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As empresas estão falhando com as mulheres – e a culpa é da cultura tóxica

Pesquisas mostram que as mulheres são 41% mais propensas a experimentar a cultura tóxica no local de trabalho do que os homens

Donald Sull e Charles Sull
12 de julho de 2024
As empresas estão falhando com as mulheres – e a culpa é da cultura tóxica
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Segundo o último relatório Women in the Workplace. da LeanIn.Org e McKinsey, a diferença entre homens e mulheres que deixam seus empregos é a maior desde que o relatório foi publicado pela primeira vez há oito anos. Para cada diretora que é promovida, duas mulheres no mesmo nível de senioridade optam por sair. O êxodo de líderes do sexo feminino, que foi apelidado de grande rompimento, pode ser atribuído em parte à persistente diferença salarial entre homens e mulheres.

A remuneração desigual continua a ser um ponto crítico para muitas mulheres, mas a cultura corporativa pode exercer uma influência ainda mais profunda sobre a vivência delas no ambiente de trabalho. De acordo com Rachel Thomas, CEO da LeanIn.Org e coautora do relatório, as mulheres estão decidindo deixar as empresas sem “os elementos culturais do trabalho que são criticamente importantes para elas”.

Quais elementos da cultura corporativa são mais críticos para as mulheres? E quais são as lacunas culturais mais importantes que fazem as mulheres deixarem as organizações? Para procurar respostas para essas questões, analisamos a linguagem que 3 milhões de trabalhadores nos Estados Unidos empregaram nas avaliações do Glassdoor para descrever seu empregador entre 2016 e 2021. Do total, 51% se declararam como masculino e 49% como feminino (menos de 0,2% dos entrevistados escolheram “outro” ou “preferem não declarar”).

Classificamos os comentários dos funcionários em quase 200 tópicos precisos relacionados à cultura corporativa, liderança e outros temas que fazem parte da experiência do funcionário. Agregamos vários deles em alguns temas mais amplos. O tema “remuneração e benefícios”, por exemplo, inclui uma dúzia de tópicos mais específicos, incluindo salário, remuneração variável, bônus de entrada, assistência médica/odontológica e reembolso de mensalidades.

Medimos a frequência com que homens e mulheres mencionaram cada tópico e tema, bem como o quão positiva ou negativamente eles falaram sobre eles. Para entender melhor como a situação mudou desde o início da pandemia, também analisamos um subconjunto de 600.000 avaliações de 2020 a 2021 e usamos o conjunto de dados pós covid-19 para a maioria das análises que se seguem. Todos os empregadores que receberam avaliações foram incluídos na amostra – grandes e pequenos, em todos os setores e formas organizacionais.

Na figura abaixo (com base nos dados pós-pandemia), o eixo vertical traça a porcentagem de mulheres que mencionaram um tópico em suas revisões do Glassdoor. O eixo horizontal mostra o quanto as mulheres descreveram um tópico de forma mais positiva ou negativa em comparação com os homens. Quase metade das mulheres mencionou remuneração e benefícios, por exemplo, e, em média, seus comentários foram 89% tão positivos quanto os dos homens sobre esse tema.

Cultura tóxica é a maior lacuna cultural entre mulheres e homens

Uma análise de 600.000 avaliações do Glassdoor de 2020 e 2021 mostra como mulheres e homens experimentam a cultura corporativa de maneira diferente. O eixo vertical mostra a porcentagem de mulheres que mencionaram um tópico em suas resenhas, e o eixo horizontal mede o sentimento relativo, ou o quanto mais ou menos positivamente as mulheres falaram sobre esses temas em comparação com os homens.

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As mulheres falaram mais negativamente do que os homens sobre a maioria dos elementos da cultura, incluindo o equilíbrio entre vida profissional e pessoal e a colaboração. A pior avaliação entre os gêneros, no entanto, é para a cultura tóxica, que definimos como uma cultura no local de trabalho que é desrespeitosa, não inclusiva, antiética, cruel ou abusiva.

A cultura tóxica não é apenas um ponto fora da curva em termos da diferença de percepção entre mulheres e homens; ela também impõe altos custos às organizações e aos indivíduos. Em um estudo anterior, descobrimos que uma cultura tóxica pesava dez vezes mais do que a remuneração ao se projetar o desgaste no ambiente de trabalho durante os primeiros seis meses da chamada grande renúncia (great resignation). Mesmo que não saiam, os funcionários em ambientes tóxicos são mais propensos a se desengajar de seu trabalho, exercer menos esforço e falar mal de seu empregador para os outros.

Mais importante ainda, as culturas tóxicas cobram um preço terrível sobre suas vítimas. A exposição contínua a uma cultura tóxica aumenta as chances de que os funcionários sofram de ansiedade, depressão, esgotamento e sérios problemas de saúde física. Como Brené Brown observou no episódio do podcast Dare to Lead, no qual discutimos nossa pesquisa, a toxicidade afeta os funcionários em um nível emocional mais profundo do que a maioria dos outros elementos da experiência organizacional.

Como se diferenciam os gêneros quanto à cultura tóxica

As consequências destrutivas da toxicidade não são as mesmas para todos os funcionários. Ao longo dos intervalos entre 2016 e 2021, as mulheres foram 35% mais propensas a mencionar negativamente a cultura tóxica em suas avaliações do Glassdoor em comparação com os homens. A pandemia parece ter ampliado essa diferença: durante o primeiro ano da covid-19 as mulheres eram 41% mais propensas a sofrer toxicidade no local de trabalho.

As mulheres são 41% mais propensas a experimentar a toxicidade da cultura

As mulheres mencionaram a cultura tóxica 1,41 vezes mais frequentemente do que os homens nos comentários de suas avaliações no Glassdoor no primeiro ano da pandemia.

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Uma possível explicação para essa diferença é que as mulheres estão mais presentes numericamente em certos segmentos da economia (educação infantil e fundamental, saúde e beleza) ou profissões (enfermagem, serviço social), nos quais homens e mulheres vivenciam níveis mais altos de toxicidade. Para isolar o impacto do gênero, analisamos uma série de fatores demográficos – incluindo ocupação, indústria, tempo de casa e, é claro, gênero – para estimar as respectivas participações se um indivíduo trabalhou em um ambiente tóxico.

Controlando outras características demográficas, o sexo foi o segundo indicador mais importante nas menções à toxicidade em sua revisão. O que mais pesou foi se uma avaliação foi escrita por um ex-funcionário, o que não é surpreendente, já que deixou a organização.

Outra maneira de avaliar essa diferença da experiência entre gêneros é ver como os tópicos relacionados à toxicidade se classificam entre todos os 196 que usamos no processo de pesquisa. Nossa forma de medir a cultura tóxica consiste em 25 tópicos bem definidos, como equidade racial, de gênero e favorecimentos pela liderança, que destacam um elemento específico de toxicidade.

Ordenamos os 20 tópicos com as maiores diferenças de avaliação entre mulheres e homens e descobrimos que a equidade de gênero tinha a maior lacuna entre todos eles. As mulheres eram 2,8 vezes mais propensas do que os homens a falar negativamente sobre preconceito sexual, discriminação ou exclusão relacionada ao gênero no trabalho.

Temas relacionados à cultura tóxica dominam a lista de componentes culturais com as maiores amplitudes de sentimentos. Quatorze dos 20 elementos culturais com essas grandes lacunas fazem parte da escala de medição de nossa pesquisa. Outros tópicos desses 20 – incluindo bem-estar mental, apoio de colegas das chefias – também estão relacionados à toxicidade. Conclusão: de qualquer maneira que você corta os dados, há uma diferença enorme entre mulheres e homens quando se trata de cultura tóxica no ambiente profissional.

E quais elementos impulsionam essas diferenças?vOrganizar os dados pelas cinco dimensões da toxicidade mostra que a experiência feminina se estende além da desigualdade de gênero. A figura abaixo traça a distância para os 25 tópicos que usamos para medir a cultura tóxica, separada em não inclusiva, desrespeitosa, cruel, abusiva e antiética. (Veja “”A diferença de percepção vale para todos os elementos da cultura tóxica””.) É claro que esses tópicos se sobrepõem uns aos outros – como a falta de inclusão reflete uma falta de respeito – e é por isso que os agregamos ao fazer a medição.

Quando se trata de falta de inclusão, as mulheres têm uma avaliação mais negativa sobre seus empregadores apresentarem um ambiente justo e inclusivo para outros grupos demográficos, incluindo grupos raciais, membros da comunidade LGBTI+ e funcionários com deficiência ou sujeitos ao etarismo.

A diferença de percepção vale para todos os elementos da cultura tóxica

Uma cultura tóxica consiste em cinco elementos: falta de inclusão, desrespeito, comportamento cruel, manejo abusivo e comportamento antiético. Cada barra no gráfico representa a frequência com que as mulheres mencionam cada tópico em comparação com os homens. “”Falta de equidade de gênero”” e “”líderes desrespeitosos”” mostram as maiores lacunas de gênero, mas as mulheres experimentam todos, exceto dois elementos da cultura tóxica, com mais frequência do que os homens.

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A fala das mulheres também é mais negativa sobre a exclusão que pode ou não estar ligada à identidade de um indivíduo, como líderes que praticam injustiça ou favoritismo, ou um ambiente de trabalho de compadrio ou injustiça. As mulheres em nossa amostra usaram mais de 14.000 palavras, termos e frases distintas para descrever elementos de uma cultura tóxica. Os dois mais citados foram “”favoritismo”” e “”panelinha””.

A segunda amplitude nas avaliações é sobre as mulheres se sentirem desrespeitadas pelos gestores. Nossa pesquisa anterior identificou que a percepção de falta de respeito é o indicador mais forte de como os funcionários classificam sua empresa no Glassdoor. A diferença entre como mulheres e homens experimentam inclusão e desrespeito também emerge quando olhamos para os termos específicos que as mulheres usaram mais do que os homens ao descrever a cultura tóxica.

Muitas das palavras e frases que as mulheres usavam com mais frequência descreviam uma série de maus-tratos, incluindo microagressões, manipulação e decisões injustas de contratação e promoção, bem como misoginia, sexismo e assédio sexual. As mulheres também eram muito mais propensas a descrever a gerência e os executivos seniores como praticantes de bullying, rudes, desrespeitosos, inadequados e racistas.

Mulheres e homens apontaram o comportamento antiético com aproximadamente a mesma frequência. Por que a diferença de gênero é muito menor para este tópico em comparação com as outras quatro dimensões da cultura tóxica? Embora nossos dados não nos permitam responder de forma definitiva, depois de ler centenas de avaliações angustiantes, acreditamos que a diferença pode surgir de desequilíbrios de poder no local de trabalho.

Os outros quatro elementos de toxicidade são todas as formas de maus-tratos aos funcionários, em que gerentes ou colegas prejudicam aqueles que podem não ter o poder de desafiar esse comportamento. Na medida em que se nega às mulheres o poder nas organizações, elas são mais propensas a se encontrarem na extremidade receptora desses comportamentos tóxicos do que os homens.

O comportamento antiético, em muitos casos, é mais sobre desrespeitar as regras do que maltratar colegas menos poderosos. Quando funcionários ou gerentes fogem de requisitos regulatórios, regras da empresa ou diretrizes éticas, seu comportamento – embora tóxico – não é necessariamente direcionado a outros indivíduos da mesma forma que a gestão abusiva ou o desrespeito. Isso pode explicar o motivo pelo qual mulheres e homens mencionaram comportamento antiético em taxas próximas.

Como a diferença de avaliação de gênero da cultura tóxica varia de indústria e ocupação

A distância entre as percepções de toxicidade por gênero variou significativamente entre as 155 ocupações que estudamos. Os chefs exibem a maior amplitude numérica em nossos dados, e as chefs mulheres eram quase duas vezes mais propensas a discutir a cultura tóxica em suas avaliações. Nossos dados sugerem que os comportamentos na cozinha retratados em séries de televisão como The Bear e Sweetbitter são bem próximos da realidade.

A diferença também não parece diminuir com a senioridade da posição ocupada. Em todas as posições de C-level as mulheres eram 53% mais propensas a experimentar toxicidade do que os homens. (Lembre-se de que a média em todas as categorias de trabalho é de 41%.) Nem os trabalhadores do conhecimento ou profissões regulamentadas estão imunes, com advogados, consultores de gestão, gerentes de produto e engenheiros elétricos, por exemplo, com o impacto da toxicidade sendo afetado pelo fato de ser mulher. (Veja “”Diferenças de impacto de gênero entre as ocupações””.)

Diferenças de impacto de gênero entre as ocupações

Este gráfico mostra os 10% superiores e inferiores de 155 empregos em termos da magnitude da diferença de gênero da cultura tóxica. Quatorze das 16 ocupações com as menores disparidades são ocupações com uma alta porcentagem de funcionários do sexo feminino.

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Assim como em pesquisas anteriores, descobrimos que o diferente impacto da cultura tóxica está correlacionado com a proporção entre funcionários do sexo masculino e feminino em uma ocupação. Em média, uma porcentagem maior do sexo masculino em uma ocupação está associada a uma distância um pouco maior no impacto. Algumas das maiores disparidades de gênero são vistas em campos com uma alta porcentagem de funcionários do sexo masculino, incluindo engenharia elétrica, militares e reparo automotivo.

Quatorze das 16 ocupações com as menores amplitudes são as que têm uma alta porcentagem feminina, incluindo cuidados infantis, psicologia, serviço social e enfermagem. Dos papéis com as maiores variações de avaliação entre sexos, apenas três – oftalmologia, profissionais de saúde não médicos e modelos – são ocupados por uma proporção maior de mulheres do que homens. Quando as mulheres dominam uma ocupação, em outras palavras, a diferença de impacto da cultura tóxica diminui drasticamente.

O segmento da economia também interfere na experiência. Os quatro setores com as maiores disparidades entre gêneros foram varejo, transporte, serviços de investimento e restaurantes. Três desses setores empregam uma alta porcentagem de trabalhadores por hora, incluindo representantes do varejo, motoristas e funcionários de serviços de alimentação, o que destaca os desafios que as mulheres enfrentam com a toxicidade nas profissões de colarinho azul.

Os serviços de investimento (incluindo corretagens, capital de risco, private equity, bancos de investimento e gestão de ativos) se destacam entre as indústrias de colarinho branco pelo tamanho da diferença entre homens e mulheres que experimentam cultura tóxica. Vale a pena notar que as instituições financeiras mais tradicionais, incluindo seguradoras, bancos e cooperativas de crédito, têm disparidades abaixo da média de todos os setores.

O Dia da Igualdade Salarial nos Estados Unidos, que este ano caiu em 14 de março, destaca a diferença na remuneração média, marcando o número de dias extras que uma mulher tem que trabalhar para ganhar tanto quanto seu colega masculino.Em nosso trabalho de assessoria a empresas, no entanto, pudemos ver que a cultura corporativa e a liderança contribuem muito mais fortemente para a satisfação, engajamento e retenção de funcionários do que a remuneração. Já entre todos os elementos da cultura, a toxicidade exerce um impacto desproporcional na experiência dos trabalhadores, bem como na sua saúde mental e física.

E a diferença entre homens e mulheres em relação à cultura tóxica é ainda maior do que as diferenças em seus salários. Um Dia da Cultura Igualitária que representasse os dias adicionais de cultura tóxica sofrida pelas mulheres ocorreria em 30 de maio, dois meses e meio após o Dia da Igualdade Salarial dos Estados Unidos. Para alcançar a equidade de gênero, os líderes precisam abordar essa distância na influência cultural tóxica, bem como as discrepâncias nos salários.

A variação da gravidade e a magnitude das consequências da cultura tóxica entre os gêneros são inequivocamente ruins, mas também há boas notícias: há medidas concretas que os líderes podem tomar para reduzir isso com relativa rapidez. Em nosso trabalho ajudando as empresas a melhorar a cultura corporativa, vimos líderes abordarem com sucesso a lacuna cultural tóxica entre mulheres e homens, muitas vezes progredindo em poucos trimestres.

Em nosso artigo “”Como corrigir uma cultura tóxica“”, apresentamos dezenas de maneiras baseadas em evidências pelas quais os líderes em todos os níveis – do C-level aos supervisores da linha de frente – podem erradicar a toxicidade. Muitas dessas intervenções podem proporcionar melhorias imediatas.

Descobrimos, por exemplo, que a toxicidade é frequentemente concentrada em equipes, divisões ou regiões específicas, dentro de culturas saudáveis. Os líderes podem obter ganhos rápidos medindo microculturas em todas as suas organizações, identificando bolsões de toxicidade e tomando ações direcionadas para melhorar essas subculturas.

As organizações podem abordar a cultura tóxica, mas melhorias sistemáticas e sustentadas exigem que os principais executivos e conselhos corporativos se comprometam com a mudança. A cultura tóxica é um câncer que afeta desproporcionalmente as mulheres, mas que os líderes podem tratar de forma rápida e eficaz se optarem por fazê-lo. Esperamos que este artigo contribua para a pesquisa existente para fazer um caso convincente para os principais executivos e membros do conselho assumirem esse compromisso.”

Donald Sull e Charles Sull
Donald Sull é professor sênior da MIT Sloan School of Management e cofundador da CultureX. Charles Sull é cofundador da Culture X.

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