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O leme da IA nas correntezas da mente

Dominar a IA é relativamente fácil, basta se ocupar com ela, aprender como funciona. Dominar a mente é outro tipo de desafio, muito mais complicado

Cássio Pantaleoni
13 de junho de 2024
O leme da IA nas correntezas da mente
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Afinal, como a inteligência artificial deverá mudar as nossas vidas? – é a pergunta que ora ou outra se vê nos canais de notícia. Opiniões não faltam.

Uma matéria publicada lá em abril de 2023 na The Economist predizia: a inteligência artificial (IA) mudará a forma como as pessoas acessam conhecimento, como se relacionam com ele e como pensam sobre si mesmas.

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Tabela de exemplo para ser retirada depois.

Bem antes disso, nos idos de 2019, havia perspectivas mais obscuras. Stephen Hawking ponderava sobre a incontrolabilidade da IA. Elon Musk previa a necessidade de uma regulamentação para evitar seu uso indevido. Em uma de suas entrevistas, ele afirmou que a IA não precisaria ser má para destruir a humanidade – “se a IA tiver um objetivo e a humanidade simplesmente estiver no caminho, a IA destruirá a humanidade, sem sequer pensar nisso, sem ressentimentos”.

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Há, de outra sorte, os entusiastas da IA. Em 2022, Bill Gates, por exemplo, previa uma vida mais desonerada, com tempo livre para as pessoas aproveitarem e expressarem sua criatividade. Visão tão positiva como a de Kai-fu Lee, que profetizou que “a IA nos conhecerá melhor do que nós mesmos. Sites, aplicativos e outros dispositivos digitais conhecerão nossa psique e motivações não apenas por meio de cada clique, compra e pausa (que são capturados hoje), mas também de cada ação, movimento e fala (que serão capturados no futuro, de forma segura, protegendo nossa privacidade)”.

Tanto a perspectiva apocalíptica quanto a apologética assumem que, seja lá o que vier a acontecer, a determinante será a IA. Não creio que seja assim.

Penso que a inteligência artificial é como o leme de um barco: é preciso que alguém o maneje de maneira adequada.

O leme da IA é como um martelo ou uma chave de fenda. Um martelo não pode ser empunhado por ele mesmo. Nem a chave de fenda. Nos dois casos, é preciso ao menos uma empunhadura humana que possa torná-los úteis.

Contudo, no caso do leme da IA, há diferentes formas de empunhá-lo. O usuário o controla de modo a cuidar para que o efeito esteja de acordo com a sua função. Já para aquele que desenvolve os algoritmos, a empunhadura permite controlar a amplitude das possíveis manobras do usuário. Os algoritmos, por sua vez, necessitam de dados para serem treinados, e alguém precisa coletá-los e prepará-los. É uma empunhadura que controla a precisão de funcionamento do algoritmo segundo o projeto do desenvolvedor, manejando, assim, a amplitude do controle que este último tem sobre as manobras do usuário.

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É claro que podemos substituir os agentes humanos do processo de coleta e preparação dos dados, bem como o desenvolvedor do algoritmo, pela própria IA. Nesse caso, restaria apenas a mão do usuário para controlar o leme.

No caso da IA generativa, a empunhadura não dá conta apenas da nossa manobra para fazê-la funcionar de modo a gerar conteúdos digitais, como textos do ChatGPT ou vídeos do Sora. A empunhadura também refere o valor que damos para estes conteúdos e para o tempo que nos ocupamos com eles.

É um axioma simples: a IA muda as nossas vidas segundo o que prevalece na mente de quem a usa. Ou seja, a razão pela qual ocupamos mais nosso tempo com conteúdos gerados pela IA do que com conteúdos humanos, o propósito que encontramos ali e o quanto esses conteúdos contribuem para a nossa autoestima serão determinantes para o nosso futuro. Afinal, o que prevalece na mente são essas correntezas incitadas por razões, propósitos e autoestima. Não há água parada.

A hipnose do TikTok – que cinicamente proclama “make your day” (do inglês, ganhe o seu dia) como razão de ser – é um bom exemplo. Basta um pequeno mergulho, um contato inicial com qualquer conteúdo da referida rede social, e já a correnteza da mente nos oferece uma sensação de cinesia reconfortante. Encontramos uma razão para estar ali, um propósito, uma sensação de bem-estar e, por horas a fio, nossa mente corre em direção ao seu próprio correr, desaguando sempre com pressa, distraída das margens, do tempo e de si mesma.

TikTok, Make Your Day: por horas a fio, nossa mente corre distraída das margens, do tempo e de si mesma.

Uma IA autônoma que gera conteúdos sintéticos com aparência de conteúdos reais, que se refina e se treina sem a intervenção de agentes humanos, empunhando o seu leme, deixa sobrar apenas a empunhadura do usuário. O que não deixa de ser também o lugar da possibilidade de escolher uma direção oposta à correnteza natural da mente.

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De certo modo, é exatamente ali que poderemos encontrar a resposta para como a IA deverá mudar as nossas vidas. É bastante simples: do modo que a gente deixar. Dominar a IA é relativamente fácil, basta se ocupar com ela, aprender como ela funciona. Dominar a mente é outro tipo de desafio, muito mais complicado.

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Se aprendermos a conter estas correntezas mentais, libertando-nos dos conteúdos sintéticos gerados por algoritmo, cuja única função-objetivo é corresponder às nossas necessidades de razão, propósito e autoestima, então a IA não mudará muito as nossas vidas. Continuará sendo apenas aquilo que ela já é – mais uma tecnologia acessória.

Cássio Pantaleoni
Cássio Pantaleoni é managing director da Quality Digital e membro do conselho consultivo da ABRIA (Associação Brasileira de Inteligência Artificial). Tem mais de 30 anos de experiência no setor de tecnologia, é graduado e mestre em filosofia, e reúne experiências empreendedoras e executivas no currículo. Vencedor do prestigioso prêmio Jabuti, com a obra *Humanamente Digital: Inteligência Artificial centrada no Humano*.

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