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Há uma hora de pausar ações e reavaliar o caminho; é preciso reconhecê-la

As equipes que combatem incêndios florestais têm muito a ensinar aos gestores de organizações sobre como evitar que problemas complexos e dinâmicos saiam do controle

Michelle A. Barton e Kathleen M. Sutcliffe
30 de julho de 2024
Há uma hora de pausar ações e reavaliar o caminho; é preciso reconhecê-la
Este conteúdo pertence à editoria Estratégia e inovação Ver mais conteúdos
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Em maio de 2000, uma equipe de bombeiros que trabalhava para controlar um incêndio em uma área de 121 hectares no Monumento Nacional Bandelier, no Novo México, nos Estados Unidos, viu-se sobrecarregada pela tarefa. Um ponto que teimava em continuar queimando mesmo quando os bombeiros pensavam ter apagado, acabou escapando e se transformou no incêndio florestal de Cerro Grande, um dos mais devastadores da história dos Estados Unidos e que causou US$ 1 bilhão em danos à cidade de Los Alamos e à área vizinha dos Los Alamos National Laboratories. Dezoito mil pessoas precisaram ser removidas e, duas semanas depois, quando o fogo foi finalmente controlado, cerca de 47.000 hectares haviam sido consumidos e 300 casas e instalações de laboratórios foram destruídas.

Como a maioria dos grandes desastres, um conjunto de fatores contribuiu para este, de Cerro Grande. No entanto, um foi particularmente importante: chamamos de “impulso disfuncional”, que ocorre quando as pessoas continuam a trabalhar em direção a um objetivo original sem parar para rever os processos, mesmo diante de indicações que sugeririam uma mudança de curso. O que aconteceu com os bombeiros no Novo México não é raridade. O impulso disfuncional se manifesta diariamente nas organizações e, às vezes, com resultados terríveis. Os integrantes de um projeto que saiu do controle olham para trás e se perguntam: “como foi que isso aconteceu? Como não vimos as pistas que poderiam ter sinalizado enormes problemas pela frente? Ou, se as vimos, por que não mudamos o rumo?”.

Desastres empresariais, como muitos incêndios florestais, geralmente começam pequenos, com problemas menores, percebidos pela gestão, mas não geram grande preocupação. Mas o que acontece quando os “focos de incêndio” começam a se multiplicar, crescer ou mudar de direção? O fato é que, quando estamos no meio da ação, muitas vezes ficamos tão envolvidos no que estamos fazendo que não percebemos que as coisas mudaram, ou ignoramos indicadores de que devemos alterar nosso curso. E a cena seguinte é que estamos diante de uma calamidade total.

A liderança das organizações pode aprender muito sobre como prevenir o impulso disfuncional e, em última análise, evitar desastres de negócios, com indivíduos cujo trabalho diário é lidar com situações complexas e voláteis. Pessoas envolvidas em trabalhos de alto risco, como o combate a incêndios, têm de estar mais atentas a problemas emergentes, não só por suas responsabilidades para com o público, mas também porque as suas vidas dependem disso. Assim, elas são especialistas em reconhecer e enfrentar esse impulso disfuncional, habilidades valiosas para compartilhar com o resto do mundo. E mesmo nas situações em que venham a falhar, há lições valiosas para todos nós.

O que leva à ação disfuncional

As organizações e seus membros exibem energia quando se engajam em um determinado curso de ação, em geral voltado para um objetivo específico. E como o momento físico (aqui denominado impulso), que de acordo com a Primeira Lei de Newton permanece no movimento em que se encontra, salvo pela ação de uma força externa, o impulso organizacional também tende a permanecer em sua rota, a menos que seja deliberadamente interrompido. Chamamos esse momento de disfuncional quando pessoas ou equipes continuam envolvidas ou agem de forma inadequada sobre um curso de ação condenado ao fracasso.

Em que condições é provável que o impulso se torne disfuncional? Uma rápida descrição do combate usual a incêndios florestais nos dá algumas informações. Lidar com um incêndio florestal requer que várias pessoas trabalhem juntas como uma equipe, usando equipamentos que vão de pás a aviões. Podem apresentar diferentes graus de habilidade e, correndo o risco de exaustão, eles devem se coordenar uns com os outros para levar os recursos certos aos lugares certos na hora certa. Os bombeiros também precisam receber alimentos, água e tratamento médico, muitas vezes em locais difíceis. E esses são apenas os itens que estão sob controle humano, já que o vento ou as condições climáticas, por exemplo, podem mudar repentinamente. Os líderes precisam lidar com o evento todo, ao mesmo tempo que experimentam apenas partes dele em primeira mão, e é fácil ver como o momento pode se tornar disfuncional. Tal complexidade e volatilidade irão soar muito familiares para os gestores de negócios.

O impulso pode se tornar disfuncional por pelo menos cinco razões:

1. Orientação para a ação – nossa cultura valoriza a ação e a determinação. Somos recompensados por progredir e fazer as coisas, especialmente em ambientes de negócios hipercompetitivos. Mas quando as pessoas estão sob pressão para executar e produzir, a última coisa que desejam é alguém levantando questões irritantes que podem significar que as coisas estão indo para o lado errado. Além disso, os gestores podem acreditar que não têm permissão de parar, repensar, reorientar e desacelerar o que se está fazendo – que eles simplesmente não podem se dar ao luxo de “perder” tempo. Quando Carly Fiorina chegou ao poder na Hewlett-Packard Co., ela foi considerada por alguns como exatamente o tipo de líder decisiva e forte que a HP precisava, já que o estouro da bolha tecnológica e as crescentes ameaças competitivas na época pareciam ser um chamado à ação. No entanto, a controversa fusão com a Compaq, entre outras coisas, acabou levando à sua queda e seu retrato como líder voltado demais para a ação e pouco para a avaliação.2. Planejamento inflexível – a implementação dos planos é fundamental para o sucesso organizacional e é uma das principais maneiras pelas quais os gestores demonstram competência. Mas o planejamento muitas vezes prende as empresas a um caminho, porque as repercussões de sair do plano são muito sérias. Avaliamos pessoas, processos e resultados em relação aos planos, em vez de reavaliar os próprios planos. Porém, quando as situações são complexas e voláteis, qualquer planejamento irá exigir algum ajuste. As organizações que concebem um plano e decidem cumpri-lo à risca, mesmo diante de mudanças no cenário, acabarão em crise. Basta considerar as três grandes montadoras americanas para ver um exemplo extremo. Mesmo as pequenas empresas, especialmente aquelas em setores instáveis ou complicados, devem estar preparadas para mudar seus planos quando necessário. Novos empreendimentos, com existência ainda não consolidada, são particularmente suscetíveis a variações no ambiente, e a flexibilidade é fundamental para a sobrevivência.3. O efeito cascata – as interdependências das partes de uma organização geralmente significam que pequenas alterações em uma parte do sistema podem afetar várias outras. Se a gestão continuar cegamente com os processos em andamento sob a crença de que pequenas mudanças permanecerão pequenas, eles podem ser surpreendidos com o tamanho que um incêndio pode atingir. Na verdade, mesmo quando o ambiente é estável, ações aparentemente insignificantes que ocorrem no processo normal de administração de um negócio podem causar ondulações em todo o sistema, exigindo ajustes no curso da ação. É fundamental, portanto, que os líderes monitorem cuidadosamente os eventos em andamento em busca de pistas de que nem tudo pode estar bem e que permaneçam flexíveis o suficiente para se adaptar com rapidez.4. Racionalização – é prazeroso ter nossas crenças reforçadas. Por outro lado, o seu desmonte causa desconforto, por isso tendemos a ignorá-lo. As pessoas tendem a tratar aquilo que invalida suas expectativas como nada demais ou como algo a ser incorporado pelas crenças existentes. Por exemplo, em sua análise do desastre do Challenger de 1986, a socióloga Diane Vaughan observou a tendência de “”normalizar”” os sinais de que os problemas dos ônibus espaciais estavam surgindo. Quando marcas de queimadura apareceram nas vedações que selavam seções dos foguetes propulsores, foi mudada a definição de risco aceitável para incluir algum vazamento de gás através das juntas. O que poderia ter sido um sinal para o cancelamento da missão, foi incorporado à crença existente de que tudo estava ocorrendo como planejado, e a decisão de lançamento foi mantida, em lugar de ser suspensa.5. Submissão à experiência percebida – por fim, o impulso de perseverar em uma ação é alimentado porque as pessoas muitas vezes confiam na experiência dos outros, particularmente aqueles com mais poder e status, e abrem mão de sua responsabilidade de monitorar as situações e tomar medidas para mudá-las, se necessário. Indivíduos em posição inferior podem deixar de levantar questões ou agir de acordo com seus receios por medo – medo da repercussão ou de “pisar nos calos de alguém”. No entanto, mesmo quando o medo está ausente, algumas pessoas adiam a experiência porque a igualam à perícia; acreditam que o outro mais experiente deve “”saber o que é melhor””. O próprio Bernard Madoff teorizou recentemente que uma razão pela qual os membros da equipe da Comissão de Valores Mobiliários não examinaram de perto seu esquema multibilionário foi por causa de seu peso na indústria. Mas mesmo assumindo a honestidade e a melhor das intenções, só porque alguém é experiente não significa que ele domine completamente a situação atual. Além disso, em eventos dinâmicos e complexos, é improvável que uma pessoa possa deter todos os conhecimentos necessários para gerir essa situação, por mais qualificada que ela seja.

Líder, interrompido

Na maioria das vezes, as ações de combate a incêndios florestais funcionam, ou, pelo menos, acabam bem. Mas, assim como no caso de Cerro Grande, às vezes terminam em desastre. Nos casos em que o impulso disfuncional teve um papel importante, nossa perspectiva era de que tivesse sido causado pelo fato dos bombeiros não terem visto indicadores críticos para mudar o curso de suas ações. Nosso raciocínio veio de um grande corpo de pesquisas sobre crises organizacionais sugerindo que muitos desastres resultam de falhas de previsão, do acúmulo de eventos ignorados. Em alguns casos, os dados confirmaram o que pensávamos. No entanto, o padrão predominante de evidência confundiu nossas expectativas.

Sobre a pesquisa
Com tantas forças agindo dentro de uma estrutura, o que os líderes podem fazer para garantir que seu ímpeto não se torne disfuncional? Para explorar essa questão, entrevistamos indivíduos envolvidos diretamente no manejo ou eliminação de incêndios. Entrevistamos 28 bombeiros e coletamos informações adicionais de outras fontes, como relatórios de seus pares e manuais de treinamento. Os entrevistados eram do Serviço Florestal dos Estados Unidos, Bureau of Land Management, Bureau of Indian Affairs, National Park Service e Fish and Wildlife Service, e abrangiam diversas posições dentro da hierarquia de enfrentamento de fogo.

Em nossas entrevistas, pedimos aos entrevistados que fornecessem um relato detalhado de sua experiência em incêndios específicos, do início ao fim. Tratamos os dados usando análise de caso, um processo que permite que padrões únicos surjam, desagregando uma situação em vários casos separados. No total, coletamos dados sobre 62 incidentes de incêndio, que variaram amplamente em termos de tamanho (de alguns hectares a dezenas de milhares) e grau de rotina (de queimadas orientadas a tentativas desesperadas de parar incêndios descontrolados). Os desfechos desses incidentes também variaram. Alguns indivíduos descreveram resultados horríveis em que pessoas ficaram gravemente feridas, tiveram que correr para salvar suas vidas ou tiveram que se abrigar em “”abrigos portáteis contra o fogo””. (O uso desses abrigos é considerado uma medida extrema e é tratada quase tão seriamente quanto a perda de vidas, provocando investigações formais e extensas sobre operações de manejo de incêndio.) Outros indivíduos relataram resultados extremamente bem-sucedidos, gerenciados dentro da área de queima planejada ou que foram rapidamente extintos.

A maioria dos incidentes descritos, no entanto, caiu no meio. Eles tiveram bons resultados – por exemplo, incêndios que permaneceram dentro de áreas planejadas ou foram totalmente controlados e extintos – mas apenas após esforços significativos ou erros operacionais. Ou os incidentes tiveram resultados ruins, mas não desastrosos, como conseguirem escaparam do fogo em que foram pegos, ou que estiveram em risco – incêndios que estavam se tornando muito perigosos, mas foram reduzidos a tempo, seja pela ação das equipes de bombeiros ou por pura sorte, como chuvas fortes.

Dos 62 incidentes relatados por nossos entrevistados, 24 tiveram bons resultados, 36 tiveram resultados fracos ou ruins e dois deles não apresentaram dados suficientes para serem avaliados. Em seguida, categorizamos esses incidentes de acordo com as ações realizadas, considerando se as operações em andamento foram alteradas de alguma forma (mudando de uma abordagem direta para uma indireta para combater o fogo, parar o combate e recuar ou transferir a responsabilidade para uma equipe de nível superior). Sete incidentes, que não continham detalhes suficientes para determinar se as ações tinham ou não mudado, foram retirados da análise subsequente. Isso nos deixou com um conjunto de dados de 55 incidentes: 22 incluíram casos de ações alteradas (19 delas com bons resultados); e 33 incluíram casos em que as ações continuaram basicamente da mesma maneira (destes, 29 tiveram maus resultados). Em seguida, analisamos todos os 55 incidentes, procurando padrões de comportamento, crença e atitude que pareciam contribuir para as ações alteradas ou inalteradas.

O mais frequente foi que os bombeiros ficassem tão envolvidos no desenrolar da situação que não conseguiam parar e absorver as pistas, novas e visíveis, para entender o que estava acontecendo e como lidar com isso. O que ficou claro a partir de nossos dados é que o momento disfuncional não é necessariamente um problema de não sentir sinais importantes, mas de interpretar e incorporar as pistas que são sentidas.

Quando estamos envolvidos em um curso de ação, contamos a nós mesmos uma história sobre o que está acontecendo no momento e o que provavelmente acontecerá depois. Quanto mais nos preocupamos com planos e atividades em andamento, mais as forças do impulso tendem a nos impedir de reavaliar essa história. Para superar isto, temos que criar interrupções – pontos em que podemos perguntar: “qual é a história agora? É a mesma história de antes? Se não, como mudou? E como ajustar nossas ações, se é que devemos?”.

Esse processo de reavaliação parece ser razoável na teoria, mas ele raramente ocorre na prática. Na verdade, nossos entrevistados relataram muitos casos em que eles próprios ou membros de sua equipe viram coisas que sinalizavam condições perigosas ou problemas potenciais, mas que não os levaram a reavaliar sua abordagem. Por exemplo, um bombeiro descreveu a falha de sua equipe em responder a incêndios pontuais – trechos de chamas que escaparam de uma área de queima planejada, o que geralmente quer dizer que o fogo principal está se tornando muito ativo. Em vez de encerrar a queima planejada e retirar os bombeiros da área, no entanto, o chefe da equipe manteve a ação determinada como se estivesse tudo certo e a equipe continuou apenas a atacar cada novo foco que surgia. Infelizmente, como esses focos eram efeito de um problema não resolvido, cada vez que os bombeiros cuidavam de um deles, outro surgia e a crise aumentava.

Nesse caso, não bastava perceber os focos de incêndio; em vez disso, diferentes ações tiveram que ser tomadas em resposta. Os responsáveis precisavam parar e reavaliar o que acontecia ao seu redor. Vemos esse tipo de problema repetidas vezes no mundo dos negócios também. Descobrimos que, para superar o impulso disfuncional, é preciso fazer aquilo que menos provavelmente deseja no meio de uma crise. Você tem que se permitir ser interrompido, ou então criar você mesmo a interrupção. Claro que gestores estão entre as pessoas mais interrompidas na face da terra. Parte de sua função é aprender a fazer seu trabalho apesar de uma infinidade de interrupções, e como evitá-las ou reduzi-las em primeiro lugar. Mas nosso estudo sugere que a falta de interrupções pode, de fato, representar uma ameaça às habilidades das empresas de perceber um problema crescente, revisar a compreensão de suas circunstâncias e, se apropriado, mudar o curso de ação.

O momento disfuncional deriva da crença de que uma situação se desenrola conforme esperado. As interrupções – não necessariamente das operações, mas dos processos de pensamento que se apoiam em premissas que podem não ser mais válidas – nos dão a oportunidade para questionar a história em andamento. E não é a quantidade de interrupções que importa tanto quanto a sua qualidade. Os bombeiros mais bem-sucedidos em nossa amostra foram aqueles que encontraram maneiras de criar ou acolher essa pausa para revisar suas ações.

Sábias atitudes

Os resultados que coletamos mostram que em quase todos os casos em que os bombeiros obtiveram bons resultados houve a iniciativa de redirecionar suas ações em andamento. Nesses casos, quando há o movimento para prevenir ou reduzir o momento disfuncional que dificultaria o redirecionamento, dois fatores tendem a ser instrumentais. Primeiro, os indivíduos têm que reconhecer sua própria incapacidade de dominar completamente a situação que se desenrola por si mesmos – eles têm que desenvolver o que chamamos de “”humildade localizada””. Em segundo lugar, devem criar ou buscar ativamente informações disruptivas – eles têm que aceitar interrupções para que as pessoas possam rever a história que está em suas mentes.

Humildade localizada – no tamanho e lugar certos

Quando pequenas flutuações nos eventos trazem implicações significativas e os eventos ainda estão se desenrolando, ajustes na abordagem são essenciais. É justamente nessas situações que pressupostos preexistentes, ações planejadas e racionalizações são mais perigosas se forem rigidamente mantidas. Uma das principais diferenças entre os bombeiros que superaram o momento disfuncional e os que não superaram foi a admissão desse perigo. O primeiro grupo não se submeteu à situação e, apesar de seu heroísmo frequente, não colocou seus egos em jogo. Ou seja, os bombeiros mais bem-sucedidos eram aqueles que demonstravam humildade.

A humildade localizada surge não da insegurança pessoal, mas sim da aceitação de que, por mais confiante que se esteja em sua própria capacidade, a situação é tão dinâmica, complexa e incerta que nenhum indivíduo consegue dominá-la plenamente. Como disse um bombeiro muito experiente: “”Por mais velho e experiente que eu seja em relação a esses grandes incêndios, quando eu entrar no próximo incêndio eu inicialmente não saberei nada. Então eu não vou entrar para colocar fogo.””

Os bombeiros bem-sucedidos sabem que o fogo é tão imprevisível, tão inerentemente incontrolável, que jamais pode ser totalmente compreendido. Como resultado, eles questionam e testam suas próprias suposições e acolhem as oportunidades em que podem revê-las. A perspectiva parece refletir o que o psicólogo social Karl Weick chama de “”atitude sábia”” – a consciência de que a pessoa não domina completamente o que está acontecendo porque nunca viu exatamente esse evento antes.

Interrupções

A humildade localizada é a base para superar o momento disfuncional, pois impulsiona os comportamentos que criam interrupções, o que, por sua vez, pode levar a revisões de crenças e mudanças nas ações. Identificamos quatro desses comportamentos:

1. Manifestar preocupações – qualquer bom gestor reconhece a importância de incentivar os funcionários a falarem sobre problemas ou preocupações. As pessoas mais próximas da linha de frente, afinal, são as primeiras a perceber o que pode estar dando errado. Esperávamos, portanto, descobrir que expressar suas preocupações era uma maneira pela qual os bombeiros transmitiam informações novas e críticas aos superiores e outros tomadores de decisão. Mas ficamos surpresos ao saber que expressar suas preocupações era fundamental, mesmo quando os líderes já dispunham da informação. Mais do que simplesmente transmitir dados, quando as pessoas trazem suas preocupações em voz alta, elas criam uma espécie de artefato compartilhado. A declaração está lá fora, pendurada no ar, e é que agora deve ser abordada – reconhecida, posta em prática ou talvez descartada, mas, de qualquer forma, tratada. Assim, o enunciar gera uma pausa e interfere na forma de pensar sobre a situação. Ao se manifestar, alguém está basicamente perguntando: “”O que acreditamos que está acontecendo agora?””.

Um bombeiro lembrou que trabalhou em um incêndio que parecia estar se tornando particularmente ativo. Sua equipe notou as rápidas mudanças no comportamento do fogo, já que todas as árvores ao seu redor estavam explodindo em chamas – imagens que teriam sido muito difíceis de perder. A princípio, porém, ninguém se manifestou. Foi só quando ele finalmente colocou em palavras o que todos já estavam vendo – ou seja, que a situação era insegura – que a equipe parou por tempo suficiente para reavaliar suas ações e, em seguida, recuaram para uma abordagem mais indireta de combate ao fogo. Ao relembrar o incidente, nosso entrevistado disse que era como se seu chefe estivesse esperando que alguém dissesse algo. Nenhum dado novo foi passado, mas ao dar voz ao que todos viram, ele interrompeu o ímpeto de suas ações em andamento e deu a seu chefe e à equipe a pausa que precisavam para reavaliar.

2. Ser cético em relação aos especialistas – também vimos muitos casos de indivíduos que se calaram sobre perigos iminentes. A razão mais comum para isso, no entanto, não foi o que esperávamos. Sabemos que as pessoas às vezes não se expressam por temerem repercussões – ou que, de uma forma ou de outra, serão punidas. Mas descobrimos que o medo não era a principal causa do silêncio. Em vez disso, os indivíduos muitas vezes deixavam de apontar potenciais problemas por presumirem que bombeiros mais experientes já haviam percebido e avaliado esses indicadores. Em uma das piores ocorrências de nossa amostra – uma queima controlada que escapou do controle e se tornou um grande incêndio florestal – nossa entrevistada se lembrou de se sentir muito desconfortável com as condições em que o fogo foi inicialmente aceso. Para ela, parecia muito seco e ventoso. No entanto, como ela tinha pouca familiaridade com aquele tipo específico de terreno, e porque o líder da equipe era um veterano da força com muitos anos de experiência, nossa entrevistada assumiu que não poderia saber algo que ele não sabia e, portanto, não disse nada. Uma revisão posterior desse incêndio revelou que muitos outros também haviam acatado a perícia do líder, apesar de suas próprias preocupações.

Num exemplo contrário, outro jovem bombeiro ainda em treinamento que também trabalhava com um comandante muito experiente numa queima controlada, percebeu que o vento aumentara e o fogo começava a se alastrar. O comandante não parecia estar preocupado com a possibilidade de o fogo escapar. Mas o novato, notando o movimento das chamas em direção a uma área não planejada, convenceu seu comandante a reordenar os recursos e brecar a expansão. Assim, o fogo foi contido sem chegar a se transformar em um incêndio. Ao relembrar o evento, o jovem reconheceu o nível de experiência de seu chefe, mas percebeu que, neste caso, conhecia melhor o plano de queimada; e muitas vezes, apenas por causa de onde ele estava fisicamente localizado, dispunha de mais informações sobre o que estava acontecendo. Em outras palavras, ele tinha menos experiência em geral, mas neste caso tanto, senão mais, conhecimento. Reconhecer esse fato permitiu que ele falasse e impedisse o que poderia ter se tornado um impulso disfuncional e um resultado desastroso.

3. Buscar perspectivas diversas – quando as pessoas, especialmente os líderes, buscam uma gama de perspectivas, elas estão interrompendo ativamente seus próprios processos de pensamento e ações, criando espaço para reavaliar a situação e, potencialmente, tomar ações diferentes e mais eficazes.

As perspectivas podem variar de acordo com o nível de especialização, a posição física em relação ao incêndio ou simplesmente pela interpretação pessoal do que está acontecendo. Um entrevistado sugeriu que procurasse e ouvisse os novatos de sua equipe porque eles geralmente tinham o treinamento mais atualizado em manejo de incêndios. Além disso, eles faziam os tipos de perguntas básicas e às vezes críticas que ele e outros bombeiros experientes provavelmente não fariam.

Outro entrevistado enfatizou a importância de olhar o fogo do ar, do solo, usando mapas e entrando em contato constante com membros da equipe que trabalham em diferentes partes do fogo. Com base em todas essas perspectivas, disse ele, foi possível criar uma compreensão mais abrangente do que acontecia. Além disso, a cada nova perspectiva surgia uma oportunidade de reavaliar a situação.

Em uma história impressionante, um entrevistado lembrou de um incêndio de verão que parecia estar varrendo um vale em direção a uma represa e algumas linhas centrais de energia. Todos os recursos haviam sido colocados em seu caminho aparente, mas quando o comandante da ocorrência foi em busca de mais informações, encontrou em sua equipe um indivíduo que havia trabalhado como guia fluvial na área anos antes. Esse membro da tripulação lhe disse que, nos meses de verão, fortes ventos à tarde soprariam à medida que o vale esquentasse, provavelmente fazendo com que o fogo desse uma dramática guinada de 90 graus em direção a uma comunidade completamente desprotegida. O comandante redirecionou suas forças e, quando o fogo se comportou exatamente como o bombeiro havia indicado, a equipe estava preparada e a cidade estava protegida.

4. Criar disponibilidade/acessibilidade – muitos dos incidentes em que as ações continuaram pela rota que acabou em desastre fizeram com que os tomadores de decisão não apenas deixassem de buscar outras perspectivas, mas também se tornassem indisponíveis para elas. Em um incêndio particularmente mal administrado, um bombeiro lembrou a inacessibilidade deliberada dos líderes a outros membros da equipe. Por exemplo, eles projetaram os planos de manejo de incêndio no início da manhã, escreveram-nos em um quadro de instruções e depois saíram antes que alguém pudesse fornecer informações adicionais. Além disso, eles realizavam reuniões de briefing em uma sala apenas com assentos suficientes para si mesmos, desencorajando a participação de outros. Essas práticas agilizaram as deliberações dos líderes, mas no final resultaram em condições muito inseguras e conflito nas linhas de combate.

Em contraste, enfrentamentos de incêndios bem-sucedidos tendem a ser caracterizados por uma grande quantidade de comunicação – entre líderes e membros de equipe e vice-versa. Na verdade, um oficial de segurança sugeriu que ele poderia avaliar a segurança da operação somente pela observação dos líderes para ver o quão bem eles mantinham contato com seus subordinados.

Se os líderes não são acessíveis, são muito menos propensos a sofrer interrupções. Claro, é justamente por isso que muitos gestores fecham as portas de seus escritórios ou evitam lugares em que possam ser abordados. Eles não querem ser interrompidos. Mas isso também pode significar evitar oportunidades críticas de parar e perguntar: “”Qual é a história agora?””. As pausas nos forçam a reconsiderar se realmente sabemos o que está acontecendo e o quanto as ações atuais estão funcionando.

Colocando em prática

Uma vez que estamos totalmente enfurnados em nossos planos e atividades, temos a tendência de continuar a fazer o que estamos fazendo – ou seja, resistir a mudar nosso curso mesmo quando o melhor é redirecionar. Mas, como disse o filósofo John Dewey, “”a vida é feita de interrupções e recuperações””. Ao aceitar ou mesmo provocar essas interrupções, em outras palavras, muitas vezes podemos prevenir ou superar momentos disfuncionais em nossas próprias vidas. Em resumo:

Cultive a humildade localizada. Você pode ser confiante em suas habilidades, mas humilde sobre a situação. Mesmo os especialistas mais experientes podem não saber como uma situação dinâmica irá se desenrolar. Pergunte a si mesmo: como o futuro pode se revelar diferente de nossas expectativas? Como as mudanças ou problemas em uma parte do negócio podem afetar inesperadamente outras partes? Que partes da situação não podemos ver? Tente criar um ceticismo saudável sobre o que você sabe e uma maior consciência do que você não sabe.

Incentive o ceticismo para equilibrar a confiança excessiva em especialistas. Quando um cético faz por si só um esforço para confirmar ou refutar a visão de um especialista, passamos a ter duas observações onde originalmente havia uma: um ataque contra a complacência. De modo mais geral, é importante que a voz de todos seja ouvida e que os participantes, ao apresentarem seus próprios pontos de vista, evitem tentar argumentar com tanta força que não ouçam respeitosa e atentamente o que os outros têm a dizer. Quando isso acontece, a advocacia substitui a análise, e a capacidade de discernir detalhes críticos – aqueles que podem ajudar a resolver problemas – é perdida.

Busque ativamente más notícias e use pequenos problemas como oportunidades para as pessoas aprenderem mais sobre seus sistemas. É claro que os subordinados tendem a trazer mais boas notícias do que más a seus superiores, mas essa tendência só se torna exacerbada quando quem detém o poder costuma descartar o que estiver em desacordo com suas crenças. Em vez disso, busque ativamente más notícias e use as informações que obtiver como uma oportunidade de aprendizado.

Pense e questione em voz alta. Dar voz ao que você está observando e pensando ajuda a revelar suas suposições, permitindo que você e outras pessoas as revisem, se necessário. Além disso, quando você pergunta publicamente, isso ajuda as pessoas a entender o que está acontecendo e oferece um modelo a ser imitado.

Esteja disponível física e socialmente. Não sucumba à tentação de simplificar sua tomada de decisão ao evitar os outros. Recompense os gestores que se mantêm atualizados sobre as operações. Estar atento às atividades na linha de frente significa que você está mais propenso a identificar problemas enquanto eles ainda são pequenos.

Comunique-se com frequência e, quando possível, pessoalmente. A comunicação face a face é a mais rica, pois permite que as mensagens sejam ajustadas ao receptor e ao contexto específicos. Além disso, transmite diversas pistas que permitem uma gama de significados e oferece a oportunidade de feedback rápido. Com uma comunicação cada vez mais rica, é possível um entendimento com mais nuances e maior complexidade da situação. Se perdermos a riqueza da comunicação, as informações fundamentais também se perdem.

Busque uma variedade de perspectivas. Como as crises geralmente surgem quando pequenos problemas em torno de sua área aumentam repentinamente, é útil se conectar com pessoas que veem partes diferentes da organização e que se preocupam com questões diferentes. Os membros dos diversos grupos devem ser encorajados a partilhar o conhecimento único que cada um detém e não se limitar às informações que têm em comum.

O impulso disfuncional ocorre não necessariamente porque as pessoas são ignorantes, em busca de risco ou descuidadas, mas porque são humanas e têm tanta dificuldade em controlar os impulsos quanto em superar a inércia. Enfrentar o momento disfuncional requer o reconhecimento de que estamos em uma situação complexa, na qual nosso próprio ponto de vista estreito e instantâneo no tempo dificilmente fornecerão insights suficientes. Ao criar deliberadamente pausas em nossos processos de pensamento – não para interromper, mas para verificar e revisar – temos mais chances de mudar nossa história nos eventos em que revisões são mais necessárias.”

Michelle A. Barton e Kathleen M. Sutcliffe
Michelle A. Barton é doutora em gestão e organizações pela Stephen M. Ross School of Business da University of Michigan. Kathleen M. Sutcliffe é diretora associada de desenvolvimento e pesquisa, professora de administração de empresas e de gestão e organizações na Ross School.

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