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Como conciliar acionistas e outros stakeholders

O segredo é identificar as partes interessadas que criam valor de longo prazo e evitar as armadilhas associadas àquelas que destroem valor

Paul Strebel, Didier Cossin e Mahwesh Khan
30 de julho de 2024
Como conciliar acionistas e outros stakeholders
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Muitos líderes empresariais se dedicaram por anos a maximizar retornos de curto prazo para os acionistas. Como todos sabem, esse comportamento foi posto em xeque da Business Roundtable, em agosto de 2019, quando se manifestou sobre qual deve ser o propósito de uma empresa. É necessário, segundo o documento, servir a todos os stakeholders – não só aos acionistas. Ou seja, é preciso atender aos interesses de clientes, funcionários, sócios, fornecedores e sociedade. Uma mudança que representa um desafio crucial.

O que os líderes, executivos e do conselho, farão para lidar com trade-offs ante interesses conflitantes dos stakeholders? Considere, por exemplo, a tensão entre os interesses de curto prazo de acionistas e a necessidade de apoiar uma resposta corporativa robusta à pandemia ou a outras crises que podem ameaçar o modelo de negócio. Quem persegue estratégias de crescimento de longo prazo que beneficiam um conjunto amplo de questões entende que precisa manter o foco no valor da empresa no longo prazo. Especificamente, é preciso identificar quais stakeholders criam valor para os acionistas no longo prazo e quais drenam valor. Isso permite às companhias evitar armadilhas de destruição de valor e firmar acordos ganha-ganha com stakeholders que criam valor.

Apresentamos aqui um marco que separa os acionistas de longo prazo de outras partes interessadas, testado em workshops de conselhos de administração específicos e num programa para conselhos de alto desempenho na IMD. Nos dois contextos, ele ajudou executivos a reconhecer cinco armadilhas frequentes e a desenvolver estratégias para combinar os interesses dos acionistas com os de outras partes interessadas, tornando realidade o emergente apoio ao capitalismo de stakeholders.

O estudo se baseia em pesquisas e reflexões, nossas e de outros, sobre os benefícios de equilibrar esses interesses e sobre como a diretoria e os conselhos devem evitar a erosão da cultura corporativa trazida pela extração de valor de alguns stakeholders para obter ganhos de curto prazo.

Neste artigo, descrevemos as cinco armadilhas e dizemos como os líderes podem evitá-las, com exemplos de empresas que derraparam e de outras que se saíram melhor. Destacamos a Royal DSM, empresa holandesa de biotecnologia sustentável com valor de mercado de US$ 22,2 bilhões. Aproveitamos observações de Jean-Pierre Jeannet e Benoit Leleux, que trabalharam com executivos da DSM em programas de liderança e estratégia, para ilustrar os benefícios de classificar stakeholders e focar interesses compartilhados de longo prazo.

Cinco armadilhas do curto prazoConsidere as seguintes questões:

• Quais são os stakeholders mais importantes para a criação de valor para a empresa?• Quais stakeholders conseguem os melhores acordos?• Quais ficam com os piores?• Quais são os mais perigosos?• Quais são os intermediários mais ameaçadores das relações entre stakeholders e a empresa?

Se você não consegue responder a essas perguntas, sua empresa corre sério risco de cair numa das armadilhas a seguir.

1 Errar ao estimar o valor potencial dos stakeholders. Partes interessadas com maior probabilidade de criar valor para os acionistas no longo prazo são aqueles que devem ter o maior impacto nos fluxos de caixa futuros no longo prazo. Alguns stakeholders tendem a gerar fluxos de caixa de curto prazo, e outros a criar valor no longo prazo, graças a suas competências e expertise, por exemplo, ou pela maneira sustentável como usam os recursos naturais. Os stakeholders que são prováveis geradores de fluxo de caixa devem estar na vanguarda da distribuição de recursos – e não são necessariamente os acionistas. Mesmo assim, muitas empresas, especialmente as grandes, tratam os acionistas como seus stakeholders mais importantes. Só que, com exceção dos ativistas, os acionistas de empresas estabelecidas têm pouco impacto no fluxo de caixa futuro que determina valor no longo prazo. Conselhos e executivos frequentemente não sabem quais stakeholders têm maior probabilidade de gerar fluxo de caixa. Fatores macro, como revoluções tecnológicas, dificultam a identificação dos potenciais criadores de valor.

Executivos põem suas empresas em armadilhas, algumas vezes fatais, ao não identificar com precisão e não priorizar stakeholders criadores de valor ou ao subestimar a mudança cultural necessária para criar valor com esses stakeholders. As velozes mudanças na distribuição de conteúdo visual exemplificam como líderes atuais de setores podem errar na identificação dos stakeholders que serão essenciais no futuro. Quando a Netflix entrou no mundo do vídeo, o conselho da Blockbuster e o investidor ativista Carl Icahn não perceberam que os consumidores online se tornariam os maiores criadores de valor. A Blockbuster manteve seu foco nos distribuidores, em detrimento próprio. E recentemente, quando Apple TV+, Amazon Prime, HBO e Disney entraram no mercado de streaming de vídeo, a Netflix não as viu como concorrentes sérias e não previu que os provedores de conteúdo seriam os novos criadores de valor, mas tem conseguido se adaptar muito rapidamente.

2Subestimar a reação de stakeholders frágeis. É arriscado hoje se fiar em modelos de negócios que extraem valor de stakeholders frágeis ou desavisados para reforçar pagamentos para acionistas. A resultante perda de flexibilidade financeira pode se transformar em ameaça existencial quando a liquidez seca durante crises econômicas ou sociais. Pense no crescente papel das mídias sociais para a construção ou a destruição da reputação de empresas e nas ONGs prontas para alertar sobre a situação de stakeholders explorados. Não subestime o risco de reação negativa de um stakeholder. Danos à reputação, além de disputas legais e multas, podem derrubar uma empresa. Quando a Boeing acelerou o desenvolvimento do 737 Max, aparentemente subestimou o risco de ter comprometido sua segurança e desconsiderou o custo de uma potencial reação de turistas e de companhias aéreas. Em tecnologia, sabe-se que a monetização de dados dos usuários por Amazon, Facebook, Twitter e outras empresas gerou expressivos retornos financeiros, amplificados por estratégias agressivas de minimização de pagamento de impostos. Só que a reação do público tem crescido, com pedidos de proteção da privacidade e pagamento pelo uso de dados pessoais. Governos europeus estão eliminando brechas fiscais internacionais.

3Subsidiar “caronas” à custa de valor de longo prazo. Os “caronas” – free riders, em inglês, são stakeholders que recebem mais do que dão à empresa, destruindo valor no longo prazo. Exemplos são uma divisão de baixo desempenho, mantida só por estar ligada ao fundador; uma unidade de negócios cujo prejuízo é escondido pelo lucro de outro setor; um executivo com salário excessivo (que um dia criou valor, porém não mais); um filantropo desalinhado; devedores em geral. Redirecionar recursos de free riders para stakeholders que criam valor de longo prazo é boa ideia. E esses free riders talvez possam criar valor em um novo contexto, como aconteceu com a unidade de power grids da ABB quando vendida para a Hitachi.

4Comprometer-se com predadores. Esses stakeholders deliberadamente destroem valor para se beneficiar, prejudicando outros stakeholders. Com frequência, fingem criar valor. Um exemplo clássico é o dos chamados “investidores abutres”, que se dizem alinhados aos acionistas mas desmembram a empresa, sem se importar com seu potencial no longo prazo.

5Subestimar o papel dos intermediários. Intermediários posicionados entre a empresa e seus stakeholders têm seus próprios interesses, frequentemente incompatíveis com as metas da empresa. As companhias correm riscos ao subestimar o modo como os intermediários conseguem amplificar o poder de outros stakeholders. O relacionamento com intermediários pode ser tenso. Bancos de investimento, por exemplo, além de efetivar IPOs, assessoram seus clientes corporativos durante o processo. Esse aconselhamento pode ser enviesado pelas comissões que os bancos ganham pelo IPO – ou por IPOs abortados.

Intermediários podem também incentivar as empresas a transformar vítimas em criadores de valor. Empresas farmacêuticas desistiram de uma ação contra a fabricação de remédios genéricos contra a Aids na África do Sul depois da publicidade negativa gerada pelas críticas de ONGs como a Médicos Sem Fronteiras. Isso levou a empresa a atender interesses de prazo mais longo de outros stakeholders, como pacientes e a sociedade em geral, o que provavelmente ajudou nos interesses financeiros e reputacionais da empresa.

Como alinhar os stakeholdersA maximização do valor da empresa no longo prazo requer uma abordagem diferenciada e adaptativa para cada tipo de stakeholder. É preciso identificar quem são as vítimas, os free riders, os predadores e os criadores de valor dedicados a promover iniciativas ganha-ganha para si mesmos e para a empresa.As empresas devem se empenhar para levar o máximo possível de stakeholders a posições ganha-ganha, mirando naqueles que já criam valor crucial e também nas vítimas e free riders com potencial de contribuir para/efetivar ganhos de valor. E no mínimo precisam evitar que esses stakeholders –e os predadores – minem o valor da empresa. Alicerçados nessa classificação importante, os líderes podem adotar as cinco estratégias descritas a seguir para evitar as armadilhas de stakeholders.A DSM será usada como exemplo de como fazer isso. A empresa teve duas grandes transformações – de mineradora de carvão para indústria química de base e depois para biotecnologia.

Eis as cinco estratégias:

Impedir a destruição de valor por predadores.

É o risco mais urgente e deve ser enfrentado primeiro. Além de reforçar os sistemas de gerenciamento de riscos, os líderes devem ficar alertas para atividades anormais. A identificação e a neutralização de predadores antes que enfraqueçam a empresa exige ação executiva pronta e efetiva. A DSM se destacou nisso. Antes que investidores ativistas pudessem atacar durante a transformação de indústria química de base para biotecnologia, a DSM alocou numa fundação separada um excedente de caixa, restringindo o uso dos recursos ao apoio à visão estratégica da empresa. Depois evitou a divisão da empresa proposta pela investidora ativista Third Point para beneficiar acionistas. Em vez disso, cortou custos, vendeu sua participação numa unidade de plásticos e resina sem lugar na nova estratégia e investiu os recursos no novo negócio de biotecnologia, ajudando a criar valor no longo prazo.

Parar de subsidiar free riders, para evitar a erosão de valor para os acionistas no longo prazo. É preciso vencer a inércia e evitar a perda representada por partes que não colaboram, para tentar liberar recursos para que outros stakeholders criem valor no longo prazo. E stakeholders antes criadores de valor podem se tornar free riders, se a conjuntura mudar. Foi o que aconteceu com a divisão química da DSM, quando o mercado para seus produtos ficou adverso. A DSM vendeu a divisão e levantou o capital necessário para criar valor no longo prazo em biotecnologia. Pode também acontecer o contrário, e um free rider se tornar criador de valor em novo contexto. Foi o que aconteceu com o setor de distribuição elétrica da suíça ABB. A Hitachi a comprou e se tornou a líder do setor.

Faça acordos com os criadores de valor. Cabe aos líderes mobilizar criadores de valor por meio de iniciativas ganha-ganha que maximizem o valor da empresa no longo prazo. Tais parcerias exigem acordos baseados na confiança, envolvendo expectativa de retorno, uma cultura positiva de trabalho e interações psicologicamente seguras com a administração.

Esses pactos não são gestos de relações públicas. Para desenvolver uma cultura de apoio a esses relacionamentos é necessária uma mudança efetiva e compromissada da gestão. Se tais iniciativas estiverem associadas a lucros menores ou menor distribuição de dividendos no longo prazo, é preciso explicar aos acionistas e outras partes interessadas como os esforços se encaixam na estratégia de longo prazo de maximização do valor dos negócios.

O primeiro pacto da DSM foi com o governo holandês. Permitia a exploração de carvão e depois de petróleo sob a condição de não explorar trabalhadores nem comunidades. Quando a DSM se tornou uma empresa de biotecnologia, seus criadores de valor passaram a ser os gestores à frente da transformação do seu portfólio de negócios para produtos de cuidado com a saúde. A liderança da DSM travou diálogos com esses stakeholders e assinou um contrato estratégico de valor atrelando sua compensação ao desenvolvimento dos novos negócios.

Minimizar a extração de valor de vítimas. Os líderes devem se lembrar dos riscos à reputação, legais e operacionais de aumentar ganhos de curto prazo em detrimento de vítimas. Extrair valor delas pode facilmente corroer os valores de uma empresa e reduzir sua competitividade. É preciso lembrar também que o valor de mercado pode ser afetado, porque cada vez mais as gestoras de ativos usam indicadores ambientais, sociais e de governança como métricas de riscos gerencias. O jeito ideal de mitigar tais riscos é transformar vítimas em criadores de valor, como fez a Nespresso ao ajudar seus fornecedores de café a ser mais eficientes para melhorar os ganhos com a colheita.

Quando fechou suas minas de carvão, a DSM deu treinamento a alguns dos 25 mil mineiros para que passassem a trabalhar na divisão química – e negociou a recolocação de outros na DAF, fabricante de carros e máquinas agrícolas. Mais recentemente, a DSM deslocou o stakeholder meio ambiente de uma posição de vítima potencial para a de criadora sustentável de valor. Agora, seus cerca de 300 executivos têm bônus atrelados a metas de sustentabilidade.

Engajar intermediários como promotores. Esse ponto vale para influenciadores externos, como lobistas, ONGs, analistas, reguladores, consultores, banqueiros e auditores.

Nos últimos anos, a área de “política externa” da Microsoft estabeleceu diretrizes para interagir com governos e reguladores em todo o mundo. Tais diretrizes incluíram a proposta de um tratado para proteger os cidadãos de ciberataques vindos do governo e a mobilização de 17 países e oito empresas de tecnologia para eliminar o conteúdo online de extremistas violentos.

Tão importante quanto engajar os intermediários certos é excluir os que induzem os stakeholders ao curtoprazismo. Ao longo dos anos, a DSM fez isso de diversas maneiras. Por exemplo, rejeitou a proposta de uma consultoria para maximizar ganhos de curto prazo para os acionistas por considerá-la imediatista demais. Também resistiu a conselhos de um banco de investimentos para tomar empréstimos, porque estava sendo conservadora em contrair dívidas na mudança do setor de mineração para o de químicos e, então, para a área de biotecnologia.

Para evitar que acionistas agressivos e seus representantes retaliassem gerando uma erosão de valor de longo prazo, a DSM soube ser flexível. Acabava recomprando ações quando a pressão ficava forte demais. Em 2019, por exemplo, ela anunciou o gasto de um 1 bilhão de euros em recompra de ações (parte disso, já programada).

A criação de valor para os acionistas no longo prazo pode exigir mudanças estratégicas substanciais. É por isso que se faz necessário identificar e mobilizar os stakeholders criadores de valor. O bem-estar dos stakeholders vulneráveis com potencial para criar valor, como os trabalhadores, merece atenção especial. A avaliação sobre quem cria valor hoje e quem pode criar amanhã, aliás, deve ser cuidadosa, porque é a base para criar estratégias que evitem as armadilhas do curto prazo.

Ao separar joio e trigo nas partes interessadas, como propomos, os gestores cumprem suas obrigações fiduciárias com a empresa de maneira responsável, ética e sem sucumbir à crença de que sua missão é gerar retornos de curto prazo para os acionistas.

Classificando os stakeholders

Para evitar armadilhas no curto prazo e priorizar o relacionamento com stakeholders com o maior potencial de criação de valor no longo prazo, pergunte-se:

1. Quem tem mais chance de exercer um efeito positivo ou negativo no valor da empresa no longo prazo?

2. Qual é seu poder de afetar o valor no longo prazo?

Depois tente ver onde encaixar cada stakeholder. Lembre-se de que qualquer grupo pode tanto somar quanto deduzir valor de uma empresa. Por exemplo, alguns fornecedores podem ser criadores de valor em busca de iniciativas ganha–ganha, enquanto outros podem usar seu poder monopolista para extrair valor, como predadores. E alguns stakeholders podem ficar entre as duas categorias, sem impacto perceptível na criação de valor. O preenchimento desta matriz gera insights sobre o status atual dos diversos stakeholders e a direção a tomar para investir energia e recursos no relacionamento com eles.

Artigo publicado na MIT Sloan Management Review Brasil nº 6.

Paul Strebel, Didier Cossin e Mahwesh Khan
Paul Strebel é professor emérito de governança e estratégia na IMD, em Lausanne, Suíça. Didier Cossin é professor de finanças e governança na IMD e diretor de seu Global Board Center. Mahwesh Khan é pesquisador associado na IMD.

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