De guardiões de números a agentes estratégicos para gerar valor nas organizações. Conheça os cinco papéis que vêm redefinindo sua atuação
Nos últimos anos, testemunhamos uma evolução notável no papel dos CFOs (chief financial officers) de grandes empresas. Se antes sua função se concentrava principalmente em reportar resultados financeiros, liberar recursos e monitorar orçamentos, hoje o escopo se ampliou significativamente. Além das tarefas tradicionais, os CFOs modernos desempenham papel fundamental na tomada de decisões estratégicas, lideram iniciativas de compliance e empreendem esforços de geração de caixa enquanto coordenam também medidas de redução de custos.
Entre os diversos desafios que enfrentam, destaca-se a necessidade de desenvolver sólidos conhecimentos tecnológicos e mindset digital. Afinal, o mundo dos negócios está cada vez mais interligado com a tecnologia, e eles precisam estar na vanguarda dessa transformação. Já não basta compreender os números; é essencial dominar as ferramentas digitais disponíveis para otimizar processos financeiros e impulsionar a inovação nas organizações.
Além disso, devem integrar tecnologias emergentes, como inteligência artificial (IA) e análise de dados avançada, em suas operações. Elas podem oferecer-lhes insights valiosos para orientar as tomadas de decisão e antecipar oportunidades de mercado.
No contexto brasileiro, tais possibilidades ganham contornos ainda mais relevantes. Especialmente tendo em conta as grandes complexidades tributária, de gestão de caixa e custo Brasil. Nesse contexto, cabe aos CFOs a missão crucial de gerenciar – ou, se possível, superar – esses obstáculos.
No que se refere à tributação, o Brasil é conhecido por seu sistema tributário complexo e pesado, o que exige expertise e adoção de tecnologia para garantir conformidade e otimização fiscal. Lembrando que falhas no cumprimento da legislação tributária incorrem em multas que, muitas vezes, são pesadas.
A gestão de caixa, por sua vez, representa desafios adicionais. Em um ambiente volátil como o nosso, marcado por incertezas políticas, flutuações econômicas e oscilações cambiais, prever e administrar os fluxos financeiros é extremamente desafiador. Mudanças repentinas nas políticas governamentais, instabilidade econômica e variações cambiais podem impactar drasticamente as operações financeiras das organizações, dificultando a gestão do caixa de maneira eficaz.
Além disso, o custo Brasil, que engloba temáticas como infraestrutura deficiente, burocracia excessiva, falta de segurança jurídica, altas taxas tributárias, instabilidade econômica, entre outros obstáculos que dificultam o ambiente de negócios no País, adiciona uma pitada extra de complexidade na agenda dos CFOs.
Diante desses desafios, esses profissionais precisam adotar estratégias proativas, como implementação de sistemas robustos de previsão de caixa, hedging cambial e gestão rigorosa de custos, para mitigar os riscos e garantir a sustentabilidade financeira de suas organizações também no longo prazo.
Muitas vezes, ter essa visão ampliada e estratégica e ainda ter que tomar decisões que vão muito além do âmbito financeiro acabam virando um grande gargalo para os CFOs – especialmente para aqueles que trilharam carreiras mais tradicionais, tendo iniciado em áreas específicas de finanças, como contabilidade, controladoria, tributos ou relação com investidores.
Embora sejam de suma importância para a operação das organizações, são historicamente estruturas que sempre operaram mais “isoladas”, processando dados, analisando e reportando indicadores, sem uma visão mais ampla dos reais impactos dos resultados no dia a dia do negócio.
Com toda a transformação requerida para que uma empresa seja perene, rentável e relevante em seu mercado, é de suma importância uma mudança radical no papel das vice-presidências de finanças e, consequentemente, na função dos CFOs.
A tomada de decisão deve ser agilizada; e eles, mais consultivos, digitais e data driven. Para isso, os processos de finanças precisam ser mais tecnológicos, otimizados, ágeis e adaptativos, a fim de trazer respostas aos novos desafios de suas agendas.
Nesse cenário de evolução acelerada, a tecnologia passa a ser uma grande aliada dos CFOs, uma vez que contribui para reduzir complexidades, agilizar fluxos de trabalho, aumentar o índice de assertividade nos processos e reduzir custos operacionais. Por exemplo: hoje existem tecnologias avançadas que utilizam IA para monitorar de forma proativa todas as instâncias tributárias (municipais, estaduais e federal) e identificar eventuais mudanças de regra, ajustando automaticamente a estratégia tributária da companhia.
Além disso, existem soluções que embarcam IA com modelos de otimização para recalibrar diversos fluxos transacionais de finanças, como planejamento de demanda e ajuste dos níveis de estoque, gestão proativa de contas a receber, acionamento dos processos de cobrança de clientes inadimplentes, gestão de preços e estratégia de rentabilidade de produtos e serviços baseado em modelos avançados de dados etc.
Com todas essas oportunidades, é fundamental que os CFOs não apenas compreendam os aspectos tecnológicos, mas também adotem uma mentalidade digital que permeie todas as suas ações e decisões. Somente assim poderão liderar efetivamente a organização, de forma competitiva, rumo a um futuro digital.
Os grandes desafios que os CFOs enfrentam atualmente têm levado importantes empresas de pesquisa a publicar estudos anuais sobre a evolução da função financeira. Embora indiquem diferentes direções, em geral, eles convergem em torno de cinco pilares fundamentais.
1 Aporte à tomada de decisões em base sólida de informações
CEOs e diretores tomam decisões todos os dias, e cabe ao CFO prover um conjunto de informações para que eles não cometam erros – sejam dados econômicos, impactos em fluxos de caixa, modelagens em business cases ou qualquer instrumento que avalie o impacto nos resultados da organização. Por sua relevância no processo decisório, em muitas situações tornam-se corresponsáveis por decisões estratégicas, e parte relevante de seu trabalho consiste em convencer as diversas áreas, incluindo a alta liderança, a seguir suas recomendações.
Para navegar com segurança no cenário de constante incerteza econômica, é fundamental complementar os dados internos da organização com uma correta leitura do mercado e uma apurada análise crítica dos dados, incluindo boa avaliação de estudos analíticos e preditivos. Os CFOs devem estar atentos aos riscos de mercado e possibilidades de recessões, antevendo ainda possíveis turbulências sociais ou políticas. Para lidar com esses desafios, devem se orientar por diferentes cenários que possibilitem avaliar impactos sob diferentes perspectivas.
É de um ambiente de incertezas que surgem boas oportunidades, e cabe ao CFO antecipá-las e capturá-las como vantagem competitiva. O mercado oferece soluções de análise preditiva que auxiliam no processo de identificação de oportunidades e prevenção de ameaças, contribuindo para uma efetiva capacidade de sustentar boas decisões.
Por fim, lidar com números não é para todos. Informações financeiras são muitas vezes densas e partem de conceitos áridos para muitos. Portanto, investir em boas técnicas de visualização e na habilidade de contar histórias também é de extrema relevância para a boa compreensão das métricas financeiras e para que possam orientar as decisões.
Funciona bem adotar uma narrativa clara, destacando estatísticas relevantes e reduzindo detalhes. Grupos diferentes necessitam de informações também diferenciadas: enquanto gerentes e analistas precisam de maior detalhe, os níveis mais seniores preferem relatórios agregados e os comparam com as demais linhas de negócios.
2 Luta permanente pela geração de caixa
Há um ditado que diz: “receita é vaidade, lucro é sanidade e caixa é realidade”. Ou seja, crescer é bom, rentabilidade é importante, mas é a capacidade de geração de caixa que determina a continuidade ou não das atividades de uma empresa. Não é só recomendável que os CFOs utilizem um bom sistema automatizado de monitoramento, mas que estejam atentos a qualquer oportunidade de geração adicional de caixa, em particular à necessidade de capital de giro (otimização de prazos de recebimento, de pagamentos e níveis de estoque). A regra do jogo é “gerir caixa” para “gerar caixa”.
“Gerir” o fluxo de caixa é peça central da estratégia financeira. Para a tomada de decisões assertivas, é essencial registrar todos os valores recebidos e gastos, separando-os por categorias. Assim, identificam-se os maiores gastos e encaminham-se as ações. Avaliações diárias do fluxo de caixa são fundamentais para evitar surpresas desagradáveis.
Já para a “geração” de caixa adicional, quer seja reduzindo gastos, aumentando o faturamento, promovendo cortes ou otimizando o capital investido, não se pode desprezar a avaliação de plataformas digitais. Não apenas de um ERP, que já se encontra implantado em qualquer organização de médio ou grande porte, mas sim de soluções prontas que endereçam nichos bem determinados para a geração de caixa. Por exemplo, novas modalidades de pagamento, portais de financiamento a fornecedores, soluções de arrecadação, banking-as-a-service, recuperação de depósitos judiciais, recuperação tributária, balanceamento de seguros, financiamentos a programas de inovação, entre tantas outras. Segundo estudo recente do Distrito, o Brasil conta com cerca de 1.300 fintechs, que podem aportar tais soluções, ajudando os CFOs a atender seus desafios de caixa com maior assertividade.
Porém estatísticas comprovam o alto índice de falhas em implementações de alavancas digitais. Várias iniciativas não alcançam os resultados esperados ou são interrompidas antes de serem implementadas. Para mitigar esse risco, vale a pena buscar apoio especializado na escolha da solução a ser utilizada, na execução do projeto de implementação dentro de padrões e boas práticas e até na operação por equipe especializada e terceirizada, já que muitas vezes não existem profissionais disponíveis internamente.
3 Eficiência e redução de custos
A função financeira, ainda que seja bastante estratégica, normalmente carrega uma alta despesa operacional (processamento de documentos, backoffices, conciliações etc.), que precisa ser continuamente otimizada. É fundamental que se potencialize o uso de tecnologia e de automação, principalmente das novas facilidades de inteligência artificial generativa. Não basta automatizar processos padrões como contabilidade, emissão de relatórios e suporte aos clientes; a área financeira necessita se posicionar na vanguarda do uso de ferramentas de produtividade como automatização de pagamentos (em lotes e incluindo splits), conciliações, cobranças etc. e, ainda, ser capaz de integrá-las de forma automática a seus sistemas corporativos, utilizando-se de APIs.
Parece complexo – e realmente é. Os caminhos para a redução do custo da função financeira evoluem muito rapidamente. O processo de contas a pagar que foi robotizado no ano passado pode já estar obsoleto frente às novas facilidades possibilitadas pela IA generativa. Soma-se a isso a dificuldade dos colaboradores da área financeira em se adaptar rapidamente aos novos padrões, incluindo-se ainda um não raro grau de resistência, pelo receio de que novas tecnologias possam substituí-los.
A cultura corporativa, na maior parte das vezes, tende também a frear a transformação. Como afirmou Peter Drucker, “a cultura engole a estratégia no café da manhã”. Segundo a pesquisa Top 5 Priorities for CFOs in 2024, realizada pelo Gartner, apenas 35% dos CFOs acreditam que seus times foram capazes de extrair o valor planejado a partir dos investimentos destinados a reduzir o custo da função financeira.
Para garantir o alcance das metas de custo operacional estabelecidas e otimizar (ou até evitar) investimentos para a transformação digital, as empresas têm utilizado a terceirização dos processos financeiros. Em seus contratos de serviço, estabelecem parâmetros aceitáveis de custo, necessidades de inovação, indicadores esperados de qualidade de serviço, prazos de implantação e processo de governança. Na medida em que os contratos sejam de longo prazo, abre-se espaço para que fornecedores de serviços diferenciados consigam aportar investimento em inovação, amortizando-se tais gastos ao longo de todo o ciclo de vida do serviço, em condições de preço diferenciadas.
4 Evolução da força de trabalho de finanças
A força de trabalho na área de finanças tradicionalmente foi composta por profissionais com sólida formação em contabilidade, análise financeira e gestão de investimentos. Essas pessoas se destacavam pela habilidade de lidar com números, interpretar relatórios e garantir a conformidade regulatória. Contudo, à medida que a tecnologia avança e novas ferramentas digitais transformam o cenário empresarial, o perfil dos profissionais de finanças também precisa evoluir.
Hoje, além dos conhecimentos tradicionais, espera-se que esses profissionais dominem tecnologias emergentes, como inteligência artificial, análise de dados e automação de processos. Eles precisam ser capazes não apenas de entender os números, mas também de extrair insights valiosos dos dados e utilizar essas informações para orientar a tomada de decisões estratégicas. Além disso, a capacidade de comunicação e colaboração torna-se cada vez mais importante, na medida em que os profissionais de finanças interagem com outras áreas da empresa para impulsionar a inovação e promover o crescimento sustentável. Em resumo, os CFOs precisam ajudar a trilhar um plano de evolução para sua força de trabalho, com profissionais multidisciplinares que combinem expertise financeira tradicional com habilidades tecnológicas avançadas, tornando-se verdadeiros catalisadores da transformação digital nas organizações.
5 Compliance, compliance e compliance
Por último, e definitivamente não menos importante, os acionistas, o conselho de administração, o CEO e o corpo executivo precisam dormir tranquilos, sabendo que não serão surpreendidos por um problema com potencial de devastar os negócios (do tipo “que ninguém sabia”). O fato é que acontecimentos inesperados, como os “cisnes negros”, podem acontecer. Portanto, ações de mitigação devem ser mapeadas e implementadas para que não se convertam em uma dor de cabeça ou algo pior.
Não é preciso citar referências sobre escândalos; a história recente está cheia de exemplos. Para evitar fazer parte dela, existem as políticas corporativas, regras, normas e controles, que possibilitam maior transparência, responsabilidade e honestidade na relação com clientes, parceiros, acionistas, governo e órgãos regulatórios. Fortalecer o compliance e a gestão de riscos deve ser uma prioridade para os CFOs, que precisam estabelecer a conformidade regulatória e gerenciar os riscos em suas empresas.
Cada setor de indústria opera sob regras específicas, e o compliance regulatório habilita ou não a organização a operar. Estar atento ao risco regulatório é responsabilidade do CFO em grande parte das organizações. A ausência de uma diligência efetiva pode ocasionar multas, sanções e perda de licenças, entre outras penalidades.
O compliance tributário e fiscal é crucial para as empresas evitarem problemas legais e financeiros. Não é exagero considerar o sistema tributário brasileiro como o mais complexo do mundo. Além de complexo, muda a cada dia e será amplamente transformado a partir da recém-aprovada reforma tributária. Cabe à função financeira manter um controle rigoroso de suas obrigações, gestão de recolhimentos e de créditos, impedindo procedimentos indevidos que possam gerar exposição fiscal.
A pauta ESG ganha mais força a cada ano e traz um desafio relacionado à possibilidade de danos ambientais ou impactos negativos ao bem-estar da sociedade decorrentes da operação da empresa. Com relação a esse tema, cabe uma boa conexão com as áreas operacionais da organização, visando à utilização de novas tecnologias para o cumprimento das metas de sustentabilidade.
Ainda que a responsabilidade por cibersegurança esteja em muitas situações atribuída à área de tecnologia da informação, cabe ao CFO adequar o nível de investimento para evitar fraudes, aumentar a proteção de dados confidenciais e prevenção de ataques cibernéticos, com base em boa metodologia de avaliação de risco e impacto.
Por fim, muita atenção deve ser dada a licitações de grande vulto, em especial quando relacionadas a entidades públicas ou estatais. A Lei Anticorrupção de 2013 responsabiliza pessoas jurídicas por atos de corrupção praticados em seu interesse. Programas de integridade e de compliance podem reduzir o risco de sanções, e grandes licitações inclusive exigem a adoção de tais programas.
Em síntese…