Jovem e usuário dos canais digitais, ele quer crédito. Para ganhar esse jogo, as organizações financeiras precisam gerar valor a partir dos dados e criar jornadas personalizadas para os clientes
Há quase três anos, o open finance avança com conquistas que colocam a experiência brasileira como um case de sucesso internacional. A partir dessa nova perspectiva, as empresas do ecossistema financeiro trabalham com foco em hiperpersonalização, interoperabilidade e principalidade. Elas ainda lidam com questões regulatórias e tecnológicas ao mesmo tempo que precisam convencer o consumidor a compartilhar seus dados em troca de benefícios financeiros. Segundo o Banco Central, até o momento, já são 15 milhões de clientes únicos e 22 milhões de consentimentos ativos.
Mas, afinal, quem é o cliente do open finance e o que ele deseja? Os early adopters são, em sua maioria, jovens (até 29 anos), das classes AB, do sexo masculino e que usam os canais digitais com facilidade. A maioria (76%) dos brasileiros já conhece os termos open banking e open finance e o benefício mais desejado é obter crédito (63%).
Os dados são do estudo Open Finance – Índice de Maturidade Brasil 2023, elaborado pela Capgemini Brasil, entre em maio e junho de 2023, com o objetivo de definir o grau de maturidade do sistema financeiro aberto, além de mapear desafios e oportunidades tanto do ponto de vista das empresas como dos consumidores.
A pesquisa foi liderada pela equipe de serviços financeiros da Capgemini Brasil, em colaboração com 24 executivos de incumbentes, neobancos, fintechs, seguradoras, fornecedores de tecnologia, influenciadores e academia. Foram consultadas 205 empresas que já possuem iniciativas de open finance e 882 consumidores (bancarizados acima de 18 anos).
“O brasileiro já ouviu falar do open finance, tem ideia do que isso representa e está aberto para consumir”, resume Jamile Leão, head de financial services na Capgemini Brasil. O estudo indica que o índice de maturidade do consumidor nessa questão é de 5,34 (em uma escala de zero a dez). “Não esperávamos que fosse alto, por alguns motivos: é algo muito novo e complexo, os termos são em inglês, a maioria das pessoas tem pouca habilidade financeira e digital e ainda há poucos produtos disponíveis no mercado. Não temos como cobrar essa maturidade do consumidor”, analisa Leão. “A maturidade pode ser construída a partir de quem está fornecendo essa jornada”, sugere.
Segundo o levantamento, 37% dos entrevistados afirmam que deram consentimento para que o banco em que têm conta possa acessar informações ou fazer pagamentos a partir de outros players. Esse percentual é elevado se comparado aos dados oficiais do Banco Central. Por isso, na análise da Capgemini, as pessoas estão confundindo com as experiências que têm no Pix, o que demonstra que é preciso uma mensagem mais clara por parte das instituições financeiras. “Outra possibilidade é que o cliente começou a dar o consentimento, mas não chegou até o final da jornada. O lado positivo desse número é que há oportunidades para as empresas criarem melhores experiências porque o cliente já está aberto a isso”, avalia a executiva.
Embora o consumidor demonstre disposição em compartilhar seus dados, existe o medo de vazamento da informação. “No Brasil, infelizmente, golpes e o uso indevido de dados são problemas conhecidos por boa parte da população. Existe uma mensagem muito forte de evitar compartilhar dados sensíveis para evitar vulnerabilidades a esse tipo de ataque. Ou seja, existe uma desconfiança natural, mesmo quando é a própria instituição financeira que pede o compartilhamento de dados”, avalia Bruno Moura, diretor de negócios da Klavi, plataforma SaaS que oferece soluções de open finance para as empresas.
Do lado das empresas, a maturidade no sistema financeiro aberto também ficou num patamar mais baixo: 6,43. O resultado é explicado, em parte, pela carga regulatória pesada e pelo fato de muitas organizações ainda não terem metas em relação ao tema, segundo Leão. Por outro lado, quem começou a trilhar esse caminho já colhe benefícios. “A maioria das empresas que consultamos tem um resultado de 10% a 25% melhor usando dados do open finance. Elas estão conseguindo fazer hiperpersonalização e, principalmente, vender mais. Quando o cliente começa a perceber os benefícios, a empresa conquista credibilidade junto a ele”, diz.
O Banco do Brasil (BB) tem investido na área, tanto que em 2022 foi a única organização brasileira listada no Ranking Global de Empresas que Lideram o Progresso do Open Finance, feito pela Open Future World. Segundo Karen Machado, gerente do projeto open finance no BB, o banco possui cerca de 60 casos de uso. Entre os exemplos, a instituição financeira criou a possibilidade de o cliente dar o consentimento via WhatsApp. Também adicionou funcionalidades no seu aplicativo Minhas Finanças que ajudam a fazer a gestão financeira ao agregar informações (como saldo, fluxo de caixa e boletos agendados) de contas de diferentes bancos, categorizar despesas (alimentação, educação etc) e ajudar o cliente com metas de economia.
Na esteira do open finance, Machado conta que, via aplicativo, o banco oferece portabilidade de crédito (com taxas mais atrativas que a concorrência) e iniciação de pagamento para fazer cash in. “O cliente consegue fazer um Pix para trazer dinheiro de outro banco e cobrir seu saldo no BB dentro do nosso app, sem a necessidade de abrir o aplicativo de outra instituição. Isso é bastante estratégico, porque uma das principais disputas hoje é a interface com cliente”, afirma a executiva.
Segundo ela, o BB já liberou cerca de R$ 2 bilhões de limite para os clientes em função das informações vindas do sistema aberto. O principal interesse do consumidor hoje é por crédito, mas ela acredita que, no futuro, atrairá o cliente com perfil investidor, ou seja, que busca apoio, inteligência e segurança para fazer seus investimentos.
A Klavi também tem participado de projetos na área, como a iniciativa em parceria com o Banco Pan, no qual os dados de Open Finance foram usados para identificar os clientes que tinham dinheiro parado em conta rendendo menos que o CDB do Banco Pan. Como estratégia, o banco passou a fazer ofertas contextuais para esses consumidores. “O resultado foi um aumento de 100% do tíquete médio investido”, conta Moura. Segundo ele, o banco conseguiu mostrar para o cliente o valor do rendimento obtido e o que fazer com o ganho extra, que, apesar de baixo, fez sentido para o perfil do público atendido – classe C com baixo nível de educação financeira.
Outra ação foi no marketplace do Banco Pan com a criação de ofertas contextualizadas ao perfil de compras do cliente, gerando um aumento de quatro vezes na conversão de compra a partir do marketplace, segundo Moura. Este exemplo desvincula o open finance da questão do crédito e vem ajudando a aumentar a principalidade do Banco Pan.
A recomendação da Capgemini para as instituições financeiras é se associar a parceiros, principalmente para resolver questões técnicas, e assim focar no desenvolvimento do negócio e na criação de ofertas inovadoras.
“Não adianta pensar em produto, em silos, porque isso não funciona mais. O cliente não está apenas no centro de um banco, mas no centro do mundo, por isso recomendamos que as empresas coloquem o time de CX para desenhar jornadas e experiências contextualizadas”, ressalta Leão. “Vemos que muitas soluções lançadas neste ano são conservadoras. As empresas estão mergulhadas na regulação e gastam bastante energia com TI, principalmente cibersecurity. Sobra pouco tempo para a inovação, mas é preciso pensar fora da caixa”, acrescenta a executiva.
Para dar um passo além, ela recomenda uma abordagem mais estratégica que está sendo adotada por algumas instituições: o open finance by design. Isso significa adotar a mentalidade do sistema financeiro aberto desde a concepção das soluções e, também, ao remodelar serviços e processos já existentes.
Outro ponto de atenção diz respeito à qualidade de dados, essencial para criar jornadas contextualizadas. “Só a partir da higienização, padronização e categorização dos dados de open finance é possível extrair insights acionáveis, isto é, entender os dados para tomar decisões. A hiperpersonalização está relacionada à inteligência de dados aplicada a uma regra básica de conversão: oferecer o produto ou serviço certo, no momento certo. Isso é o que o consumidor espera”, avalia Moura, da Klavi. Segundo o executivo, as áreas de dados e negócios precisam ter maior sinergia dentro das organizações para, de fato, conseguirem gerar valor a partir do dado.
Ampliar o leque de ofertas é outro desafio. Segundo o estudo da Capgemini, os principais serviços oferecidos via open finance hoje no Brasil são crédito, pagamento e gestão financeira. “Em mercados mais maduros, vemos experiências envolvendo aquisição de imóveis e pagamento de tributos, por exemplo”, conta Leão. Apesar de tantos desafios, a pesquisa da Capgemini mostra que 55% das empresas estão dispostas a lançar produtos e serviços do open finance até o final de 2024. “Esperamos um boom”, diz a executiva.
“Cada vez menos falaremos de open finance, porque ele se tornará parte do dia a dia do banco”, acredita Machado, do BB. “O open finance brasileiro começa a ganhar tração e acredito que deixará de ser tendência para ser mainstream na indústria financeira dentro de cinco a dez anos”, completa a executiva.”