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Admirável impacto novo!

Valor compartilhado ainda é mais fumaça do que fogo no Brasil. E isso tem explicação: o impacto social ainda é muito visto como uma oportunidade de negócios, não como um pilar da sustentabilidade

João Souza
29 de julho de 2024
Admirável impacto novo!
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“Feliz mundo velho, adeus mundo novo… Que tudo se realize no impacto que vai nascer! Muito dinheiro no bolso, desigualdades, pobreza e novos mercados para dar e vender!”

No meu primeiro artigo aqui na coluna eu falei sobre a “corrida do ouro do bem’, e essa provocação serviu para mim também. Comecei a refletir sobre algumas mudanças que venho acompanhando no ecossistema que move o mercado de impacto aqui no Brasil.

Há pouco, fui convidado a participar da Aliança pelo Impacto, uma iniciativa do Instituto Cidadania Empresarial (ICE) e parceiros, do The Global Steering Group for Impact Investment (GSG) Summit. E a pergunta que norteou o evento foi:

“What is value? In the 21st century, the answer cannot be profit alone.”

(O que é valor? No século 21, isso não pode ser apenas lucro.)

Vale a pena acessar o site e conhecer a declaração de vários líderes sobre o tema e seus comprometimentos para mudar o cenário.

Mas de que cenário estamos falando, quando se trata de Brasil?

Eu poderia cair aqui na redundância de afirmar que o ecossistema de impacto no Brasil ainda é elitista, branco, machista e definido ainda por valores tradicionais do mercado.

Mas existem outras nuances que regem as dinâmicas desse sistema por várias “mãos invisíveis” que conduzem uma dança de interesses, agora acentuada por conta do choque de realidade da nova percepção de realidade sobre desigualdades que se espalha pelo Brasil. Realmente tenho ficado esperançoso de ver desigualdades sendo tema de conversas em dimensões de classe onde nunca foram feitas.

O atual cenário também traz uma tendência de que tudo se torne impacto. Particularmente tenho alguns questionamentos quanto a isso, não por ser bom ou ruim, mas pela dúvida: estamos preparados para que tudo seja impacto?

Eu penso que não. Um debate como esse não trata da reinvenção de modelos de negócio, de repensar a razão de existir e a função social de empresas e organizações. Trata-se de uma reinvenção nossa commo sociedade.

Impacto social não pode, não deve e nem deveria ser cogitado como um substituto de políticas públicas essenciais ou estruturantes.

(Ok, alguém gritou comunista aí enquanto lia este trecho do artigo… Olha, eu sonho viver em um mundo tão fácil de delimitar assim… Mas o fato é que não sou nem vermelho, nem azul, às vezes penso que sou apenas um lobo solitário querendo ver algo além de oportunidades de lucro, um romântico acreditando em valor compartilhado real e sincero.)

Reinvenção como sociedade? Reinvenção de modelos de negócio? Geração de valor compartilhado? E, por que não, geração de lucro?

Eu não acredito que estes sejam desejos, motivadores ou propósitos destoantes. Ou que precisem estar dissociados. Num mundo perfeito, eles deveriam estar juntos na estratégia de uma empresa, projeto, negócio ou ecossistema. (Olha eu sendo romântico de novo).

O mineiro em mim

Eu sempre gostei de boas analogias, ditados, causos e parábolas… Deve ser o mineiro em mim. Um ditado que sempre gostei muito é sobre resiliência, aprendizado e aceitação:

“Não se faz bom marinheiro em mar calmo.”

A pegadinha que vejo nesse ditado tem a ver com o marinheiro. Notem que sempre quem deve melhorar, e mudar, é ele. Vai se adaptando, reinventando, criando caminhos para si. Ele precisa de readaptar, ele precisa vencer!

O grande dilema do vencer é que no cenário clássico alguém perde, cede ou fica para trás. E como resolver esse dilema no campo do impacto social? Lembrando que nos discursos, missão, visão, valores e pitches cheios de propósito todo mundo está ali pelo bem maior, desde que tenhamos lucro.

E cabe ainda o “valor compartilhado” nessa equação, aquele valor que não paga só os boletos, mas o que faz a gente dormir tranquilinhos a noite, não cabe? O que tanto ouvir falar no evento do GSG. O que é tendência lá fora e aqui é fumaça ainda.

Eu acredito que não podemos mais encarar negócios de impacto, oportunidades que as desigualdades trazem e mazelas sociais como oportunidades de mercado, reposicionamento de marcas. Durante muito tempo negócios de modelos tradicionais surfaram em várias economias e construíram patrimônios inimagináveis para o cidadão comum que enfrenta a fila da lotérica para sacar seu auxílio emergencial, negócios baseados em consumo. Negócios de impacto voltados à própria criação de necessidades por meio de estratégias de marketing e manipulação totalmente aceitáveis para velhas economias.

Porém existe um grande aprendizado a ter com esses “marinheiros” que surfaram e sobreviveram a s boas e más marés para fazerem fortunas. Os marinheiros, como falei antes, se adaptaram, mas a reflexão que fica agora é o que fizeram para tornar o “mar” melhor – mar aqui representando a sociedade local e global – a fim de que outros pudessem também estar no barco?

Todo o potencial e capitais acumulados até agora, nos aspectos intelectual, tecnológico e financeiro, são riquezas a serem compartilhadas e que impulsionam esse movimento de reinvenção das dinâmicas da sociedade em que vivemos – no social, no econômico e no ambiental.

Não pode ser só um drive

Impacto social não pode ser apenas um drive, como ISO 9001 e responsabilidade social corporativa já foram. Inclusão, diversidade e impacto social devem ser um processo de Crispr [edição genética] que contamine o DNA das empresas em todos os níveis, por dentro.

Muita coisa interessante está acontecendo. Há muitas polêmicas pela falta de aceitação de que as coisas precisam mudar por parte de alguns grupos que ainda lideram processos importantes. Esse caminho não tem volta, o caminho rumo a termos cada vez mais programas de contratação e seleção baseados em inclusão de pessoas pretas, LGBTQIA+ e diversas.

Uma dica? Seu negócio vai agradecer e seus stake e shareholders também. Diversidade e inclusão dão dinheiro, gente! Isso dá lucro, sim! Quando realmente implementadas – e não apenas maquiadas.

Essas provocações são um caminho para a reflexão, para não desperdiçarmos aprendizados de gestão e boa liderança na hora de repensar a estratégia.

Impacto social é pilar de sustentabilidade e não uma simples oportunidade.

Abraços e nos vemos em breve!

Fique em casa se puder.”

João Souza
Futurista negro, head da plataforma de inovação social Futuros Inclusivos, é empreendedor social reconhecido pela rede global Ashoka. É sócio e diretor-presidente do FA.VELA, um hub de inovação social, aprendizagem inclusiva e empreendedorismo que atua na aceleração de pessoas, territórios e negócios, fundado em 2014.

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