, ela já teria fechado.

Hoje as pessoas podem trabalhar de suas casas e cada equipe recebe créditos para uso de espaços de trabalho, individuais ou compartilhados, por meio de uma espécie de AirBnb de escritórios.

Celebrações

Outra característica marcante do modelo são as celebrações das grandes ou pequenas conquistas, agradecendo o esforço de cada colaborador e reforçando os impactos para atingir o propósito. Em termos de celebrações maiores, definidas pelo atingimento de grandes metas coletivas, já pudemos realizar duas viagens internacionais fantásticas, com 100% da equipe.

A primeira, representando um esforço coletivo de sete anos para atingir algumas grandes metas corporativas, aconteceu no carnaval de 2017: 50 colaboradores passaram uma semana na Disney, com todas as despesas pagas, incluindo passaportes, vistos, passagens aéreas, transfers, hotéis, alimentação, entradas nos parques e shows. A segunda, representando um novo marco, foi atingida em menos da metade do tempo, e 104 colaboradores passaram uma semana em Cancún em um maravilhoso resort. O terceiro marco já está em andamento e uma nova jornada internacional está nos planos, para uma equipe ainda maior!

Comunicação

Um desafio enorme para qualquer organização, ainda mais baseada em flexibilidade e autonomia, é a comunicação. Temos um modelo chamado comunicação “3 a 5”, em que cada comunicação relevante deve se basear em três a cinco formatos diferentes. Exemplo: comunicação por email, canal do Youtube, reuniões gerais, reuniões por equipe, conversas individuais, grupos de WhatApp, ferramentas internas.

De qualquer forma, considero que existe bastante melhoria possível de ser implementada em todos os itens anteriores, mas na comunicação em particular. Todo dia a comunicação deve ser melhor que no dia anterior.

Resultados do modelo

a) Uma empresa baseada na confiança é uma empresa muito mais ágil, conforme nos explica Stephen Covey em seu A Velocidade da Confiança. As decisões são muito rápidas pois são baseadas em apenas uma regra (auxilia ou não o propósito). Lembrando, no entanto, que o desafio da comunicação torna-se ainda maior em organizações bastante ágeis.

b) Uma empresa baseada na confiança é uma empresa muito mais inovadora. Um ótimo exemplo foi o processo de reinvenção da organização durante a pandemia. Lembre-se que o negócio caiu, no início, 70% e a premissa era demissão apenas como último recurso. Em vez de entrar em pânico ou cair no marasmo, as equipes trabalharam intensamente e o GPTW, em apenas um ano, transformou-se em dez empresas diferentes:

– Dois spin-offs, uma empresa voltada à educação e outra à consultoria aprofundada;- Duas startups nasceram para dar início a novos negócios (saúde mental e desenvolvimento continuado de liderança);- Uma aquisição foi feita (consultoria em ESG);- Uma joint venture criada (plataforma educacional);- Um novo modelo de parcerias e canal de vendas criado como organização independente;- Uma nova marca global licenciada no Brasil voltada à qualidade de vida;- Um laboratório de pesquisa e desenvolvimento, entidade sem fins lucrativos, para aproximar a academia do mundo corporativo, acelerar inovação dentro do ecossistema e evitar a fuga de cientistas do Brasil.

c) Em 1º de janeiro de 2022, a economia brasileira ganhou um novo indicador: o índice GPTW-B3, ou iGPTW. Da mesma forma que outros indicadores, tais como o Ibovespa, ISE e empresas verdes, o iGPTW comprovou que as melhores empresas para trabalhar têm desempenho superior aos seus pares de mercado.

d) Em um quarto de século de história no Brasil, 2021 foi o melhor ano do GPTW. Nenhum colaborador foi demitido e a equipe é hoje 50% maior do que no início da pandemia.”

Ruy Shiozawa
CEO Great Place to Work Brasil

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