A decisão de falar sobre esse assunto permanentemente não cabe às empresas, mas a cada um de nós
“O que você pretende começar a fazer hoje para realmente celebrar o dia da consciência negra em novembro?” Essa era a provocação do Renato Camargo no Linkedin e que eu logo pensei que seria o tema ideal para o artigo que eu escreveria esse mês para falar sobre os ultimos acontecimentos relacionados aos protestos raciais após a morte de George Floyd nos Estados Unidos.
O mundo tem acompanhado a discussão e no Brasil o movimento ganhou ainda mais força, visto que vivemos desafios muito semelhantes aos encontrados pelos americanos, guardando as devidas proporções. Só lembrando que nos Estados Unidos são 13% de afroamericanos na população, enquanto que no Brasil o último dado publicado nos lembra que negros (pretos e pardos) já são mais de 56%.
Como acontece para outros temas, muitas empresas vem se posicionando em redes sociais pois se sentem na obrigação de mostrar boas suas intenções e oferecer solidariedade aos protestos. Mas muitas simplemesmente não sabem o que fazer ou como começar.
E o que colaboradores e sociedade esperam são atitudes reais e compromissos objetivos e claros que realmente promovam mudanças. E as mudanças que geram transformação estrutural são aquelas realizadas também em nivel individual, ou seja, aquelas que cada um de nós pode fazer a diferença e, que somadas, vão mudar o todo.
Compartilho aqui meu ponto de vista (a vista que tenho a partir do ponto em que estou, como aliada branca da causa racial) de ideias que considero serem efetivas na criação dessa nova realidade.
É preto ou negro que fala? Os negros não falam inglês. Negros não estão capacitados. Os currículos de negros não aparecem. Mas eu não tenho nenhum colega negro. Na escola do meu filho não tem negros… Essas e outras frases e pensamentos são muito comuns quando conversamos nos nossos círculos sociais.
É preciso ir além das desculpas prontas e fazer um esforço ativo para criar pontes e conectar-se com pessoas diferentes. Como pessoa, me esforço para “enegrecer” minha rede e tem sido tão divertido e rico ter pessoas novas convivendo com a minha família. Minha filha ter amiguinhos negros cujos pais são executivos ou empresários e não apenas os filhos dos funcionários da escola ou do condomínio, vai ajudá-la a ter novos pontos de vista.
Como empresa, promovemos 10 edições de um projeto chamado Desafiando as Estatísticas, cujo objetivo é aproximar nossa empresa de talentos negros. Outro dia conversando com uma das recrutadoras, de 15 candidatos que estavam em processo seletivo, 8 eram negros e isso simplesmente não acontecia antes desse projeto.
Fale com os negros da sua empresa, ou melhor, ouça os negros da sua empresa. Só quem vive a cultura da sua empresa pode dizer quais são as dores e as alegrias de ser uma pessoa negra dentro de cada organização. E nesses momentos de escuta e troca é que acontece o mais importante: aprendizado e empatia.
Outro dia em um bate papo do nosso grupo racial aqui na Oracle, um colega negro compartilhou que tinha que se arrumar para ir ao supermercado, caso contrário era perseguido pelo segurança que desconfiaria que ele era um ladrão de chocolate ou algo assim.
Ao ouvir isso, o presidente da Oracle que estava na reunião lembrou que dificilmente nossas ações como empresa vão mudar a realidade do supermercado, mas que internamente, vamos construir um ambiente mais justo e de oportunidade iguais para todos.
Conte as poucas caras negras nas reuniões. Observe se as vozes negras tem espaço nas conversas em que as decisões são tomadas. Se isso não está acontecendo, você está perdendo uma grande chance de aproveitar experiências, relacionamentos, perspectivas, insights e idéias dos negros. E o mais importante: você não está fazendo a coisa certa.
Não é para você se martirizar por isso, mas não mudamos aquilo que não medimos, aquilo de que não nos conscientizamos. Dar-se conta do que precisa ser mudado é o que nos impulsiona a promover avanços.
E se você acha que a decisão de falar ou não sobre esse assunto na sua empresa é da sua empresa, sinto muito lhe informar que isso não é verdade. Mais cedo ou mais tarde o assunto vai bater na sua porta e será bem melhor você ter conhecimento e informação para agir da melhor forma. Além disso, eu tenho certeza de que você quer ser uma pessoa melhor, não é mesmo?”