5 min de leitura

A COP, as lentes e o maior dos dilemas

A prestação de contas da Conferência do Clima de Dubai, que começou ontem, vai deixar claro: as coisas estão indo mal no combate ao colapso climático e o dilema principal está longe de ter sido enfrentado. Mas acompanhar a COP pode ser útil para acelerar conscientização e mudanças

Viviane Mansi
30 de julho de 2024
A COP, as lentes e o maior dos dilemas
Este conteúdo pertence à editoria Estratégia e inovação Ver mais conteúdos
Link copiado para a área de transferência!

A Conferência das Partes (ou COP) pelo clima começou no dia 30 de novembro e segue até 12 de dezembro. O público esperado (70 mil pessoas) é o dobro do ano anterior, quando o evento aconteceu no Egito, o que demonstra sua importância crescente. (E a delegação brasileira também é bem maior.)

Se no passado era um evento mais fechado a negociadores de mais de 190 países, cada vez mais envolve cientistas, pesquisadores, empresas e sociedade civil. Os eventos paralelos ganham destaque e aquecem as discussões daquilo que nos tocará no futuro.

Acho que ninguém mais tem dúvida da seriedade dos eventos climáticos, cada vez mais extremos. Sentimos aqui no Brasil uma onda de calor sem precedentes, num momento em que a temperatura média superou 2 graus Celsius no mundo todo – acima das previsões de que deveríamos trabalhar conjuntamente para que o aumento de temperatura não ultrapassasse o 1,5oC em relação aos níveis pré-industriais (1850-1900).

Entre os temas que devem ter tratados este ano, é o resultado do “global stocktake”, ou seja, uma avaliação de como temos evoluído na contenção das mudanças climáticas. O problema é que a notícia não é boa: estamos falhando um bocado, pra não dizer miseravelmente. Não significa que não haja esforços, mas o problema é bem complexo, pois praticamente tudo que fazemos emite carbono – tudo que produzimos (como plástico, aço, cimento), a energia que usamos para tudo que colocamos na tomada, o processo de plantar e criar coisas, nosso deslocamento e manter coisas quentes e frias – aliás, por curiosidade, o volume de emissões em nessa ordem, com exceção ao particular caso brasileiro, que pode ser tema de outro artigo.

Ver todos os dados juntos, debater sobre e planejar formas de lidar com o tema são três ações fundamentais ao acompanhar o noticiário da COP. Até porque, se os impactos alcançavam apenas pessoas mais vulneráveis, agora o problema foi bem mais democratizado.

Do ponto de vista das empresas, que buscam previsibilidade para se planejarem melhor, a coisa não está fácil. Eu recomendaria uma bela revisão no mapa de riscos e, claro, das contramedidas necessárias. Cuidado extra também com estoques, que podem ser levados ou danificados por chuvas torrenciais mais frequentes, ou com a queda de produtividade dos empregados, que faltam mais para lidar com problemas decorrentes de eventos não-planejados ou que trabalham com menor produtividade por causa de um calor saariano.

E o que dizer do custo de alimentação? Nosso país tropical, abençoado por deus, começa a ser impactado por estações do ano bagunçadas, que interferem diretamente na colheita. E o preço da energia? Batemos outro recorde em novembro, atingindo pela primeira vez, na segunda-feira (13) o patamar de mais de 100 megawatts de demanda instantânea no Sistema Interligado Nacional de energia. Viva o ar-condicionado – ou não.

Voltando à COP, seus debates servem para ajudar a comunidade executiva a ajustar a lente para novas demandas que precisam fazer parte do planejamento empresarial, porque seremos fortemente cobrados por isso, seja por meio de novas regulamentações, pelo custo de operação ou pela licença social para operar.

O dilema principal, mais profundo, também deve ficar mais ostensivo (e incômodo) a cada dia que passa: trata-se de como mudar o outro sem mudar a nós mesmos. As decisões corporativas vêm do peso da caneta que nobres cidadãos e cidadãs que pouco querem perder o conforto que lutaram para obter. A crítica mais tradicional das COPs anteriores é a quantidade de emissão de carbono dos jatinhos que levam executivos para o evento, por exemplo…

Estamos mesmo preparados para este momento paradigmático da nossa história, em que precisamos de decisões que realmente mudem a forma como fazemos as coisas? Oxfam divulgou também em novembro que o 1% mais rico do mundo emite tanto carbono quanto dois terços mais pobres.

Dito (apenas) isso, como cuidaremos do nosso quintal? No fundo, essa é a maior reflexão que toda COP nos traz, essa especialmente pelo stocktake. E você nem precisa ir para Dubai passar calor, fome (mentira, isso foi só no Egito) e estresse para isso.

Não esperemos o outro fazer algo pra gente começar também, pois não há tempo para isso. A conta, não importa o tamanho que seja, será repartida por todos.

Viviane Mansi
Viviane Mansi é executiva, conselheira e professora. Ocupou a direção da área de sustentabilidade mais recentemente na Toyota do Brasil, bem como a presidência da Fundação Toyota.

Deixe um comentário

Você atualizou a sua lista de conteúdos favoritos. Ver conteúdos
aqui