Preservar a Amazônia começa com o cuidado de sua gente, preparando assim o caminho para uma floresta resiliente e sustentável. | por José Ribamar Ribeiro dos Santos Netto
Por muito tempo, nós, nativos da Amazônia, acreditamos que ser uma liderança, com voz e vez para falar da nossa realidade, estava aquém do nosso alcance. Aos poucos, fomos deixando que outros ocupassem esse lugar e contassem nossa história.
Mas se tem uma coisa que não canso de dizer é: a educação tem o poder de transformar vidas. Mudanças essas que nos fazem tomar posse do que é nosso por direito: o poder de fala.
Tradicionalmente, a liderança é definida como uma posição de destaque em diversos contextos, seja a de uma empresa que desponta no mercado, um time no topo do campeonato ou o presidente que comanda uma nação. Essa concepção técnica, muitas vezes, acaba influenciando os jovens, que não se dão conta de que palavras podem e devem dar lugar a ações.
Assumir a liderança de si é acreditar que devemos ser o tipo de líder que admiramos. Cada um com sua personalidade, dinâmica e gatilhos, reconhecendo que a liderança transcende diversos aspectos, mas nunca esquecendo o fato de que também somos seres humanos.
Antigamente, as pessoas acreditavam que os habitantes da Amazônia viviam apenas do que a terra dá. Ser líder é, por exemplo, derrubar esse mito. Os amazônidas têm sonhos e objetivos, que, por vezes, vão além das fronteiras da floresta.Eu sou prova disso. Estou prestes a viajar, pela primeira vez, para outro país, sem esquecer – nem um minuto – das minhas origens, do meu povo e de quanto quero continuar abrindo passagem para as próximas gerações.
Sou de uma família de 4 irmãos e pais que trazem consigo a mistura brasileira. Tenho entranhas de gerações de comunidades ribeirinhas, como Parintins, uma ilha onde os traços indígenas são marcantes e a cultura popular, celebrada nas festas dos bois Caprichoso e Garantido. Um verdadeiro caldeirão de lendas, fantasias e o poder da criatividade das lideranças amazônicas.
Acessar muitos desses recantos da Amazônia demanda viagens fluviais, uma jornada que me leva a refletir sobre o significado de ser um jovem líder na minha região.Mais de uma vez, tentei me moldar ao formato de liderança do mundo corporativo. Em nenhuma delas me encaixei. Então, me permiti voar como o pássaro da lenda do boi Caprichoso.
Na revoada, entendi que meu papel como liderança era capacitar outros para encontrarem seu próprio lugar de fala. Dediquei meu tempo a preparar as futuras gerações para adentrarem espaços antes inexplorados por nós.Compreendi também que uma vitória só é genuína quando compartilhada. Quero vencer pelo meu povo, mas também quero assistir à vitória de cada um deles. Ser líder é vivenciar a conquista de quem está do seu lado.
A certa altura, os desafios da liderança podem se mostrar tão extensos e tortuosos quanto os rios da Amazônia. Talvez seja necessário enfrentar banzeiros, mas a floresta ainda há de lhe presentear com um arco-íris e uma revoada de pássaros.
Ser líder exige estar em harmonia consigo mesmo, reconhecendo que não estamos sozinhos enquanto tivermos a Amazônia como nosso estandarte.
Ser líder nortista é ter voz para falar da nossa realidade, das nossas demandas e das nossas contribuições. Não há nada mais autêntico do que ouvir sobre a Amazônia diretamente de quem a habita.
Felizmente, hoje somos reconhecidos como os legítimos protagonistas de nossa narrativa, e a floresta está emergindo como uma figura central no palco global. Tardio? Nunca é tarde demais para um novo começo.
Já atuei como líder empreendedor, criando camisetas para financiar viagens pelas comunidades e empoderar jovens a serem protagonistas de suas próprias histórias. Hoje trabalho com o público infanto-juvenil, desenvolvendo-os para que se tornem repórteres de suas próprias histórias e compartilhem suas vivências com o mundo.
Meu papel é incentivar um círculo virtuoso, em que ninguém é deixado para trás. É também abrir caminho para novas gerações de líderes que defendam a Amazônia sustentável, bem como seu potencial empreendedor, de experimentação e de transformação digital. Não se trata de líderes que ponham a perder as tradições, mas de lideranças conectadas, aptas a lidar com os desafios contemporâneos.
Artigo assinado por José Ribamar Ribeiro dos Santos Netto, que foi um dos destaques no Prêmio Young Leaders 2023. É amazonense, jornalista e educomunicador; entusiasta de empreendedorismo, cultura e pessoas como forma de transformação. É movido pela criatividade e pelo desejo de unir povos, planos e empresas, atuando com projetos que buscam mudar a vida de pessoas por meio da educação e da tecnologia em Manaus e no interior do Amazonas.“