LOGÍSTICA 14 min de leitura

Cainiao: entenda a “agilidade chinesa”

Se articular estabilidade e dinamismo nos ensina a ser ágeis, os três anos de atuação do braço logístico do Alibaba Group no Brasil mostram o caminho para isso em um e-commerce feito de pequenos volumes – em que o porte estabiliza e as melhorias incrementais mais tecnologia dinamizam

WILLIAM TANG E SANDRA REGINA DA SILVA
13 de novembro de 2024
Cainiao: entenda a “agilidade chinesa”
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Todo consumidor brasileiro conhece o AliExpress. Todo gestor brasileiro conhece o Alibaba Group, dono da AliExpress. Mas poucos entre nossos consumidores e gestores costumam reconhecer a Cainiao, a empresa de logística do Alibaba Group que poderia ilustrar o verbete de agilidade chinesa no dicionário da nova economia.

Estudo da McKinsey mostrou que organizações verdadeiramente ágeis são as que aprendem a ser estáveis (resilientes, confiáveis e eficientes) e dinâmicas (rápidas, ágeis e adaptáveis) ao mesmo tempo. Como a McKinsey ensinou – e a liderança do Alibaba Group, a começar pelo próprio cofundador Jack Ma, descobriu cedo –, para dominar o paradoxo entre estabilidade e dinamismo, as empresas devem conceber, de um lado, estruturas, mecanismos de governança e processos com um conjunto relativamente imutável de elementos centrais fixos – o equivalente a uma espinha dorsal. E, ao mesmo tempo, “devem criar elementos mais flexíveis e dinâmicos que possam ser rapidamente adaptados a novos desafios e oportunidades”.

Observar como uma empresa se comporta em termos de agilidade fora da matriz é uma espécie de teste de estresse sobre se ela consegue ser ágil independentemente do contexto. Sendo assim, neste artigo, analisamos a operação da Cainiao no Brasil, um mercado que é cada vez mais importante para os negócios chineses.


O BRASIL NO CONTEXTO “CHU HAI”

A China vem apostando na expansão em outros países. Nas últimas quatro décadas, a integração daquele país à economia internacional e a cadeias de fornecimento globais foi o motor de um robusto crescimento do PIB. Do ponto de vista geopolítico, fortalecer laços comerciais e de investimento (como acontece com o Brasil) levou a China a expandir seu poder econômico em sua queda de braço com os Estados Unidos.

Hoje, com o mercado interno chinês crescendo em ritmo menos acelerado do que no passado e sob a sombra de uma crise no setor imobiliário, a expansão do comércio eletrônico transnacional se tornou um pilar de expansão em um campo onde o país é líder global – o fenômeno é conhecido como “chu hai“, que significa “tornar-se global” e abrange tudo, desde as plataformas de vídeo FlexTV e ReelShort aos sites de compras online.

Em 2023, o volume de importação e exportação do comércio eletrônico transnacional da China cresceu 15,6%, estimulado por iniciativas do governo chinês para promover um ambiente favorável ao e-commerce em outros países.

Um desses parceiros é o Brasil. Tanto o Alibaba Group como outras empresas chinesas incluem o Brasil em seus mais altos níveis de prioridade estratégica. Um dos motivos é que, entre os países que formam o bloco BRICS, a Rússia está em guerra; a Índia, apesar de a população ser a maior atualmente, tem uma rivalidade com a China; e a África do Sul está em um continente onde é difícil entregar rápido. Ou seja, o Brasil é um dos mercados emergentes que mais se mostram um parceiro confiável e viável para as organizações chinesas. Veremos cada vez mais empresas e marcas chinesas vendendo seus produtos e serviços aqui.

Nessa estratégia, uma das apostas do Alibaba no Brasil é a Cainiao, que há três anos abriu uma unidade de negócios no País, com a missão de avaliar a experiência do cliente em detalhes, todo o processo logístico para propor melhorias que resultassem na redução de prazo de entrega e de custo, especialmente no transporte crossborder da China para o Brasil.

Essa decisão significa muito. Em outros países, a Cainiao costuma adotar o que chamam de “modelo overseas”, no qual os gestores ficam em território chinês e buscam parceiros em outros países fazendo a gestão deles a distância. No Brasil, a decisão foi pela gestão local. Resultado? Se em 2021 um consumidor esperava 40 dias para receber um pacote em casa, com a presença local da Cainiao esse prazo caiu para até quatro dias. Uma impressionante redução de dez vezes.

ESTABILIDADE À MODA CHINESA

A Cainiao é considerada hoje a maior empresa de logística do mundo em comércio eletrônico transnacional. A escala de suas operações é, em si, um fator de estabilidade. (Assim como o é para outras empresas chinesas.)

Primeiro, a Cainiao presta serviços às empresas do grupo Alibaba, cujo gigantismo é bem conhecido: no ano fiscal encerrado em 31 de março de 2024, sua receita foi o equivalente a US$ 30,7 bilhões, um crescimento de 7% sobre o ano anterior, e o Ebtida foi de US$ 3,32 bilhões. (A redução de 5% do Ebitda em relação ao do ano anterior tem uma boa causa: ela se atribui principalmente ao aumento dos investimentos nos negócios de comércio eletrônico e aos incentivos de retenção concedidos a funcionários da Cainiao.)

Segundo, atende também clientes externos, em especial diversas plataformas de e-commerce D2C, e que fabricantes vendem diretamente ao consumidor final.

O porte da Cainiao e do Alibaba Group certamente facilitou que, em 2023, a Cainiao assinasse um acordo de cooperação estratégica com os Correios, durante a visita do presidente do Brasil à China. Foi a primeira vez que a logística entrou em um documento como esse, assinado entre os dois países. Esse acordo foca cooperação em áreas como carga aérea global, infraestrutura logística local e tecnologia de logística digital, além de fortalecer a construção de redes de entrega expressa no Brasil, otimizando em conjunto os serviços logísticos de importação e exportação.

Também é o porte que faz a Cainiao ter contratos de longo prazo com empresas de carga para atender a 220 países – há oito aviões cargueiros por semana que trazem produtos separados nos sorting centers globais da Cainiao só para o Brasil.

DINAMISMO À MODA CHINESA

O braço do dinamismo na agilidade das empresas chinesas tem muito a ver com duas capacidades: de melhoria contínua incremental e desenvolvimento de tecnologia. E com a Cainiao, não é diferente.

Se as tradicionais transportadoras B2B podem pagar US$ 40, por exemplo, para liberar uma carga no aeroporto, pois tais cargas são consolidadas com alto valor declarado, isso não cabe no modelo de negócio B2C da Cainiao, em que os clientes são pessoas físicas em busca de uma boa relação custo-benefício. Nossa logística tem de ser muito automatizada e eficiente para reduzir os gastos com manuseio.

Foi o princípio das melhorias incrementais que fez o tempo de entrega de encomendas vindas da China ser reduzido de 40 para 15 dias em um primeiro momento, o que dobrou o volume de vendas da AliExpress no Brasil e, agora, com um prazo ainda mais reduzido (com produtos chegando até em quatro dias) gera a expectativa de um novo salto nas vendas. E também foram as melhorias incrementais que permitiram ao fabricante nacional ser competitivo com o chinês.

No caso do comércio transfronteiras, uma mudança incremental evidente veio da parceria com os Correios. Antes, os produtos chegavam no aeroporto de Guarulhos (SP), iam então a Curitiba (PR) e de lá eram entregues aos consumidores. Isso roubava agilidade. Agora, a operação tem quatro centros internacionais para cobrir todas as cidades do País em parceria com os Correios.

Outra mudança importante foi de pessoal. Faltavam no Brasil profissionais experientes para cuidar de detalhes como a carga que vinha da origem sem a segregação e identificação necessárias tanto física como documentalmente para o rápido desembaraço e manuseio rumo ao destino correto. A melhoria nesse caso foi montar uma equipe experiente em logística do aeroporto e última milha brasileira para observar a operação diretamente em todas as etapas, entendendo com os parceiros e a base operacional o que torna a rotina de trabalho do operador mais produtivo, realizando melhorias desde a origem nas operações da Cainiao com automações e tecnologias, e mapeando onde os compradores brasileiros estavam geograficamente.

Um conjunto de melhorias incrementais extremamente importante foi o que visou reduzir o valor do frete de pacotes pequenos. Isso requereu a revisão de custos e otimização em toda a cadeia. Havia produtos que antes custavam menos do que seu frete – como um brinco ou uma capinha de celular de US$ 5. Isso só foi possível graças a ações incrementais para reduzir o preço do frete em 45% e sempre trabalhando sem perder a velocidade de entrega, qualidade e experiência do cliente com o rastreio.

Para otimizar o processo, a Cainiao teve de entender a fundo a malha do operador logístico e propor melhorias como eliminar manuseios desnecessários e aprimorar as etiquetas dos lojistas para que o produto chegasse de modo mais organizado, reduzindo em um ou dois dias o manuseio da carga. A partir daí, foi possível negociar uma redução de preço com os operadores.

Também houve a melhoria da otimização na última milha, com redução de custos ao aproveitar melhor os percursos dos parceiros. Importante: para diminuir esses valores, nossa estratégia não foi nem é barganhar preço. Sabemos que não adianta apenas pedir a tabela de frete mais barata. Temos planos de ações para melhorar o fluxo operacional, como pré-separar a carga em sorters da Cainiao para reduzir etapas no parceiro que irá coletar, e também aumentar as vendas, o volume e, assim, reduzir custos.

Tudo isso beneficiou não só os produtos vindos da China, mas também a malha de parceiros gerenciada pela Cainiao também para distribuição de produtos nacionais.

TECNOLOGIA, TECNOLOGIA, TECNOLOGIA

Logística sem tecnologia, sem dados e sem inteligência artificial não faz sentido no mundo de hoje. Sem isso, é um modelo de redução de custo espremendo o fornecedor, buscando aluguel de infraestrutura barato e esperando ter qualidade operacional dependendo só de colaborador.

É com uma logística automatizada e robotizada que a Cainiao tem conseguido reduzir custos para grandes operações de e-commerce, B2B e diversas indústrias.

No Brasil usamos um sistema de IA que planeja a melhor malha de entrega com base nos dados do que está ocorrendo no País; um sistema de gestão com capacidade de dividir o fluxo de ponta a ponta com detalhes das quantidades de pacotes por voo e destino que possibilita acompanhar e aprimorar o fluxo em cada etapa depois que o voo aterrissa no solo brasileiro; RFID nas etiquetas automatizando e reduzindo processos no fluxo de manuseio; separação dos objetos com sorters sem intervenção manual; e operação 100% digitalizada com coletores de dados PDA desenvolvidos pela Cainiao.

Não há dúvida de que a grande capacidade de desenvolvimento tecnológico da Cainiao foi o que atraiu os Correios para a possibilidade de colaboração, promovendo as inovações logísticas e tecnologias que utiliza em diversos mercados globais, o que coloca no horizonte a adoção de soluções como smart lockers, esteiras automáticas de separação de carga e o uso de RFID (identificação por radiofrequência), entre outras.

Por exemplo, na China, a Cainiao já usa 300 robôs na última milha das entregas há dois anos. O drone pode até parecer sexy, mas tem uma limitação de autonomia e não consegue carregar muito peso, só consegue levar um pacote por vez, e não muito longe. Com o robô de entrega, destravamos outras oportunidades de consumidores e novos modelos de negócio para a sociedade, já que ele atua 24 horas por dia, 7 dias por semana, como condução autônoma e entrega no dia e horário que os clientes desejam. Ele já se provou como um modelo de negócios positivo do ponto de vista financeiro.

O uso desse tipo de robô é mais indicado para lugares fechados, com baixa circulação de veículos – como exemplo em campi universitários e condomínios residenciais. No Brasil, estamos fazendo um estudo de viabilidade, considerando as particularidades do Brasil. Temos também mais dois tipos de veículo autônomo em estudo na China: um deles roda dentro das cidades, e o outro, em estradas. O da estrada é o mais fácil para o algoritmo. O da cidade é mais complexo, porque há buracos, árvores, pessoas cruzando.

Outra inovação que está em fase de estudo no Brasil são os smart lockers, armários inteligentes, através dos quais os compradores têm mais uma possibilidade de local de entrega que não seja a sua casa, e os entregadores podem deixar a mercadoria sem ter contato com os clientes. O cliente abre a porta com um simples código ou QR code recebido com o pedido.

Na China já existe 1 milhão de smart lockers em uso, dos quais metade é da Cainiao. No mercado brasileiro, eles podem ser uma alternativa interessante para entregas em condomínios, para agilizar o trabalho de entregadores, que às vezes esperam muito tempo na portaria para receber autorização para entrar. O smart locker funcionaria bem – ele pode armazenar um pacote por até três dias dependendo do acordo com o marketplace.

A tecnologia está presente também nas operações de fulfillment B2C da Cainiao. Um exemplo é o sistema em que robôs trazem os produtos de acordo com os pedidos do e-commerce e os levam até os funcionários da separação (em logística chamado de mercadoria-para-pessoa, ou good-to-person), aumentando a produtividade, reduzindo pela metade o custo de separação de carga e trazendo mais satisfação dos colaboradores, especialmente em relação à ergonomia.

A Cainiao também tem sistemas em que a IA está incorporada para prever demanda e alocação de estoque dentro das fábricas vendedoras com milhares de SKUs, inclusive em operações da categoria FMCG (sigla em inglês para bens de consumo de giro rápido), o que otimiza o nível de estoque e reduz o custo da logística entre 12% e 19%.

ACRESCENDO AINDA MAIS DINAMISMO

Em apenas três anos, acreditamos que a Cainiao vem conseguindo mostrar a agilidade chinesa aos brasileiros com um crescimento constante. Mas não é só isso. Colocar na mesa possibilidades de exportação tanto quanto importação é algo que dá um dinamismo extra à Cainiao. O Alibaba fez um estudo com agências do governo brasileiro para a identificação dos tipos de produtos nacionais mais atraentes para o mercado chinês.

A entrada nesse mercado pode ser facilitada pela maior plataforma de e-commerce da China, o TMALL Global (do Alibaba Group), que se encarrega de todo o processo: os produtos podem ser enviados com rótulo em português, não é preciso abrir CNPJ na China, as certificações da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) são aceitas naquele país e o depósito pela compra é feito em reais, na conta existente no Brasil.

Quase podemos dizer que a agilidade chinesa ainda nem começou; há muito movimento à vista.

Sobre a Cainiao e a estrutura do Alibaba

A Cainiao, fundada em 2013, é a organização dedicada à operação logística do grupo Alibaba, com a missão de entregar pedidos em 24 horas na China e em 72 horas em outros países. Para isso, a empresa constrói e opera cadeias logísticas com parceiros também fora do território chinês, oferecendo serviços e soluções para gerenciar a cadeia de fornecimento e atender, em grande escala, às necessidades de comerciantes e consumidores.

Em uma década de operação, a Cainiao se estabeleceu como líder global em logística de comércio eletrônico, e tem como meta viabilizar a participação de pequenas e médias empresas de todo o mundo no e-commerce internacional. Na China, a organização também é a maior fornecedora de soluções de logística reversa.

A empresa faz parte do Alibaba Group, criado em 1990 na China, que hoje é formado por cerca de 40 empresas, divididas em seis frentes:

– Cloud Intelligence Group. – Taobao e Tmall Group. – Local Services Group. – Alibaba International Digital Commerce Group. – Cainiao Smart Logistics Network Limited. – Digital Media and Entertainment Group.

Essas frentes trabalham juntas, mas em verticais diferentes – e cada uma tem sua plataforma e seu CEO, na estratégia de descentralização desenhada pelo cofundador e presidente executivo do grupo, Jack Ma. As seis estão livres para apoiar o grupo e também desbravar o mercado fora dele.

A maior frente é o e-commerce, com o AliExpress (plataforma de venda de produtos chineses para o mercado internacional) e os negócios que atendem a cerca de 50% do mercado chinês (como o Taobao e TMALL). Para dar um exemplo de como as frentes atuam em conjunto, aqui os brasileiros compram no AliExpress, pagam pelo AliPay, seus dados passam pelo Alibaba Cloud e a entrega é feita pela Cainiao.

Principais takeaways

O Brasil está entre os países prioritários para o Alibaba Group, e também para outras empresas chinesas.

Uma estrutura robusta, com a governança e os processos bem delineados e eficientes, é suporte-chave para promover estabilidade a uma empresa de logística ágil.

Agilidade também pressupõe dinamismo a uma empresa, em que os relacionamentos com todos os stakeholders e a busca constante por inovações devem estar sempre no radar.

O sucesso na seara do e-commerce está intimamente ligado à redução do prazo de entrega e ao custo de frete, sem deixar de lado a qualidade do serviço prestado.

WILLIAM TANG E SANDRA REGINA DA SILVA
William Tang é diretor de operações Brasil da Cainiao Network, o braço logístico do grupo; Sandra Regina da Silva é jornalista com especialização em negócios e gestão e tem mais de 30 anos de experiência.

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