Como a oferta interna de energia elétrica predominantemente limpa e renovável de 645,9 TWh (2020), a infraestrutura existente, os recursos energéticos e as novas tecnologias podem tornar o Brasil globalmente competitivo na economia de baixo carbono
Podemos sentir orgulho, não há dúvida, de nossa matriz elétrica ser a mais limpa e sustentável dentre as maiores economias do mundo – quase 85% (84,8%) da nossa oferta interna de energia elétrica têm origem renovável, segundo dados do Balanço Energético Nacional de 2020, enquanto a média mundial é de menos de 25%. Porém, nossa forte dependência da hidreletricidade, responsável por cerca de dois terços da energia ofertada, pode nos fazer duvidar da segurança energética do sistema e dos custos a ela associados, em períodos escassez hídrica. Esse conflito não deve, porém, nos desviar a atenção das oportunidades que se apresentam: com os recursos energéticos e o desenvolvimento tecnológico e industrial de que dispomos, podemos de fato estar entre os líderes mundiais da economia de baixo carbono e gerar desenvolvimento nas várias regiões do País.
Para compreender isso é preciso, primeiramente, entender como o sistema elétrico funciona. Os empreendimentos de geração estão conectados por uma rede de alta tensão de dimensões continentais que percorre todo o País – o Sistema Interligado Nacional (SIN), que nos permite aproveitar melhor os recursos energéticos, ter ganhos de escala e sinergias, e compensar superávits e déficits regionais. Todas as capitais estaduais e o Distrito Federal estão conectadas ao SIN, exceto Boa Vista (RR).
A energia hidrelétrica, fonte limpa, renovável, despachável e de baixo custo, é o maior destaque da nossa matriz. Está presente no País há mais de 120 anos e já houve época em que respondeu pela quase totalidade da capacidade de geração de energia elétrica por aqui.
Historicamente, a geração hidrelétrica tem sido complementada por termelétricas (sistema hidrotérmico) de origem nuclear, fóssil e de biomassa – a última, oriunda principalmente da indústria da cana-de-açúcar. A previsibilidade do despacho dessas fontes e do regime hidrológico associado à gestão da capacidade de seus reservatórios têm permitido a operação segura e confiável do sistema. Mais recentemente, os aproveitamentos eólicos (há menos de 20 anos) e solares (há cinco anos) começaram a ter participação relevante na matriz elétrica, trazendo consigo um novo desafio: a operação de um dos maiores sistema elétricos do mundo com participação de empreendimentos de perfil de geração variável.
No início dos anos 2000, o governo federal passou a adotar a diretriz estratégica de construir grandes hidrelétricas sem reservatório, tendo como justificativa a preservação das condições socioambientais do entorno dos empreendimentos, uma vez que a construção de reservatórios poderia impactar biomas sensíveis e exigir a realocação de comunidades ribeirinhas.
Essa decisão retirou o atributo de despachabilidade das novas grandes centrais hidrelétricas, impondo à operação riscos associados à sazonalidade da disponibilização de grandes blocos de energia no sistema. Perde-se com essa decisão a possibilidade de as hidrelétricas regularizarem a geração de fontes de perfil variável (eólica e solar) ou sazonal (biomassa) – e também de atenderem a necessidades ocasionais do lado da demanda.
Apagões e resiliência. A escassez hídrica é um fenômeno natural cíclico e razoavelmente previsível. Ocorre regularmente todos os anos e mais severamente de tempos em tempos. O Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) leva isso em consideração no planejamento da operação. O regime de chuvas nas cabeceiras dos rios onde estão localizadas as principais usinas hidrelétricas e seus reservatórios, por exemplo, é bastante bem definido. O volume de água armazenado nesses reservatórios no período compreendido entre os cinco meses de dezembro a abril, conhecido como período úmido, normalmente basta para operar o sistema elétrico nos sete meses do período seco, de maio a novembro.
Entretanto, nos últimos anos, temos enfrentado fenômenos meteorológicos adversos que agravaram a situação esperada para esse período. Isso obriga o ONS a realizar o despacho de energia termelétrica acima do previsto para preservar água nos reservatórios, com fins energéticos e não energéticos – para consumo humano, industrial e agropecuário.
Em 2001, enfrentamos uma grave crise hídrica e, devido a uma conjunção de eventos, houve o primeiro “apagão” da história recente – “apagão” foi como ficou conhecido o desequilíbrio entre a capacidade de oferta de energia elétrica e a necessidade de consumo. Não apenas o regime de chuvas se mostrou muito abaixo do esperado para o período, e a participação da hidreletricidade na matriz elétrica era de quase 90%, como também o País passava por uma transição do modelo energético estatal para o modelo privado, no âmbito das reformas dos setores elétrico, de petróleo e gás natural, e havia uma perspectiva de crescimento do PIB de 4,2%, repetindo o desempenho de 2000. Esse desequilíbrio gerou um risco de descontinuidade prolongada na oferta e levando o governo federal a tomar uma série de medidas visando ao racionamento de 20% de eletricidade de junho a novembro daquele ano, particularmente nas regiões Sudeste, Centro-Oeste e Nordeste.
Em 2002, no dia 21 de janeiro, um blecaute na região Centro-Sul, causado pelo rompimento de um cabo entre a Usina Hidrelétrica de Ilha Solteira e a cidade de Araraquara, em São Paulo, deixou o Distrito Federal e dez estados brasileiros sem energia elétrica por algumas horas. Tal evento não teve qualquer relação causal com a falta de água e o racionamento ainda em vigor no País, mas foi muitas vezes erroneamente associado a tais fatos e criou um injustificado clima de insegurança.
Hoje, a probabilidade de blecautes por indisponibilidade de oferta de energia elétrica é baixa, mesmo que estejamos enfrentando a pior crise hídrica dos últimos 91 anos. Diferentemente do que ocorreu nos anos de 2001 e 2002, o modelo do setor elétrico está consolidado e, apesar de carecer de melhorias, apresenta segurança regulatória e jurídica para garantir os investimentos planejados para o atendimento à demanda. Como a dependência da hidreletricidade é consideravelmente menor (caiu de quase 90% para cerca de 63%), a disponibilidade de linhas de transmissão e de empreendimentos termelétricos é maior, e como a economia apresenta sinais de estagnação devido à pandemia, o temor dos efeitos da escassez hídrica atual tem pouco fundamento – ainda que tudo isso tenha um importante reflexo no custo da energia.
É importante observar que, para assegurar a resiliência do sistema e a modicidade dos custos, várias ações começam a ser empreendidas, tanto do lado da oferta quanto do da demanda.
Do lado da oferta, considerando que nosso modelo de geração elétrica é baseado em fontes não despacháveis (solar e eólica), sazonais (biomassa e hidrelétricas sem reservatório) e suscetíveis ao regime pluviométrico (hidrelétrica com reservatório), os investimentos têm avançado na direção de conjugar essa geração com a de empreendimentos despacháveis (armazenamento de energia e termelétricas), bem como de expandir e modernizar a infraestrutura e a operação de transmissão e distribuição de energia.
Outro movimento importante no lado da oferta é o dos recursos energéticos distribuídos. Nesse caso, a geração e o armazenamento de energia elétrica são localizados nas unidades consumidoras ou próximo a elas. Isso não só leva à redução de perdas no transporte, mas principalmente aumenta a resiliência do sistema e viabiliza novos modelos de negócio, como o de “energia como serviço”.
Do lado da demanda, a eficiência e a gestão energética vão, cada vez mais, fazer parte da rotina das empresas e das pessoas, contribuindo para a disponibilidade da energia para todos frente a cenários de eventual escassez e para mantê-la em níveis mais baratos e sustentáveis.
Nossos recursos energéticos são renováveis, abundantes e de baixo custo. Mais ainda, os melhores recursos solares e eólicos do País estão localizados justamente em regiões de menores índices de desenvolvimento humano (IDH), o que proporciona uma oportunidade única de conjugar ganhos econômicos, sociais e ambientais. Por ser barata, a energia renovável de que dispomos pode contribuir com a competitividade da indústria nacional e ajudar a limpar nossa pegada de carbono, como definido nas estratégias ESG das grandes corporações mundiais. Vejamos as principais:
Biomassa. A maior parte da biomassa energética utilizada no Brasil vem da indústria sucroalcooleira. Quando o bioetanol é produzido, uma quantidade considerável de bagaço de cana é disponibilizada, permitindo seu aproveitamento em centrais termelétricas com custo de combustível virtualmente zero. A gaseificação da biomassa, seja do bagaço de cana ou de resíduos sólidos urbanos, produz um gás que pode ser utilizado em motores e turbinas para geração de energia ou reformado cataliticamente na produção de biocombustíveis sintéticos, que têm grande mercado no exterior.
Vale observar que o bioetanol é um candidato a “vetor” de transporte de hidrogênio, pois tem uma logística já estabelecida que é barata e segura. (O bioetanol é rico em hidrogênio.)
Biogás. O Brasil é um dos países com maior potencial de produção de biogás no planeta, com capacidade para alcançar 120 milhões de metros cúbicos por dia apenas com o aproveitamento de resíduos e coprodutos de baixo valor agregado da indústria nacional. Se fizermos o redesenho de atividades agropecuárias e industriais e o plantio de culturas agrícolas específicas para essa finalidade, nosso potencial de produção de biogás fica virtualmente ilimitado – supriria, por exemplo, todo o consumo de energia elétrica do Brasil em 2020, segundo o Balanço Energético Nacional (BEN).
Obtido a partir da fermentação anaeróbia (sem a presença de oxigênio) de matéria orgânica – esta, proveniente da indústria, de resíduos sólidos urbanos e do saneamento ambiental –, o biogás pode ser produzido em diferentes escalas em todo o território nacional. As características de clima e temperatura e a abundância de biomassa fazem do Brasil um lugar ideal para a produção do biogás a custos reduzidos. O biogás pode ser utilizado diretamente para a geração de energia em motogeradores ou, então, purificado para substituir o gás natural em suas diferentes aplicações.
Solar. Considerando a irradiação solar média no Brasil, bastaria que utilizássemos o potencial de geração de energia solar incidente em menos de 2% dos 8,5 milhões de quilômetros quadrados do território nacional para que toda a energia consumida no País em 2020 viesse só dessa fonte.
É importante ressaltar que a simples disponibilização dessa energia não seria suficiente para atender à demanda, uma vez que ela estaria disponível somente durante o dia. Para que essa energia pudesse atender à carga de maneira adequada, seria necessária a utilização de mecanismos de transporte, armazenamento e despacho de energia.
A tecnologia de geração distribuída que têm ganhado mais espaço na matriz energética dos países é fotovoltaica.
Eólica. Os empreendimentos de geração de energia eólica no Brasil têm o maior fator de capacidade do mundo – em média, 40,7%, ante menos de 25% da média mundial. (Fator de capacidade é a energia gerada durante determinado período dividida pela energia máxima possível de ser gerada no mesmo período.) Esse fato por si só, associado ao regime de ventos com velocidade constante e sem rajadas expressivas on-shore e off-shore, reduz a necessidade de robustez das estruturas envolvidas nos parques, reduzindo custos e riscos operacionais. Somado à existência de uma indústria nacional consolidada e de grandes áreas onde a geração pode conviver com outras atividades econômicas, isso faz da energia eólica brasileira uma das mais baratas e eficientes do mundo.
Vale destacar ainda que no Brasil, especialmente na região Nordeste, as fontes solar e eólica têm perfis de geração complementares (solar de dia, eólica à noite), o que permite a otimização do sistema de transporte (transformadores, linhas de transmissão e distribuição).
A descarbonização, a digitalização e a descentralização estão no centro da transformação energética mundial. O desenvolvimento tecnológico e industrial para tal transformação já existe no Brasil e pode não apenas contribuir para a redução das emissões mundiais de carbono como também gerar riqueza, emprego e renda nas diversas regiões do País. Vejamos os principais desenvolvimentos: Hidrogênio verde. Produzido de modo sustentável e de fontes de energia renovável, contrapõe-se ao chamado hidrogênio cinza (produzido a partir de fontes fósseis) e ao hidrogênio azul (produzido a partir de fontes fósseis, mas com captura do carbono emitido) como vetor energético mais promissor para a viabilização da transição energética mundial. O Hydrogen Council, iniciativa que reúne CEOs de 92 empresas globais, estima que o hidrogênio verde será responsável por cerca de 20% de toda a demanda de energia no mundo até 2050, criando um mercado avaliado em US$ 2,5 trilhões.
O hidrogênio é um dos principais insumos da indústria, empregado na indústria alimentícia (alimentos hidrogenados), no agronegócio (fertilizantes), na petroquímica (aprimoramento de combustíveis fósseis), na mineração e siderurgia (redução química de minerais metálicos, soldadura de metais), na tecnologia dos materiais (supercondutividade) e na energia (geração de energia elétrica e combustível nuclear). Atualmente, a maior parte do hidrogênio produzido (cerca de 90%) é gerada a partir da reforma de combustíveis fósseis, como carvão gaseificado, gás natural e petróleo.
Em todo o mundo, o hidrogênio verde é obtido por um processo industrial já bem conhecido, que consiste no uso de eletricidade de fontes renováveis – como eólica, solar e biocombustíveis – para separar o oxigênio e o hidrogênio na molécula de água (eletrólise). No Brasil, devido ao grande potencial de produção de biogás, ele pode também ser produzido a partir da reforma do biometano presente no biogás, tornando-se ainda mais relevante do ponto de vista ambiental. Por ser energointensivo, o hidrogênio verde pode ser encarado como uma forma de exportar energia elétrica para além das fronteiras do grid, abrindo oportunidades que jamais existiram no Brasil.
Pode ainda ser utilizado para fins de armazenamento de energia, com base nos excedentes sazonais dos aproveitamentos de energias renováveis em que a infraestrutura de escoamento da energia gerada ou a demanda local são insuficientes e redirecionando-os para outros mercados. O hidrogênio produzido pode ser, inclusive, destinado à exportação – ou simplesmente guardado para ser utilizado para a geração de energia em momentos de escassez.
Não estamos falando de um futuro distante. A redução dos custos da energia de fontes renováveis e o aprimoramento das tecnologias do processo de eletrólise estão contribuindo para tornar o hidrogênio verde competitivo até 2030, conforme indica o relatório Green Hydrogen Cost Reduction, da Agência Internacional de Energia Renovável (Irena, na sigla em inglês).
O Brasil, com um dos maiores potenciais de geração de energia elétrica renovável e menores custos marginais de produção do mundo, mercado interno relevante, tecnologia e cadeia de fornecimento locais e posição geográfica, tem grandes chances de tornar-se um player global.
Armazenamento. O interesse pelo armazenamento de energia, quer pela produção de hidrogênio, quer em acumuladores químicos (baterias) tem crescido em todo mundo. A indústria nacional detém tecnologia e experiência na fabricação de baterias e sistemas de armazenamento, agnósticos em relação à tecnologia da bateria. As células de alto desempenho com tecnologia chumbo-ácido nacionais têm desempenho superior aos das concorrentes internacionais e já superam a tecnologia de células de íons de lítio (com maior densidade energética) em aplicações estacionárias de armazenamento de energia onde o espaço disponível para a instalação não é uma restrição importante – principalmente no que se refere a custo, vida útil e capacidade de reciclagem (que é de 100%).
As oportunidades de utilização desses sistemas para integração e despacho de fontes energéticas de perfil de geração sazonal ou variável, modulação de carga, backup e serviços ancilares já estão sendo exploradas com sucesso no País por empresas nacionais e têm forte potencial exportador.
Silício. O Brasil detém algumas das maiores reservas mundiais de quartzo, mineral usado para a fabricação do silício (material utilizado na produção de células fotovoltaicas, para energia solar), e está entre os principais produtores e exportadores mundiais de silício grau metalúrgico. Hoje, o silício metalúrgico é purificado no exterior até os graus solar e semicondutor, passando a valer até 500 vezes o preço do silício menos puro exportado. A tecnologia nacional de purificação do silício, em desenvolvimento há mais de uma década pela academia e pela indústria, usa a rota metalúrgica, mais simples e sem os efluentes produzidos pela rota química usada no exterior, e já apresenta resultados comparáveis com seus principais concorrentes internacionais.
A escalada de uso de painéis fotovoltaicos no País, o amadurecimento do processo industrial e a experiência de escassez de painéis fotovoltaicos por conta da pandemia (devido à forte dependência da indústria chinesa) criaram um ambiente promissor para a indústria brasileira. Além de o ciclo de vida da produção nacional ser mais limpo que o chinês, questões geopolíticas podem fazer a indústria solar do Brasil tornar-se competitiva globalmente.
HÁ muitas oportunidades para o brasil ser um dos paÍSES líderes do mercado de energia global; basta que nos organizemos para aproveitá-las. No entanto, três movimentos podem influenciar diretamente nosso panorama energético e merecem atenção. Um é o fato de a Comissão Europeia ter recém-aprovado um projeto que reconceitua o gás natural e a energia nuclear como fontes de energia sustentáveis. O impacto prático sobre nós é a sensível diminuição da pressão para a utilização de hidrogênio verde – uma vez que a necessidade de a Europa consumi-lo fica adiada para 2035 –, levando a uma diminuição no ritmo dos investimentos nesse setor. Vale lembrar que o gás natural e a energia nuclear têm participação expressiva na matriz energética europeia atual e que classificá-las como “verdes” ajuda não apenas a atingir metas de descarbonização mas também a manter um setor econômico poderoso.
Outros dois são a decisão do governo federal de estender a contratação de energia gerada por termelétricas movidas a carvão mineral até 2040, atendendo a uma pressão das regiões produtoras para a manutenção da indústria do carvão e seus empregos, e a conclusão da Usina Nuclear de Angra III. Em valores aproximados, o investimento nessa usina nuclear (mais de R$ 17 bilhões) bastaria para gerar a mesma quantidade de energia de fonte renovável e despachável em usinas híbridas com sistemas de armazenamento. Os dois movimentos reduzem a contratação de fontes renováveis (e, portanto, seus ganhos de escala) no curto prazo e postergam o planejamento da transmissão proativa, que conectaria os aproveitamentos energéticos ao SIN.\
Case furnas: transição para a inovação aberta
Furnas Centrais Elétricas, um dos braços da megaestatal Eletrobras, tem um histórico de inovação em seus 65 anos de trajetória, como os projetos de linhas de transmissão da hidrelétrica de Itaipu, um desafio tecnológico, levando-se em conta o volume de energia a ser transportado. A transformação que vem ocorrendo na companhia desde 2019 tendo a inovação como mola-mestra, no entanto, não tem paralelo com nada que tenha sido feito antes. “Furnas é uma empresa de engenheiros, operacional, com 22 usinas geradoras e cerca de 30 mil quilômetros de linhas de transmissão. Sempre foi uma empresa pesada, em termos de engenharia, de projetos. A ideia foi fazer essa empresa gigante pensar como uma startup”, define o diretor de gestão corporativa e sustentabilidade da companhia, Pedro Brito.
Até 2019, Furnas cumpria o figurino do setor elétrico de investimentos em pesquisa & desenvolvimento (P&D), seguindo a regulamentação do setor, que determina a destinação de parte ínfima para projetos com essa finalidade. Após uma digitalização de processos para eliminar o uso de papel, houve um salto. “Isso resultou em quatro programas e duas olímpiadas de inovação”, diz Brito. Então, foram adotadas iniciativas inéditas para estimular o intraempreendedorismo. E, para uma companhia que até 2017 não havia realizado nenhuma ação envolvendo open innovation, Furnas conta atualmente com dezenas de iniciativas, algumas já operacionais.
Um dos projetos resultantes dos esforços de inovação proporcionou grande otimização nas operações de manutenção de linhas de transmissão. No passado, o monitoramento das linhas era feito com o apoio de helicóptero. Atualmente, o trabalho é executado por drones ou com o suporte de satélites, valendo-se de inteligência artificial e realidade aumentada. Outra novidade foi o desenvolvimento de uma plataforma com blockchain que permite a comercialização de créditos de energia limpa gerados a partir das usinas hidrelétricas da empresa. Furnas é a única empresa brasileira a realizar essa operação com tecnologia própria.
O programa de P&D regulado, por sua vez, passou a incluir chamadas para a atração de startups. Em uma primeira chamada, o objetivo era desenvolver soluções voltadas para lidar com a covid-19, mas a segunda chamada, aberta, já visa soluções operacionais: uma é ligada à operação e manutenção de operações de linhas de transmissão e de projetos de geração a hidrogênio. (Eugênio Melloni)
Paragrafo 2
Novo modelo de negócio aumenta a demanda por energia solar
A energia solar ultrapassou a marca histórica de 13 gigawatts (GW) de potência operacional, de acordo com a Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (Absolar), e a capacidade instalada de sistemas de geração distribuída fotovoltaica pode dobrar de tamanho em 2022. Uma das razões da expansão, além do barateamento do custo, é o novo modelo de negócio praticado no segmento, o EaaS (energia como serviço, na sigla em inglês,). A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) definiu duas formas de os consumidores se organizarem em torno de uma planta geradora para receber o serviços por assinatura: se forem pessoas jurídicas, reúnem-se na forma de consórcio; se forem pessoas físicas, a figura institucional é a da cooperativa. Em geral, um empreendedor do setor lidera ambos.
Paulo Thomazoni, CFO da catarinense AXS Energia, especializada em energia solar por assinatura, explica como isso funciona no B2B: a AXS cuida da construção da usina, contrata os equipamentos e as obras de rede e se responsabiliza pela gestão do fornecimento de energia aos clientes, pela gestão legal e elaboração dos contratos. É constituída uma sociedade de propósito específico (SPE), que compra o gerador fotovoltaico da AXS, celebra os contratos de uso do terreno da usina e de aluguel da usina para o consórcio. A SPE figura no arranjo como consorciada-líder. A SPE aluga a usina e depois celebra o termo de adesão dos clientes, que também integram o consórcio. A SPE também celebra um contrato com a distribuidora da região, que recebe energia dessa usina e a distribui aos consorciados.
Para os consumidores pessoa física, o sistema é semelhante. Normalmente parte de um empreendedor do setor a iniciativa de constituir a cooperativa, reunindo um grupo de consumidores pessoa física. Na prática, esses consumidores também “alugam” uma parte da central fotovoltaica, pagando uma “assinatura”, como funciona para as operadoras de TV a cabo, e têm isso descontado do que pagam à distribuidora. Pessoas físicas e jurídicas podem também instalar painéis fotovoltaicos nos seus telhados – há financiamentos com pagamento em até 72 meses em parcelas com valor muito próximo ao da conta de luz.
Ainda sobre as pessoas jurídicas, algumas empresas também podem pensar em construir centrais fotovoltaicas de maior porte, para suprir seu consumo e fazer do excedente um novo negócio, mas Thomazoni, da AXS, avisa que estas centrais têm muito mais barreiras de entrada, exigindo know-how na área e dedicação. O acesso a capital também não é tão fácil quanto o das pessoas físicas. Segundo o CFO da ASX, os investimentos em projetos de geração fotovoltaica de maior porte costumam depender de 60% de financiamento (por exemplo, com emissão de certificados de recebíveis imobiliários) e 40% de equity (vinda de fundos de infraestrutura de grandes bancos, como BTG e Credit Suisse).
Estrangeiras. O interesse de companhias estrangeiras em investir em modelos de geração distribuída de energia solar e de outras fontes renováveis no Brasil é um termômetro do potencial desse mercado. A startup japonesa Shizen Energy é um desses casos – além do Brasil, investe nas Filipinas, na Indonésia e Malásia, em Taiwan e no Vietnã. Com a primeira usina lançada em 2019 e mais de 40 em construção ou operação, ela se dedica a clientes empresariais dos segmentos de aeroportos, condomínios corporativos e redes varejistas. A GreenYellow, empresa do grupo francês Casino, controlador do Pão de Açúcar, é outra interessada; em novembro último, adquiriu 90% de cinco usinas da Shizen no Distrito Federal. Segundo o gerente da Shizen Energy para o Brasil, Bruno Suzart, o modelos de negócio dessa geração distribuída é muito simples. A Shizen constrói e opera a usina para o cliente, sob um contrato de longo prazo. “Eu compro o risco dos clientes. Pago para erguer o negócio e cobro dele um valor mais barato que a sua conta de eletricidade atual”, diz o gerente. E o cliente fica com a usina para sempre. A usina [em geral] está localizada no parque dele. Não tenho como tirar de lá”, explica. A empresa consumidora tem, além disso, os benefícios de poder ter o crédito de carbono e em reputaçao ESG, como lembra Suzart. (Eugênio Melloni)