Times precisam de inspiração e propósito em um ambiente de trabalho mais dinâmico, inovador e humano
Por que algumas empresas conseguem se adaptar às mudanças e atingir altos índices de crescimento enquanto outras não?
A resposta pode estar em como as lideranças engajam os colaboradores dentro da organização.
O estudo “State of the Global Workplace”, de 2024, realizado pela Gallup, traz dados relevantes sobre a importância do engajamento dos colaboradores no mercado de trabalho.
A fonte estima que o baixo engajamento dos colaboradores tem um impacto de U$$ 8,9 trilhões na economia global, o que representa 9% do PIB global.
O estudo traz também que 70% da variação do engajamento da equipe podem ser atribuídos à liderança. Quanto melhores as práticas e as dinâmicas promovidas pela gestão, melhores os resultados. Líderes ativos e engajados ajudam os colaboradores a seguir essa tendência.
Quando se tem engajamento, todo mundo ganha. Ainda de acordo com a Gallup, colaboradores mais engajados aumentam a produtividade em 18%, aumentam a lucratividade da organização em 23%, diminuem o absenteísmo em 78% e o turnover em 21%.
As abordagens de liderança ainda são baseadas em um modelo transacional, que diz: “Faça isso e ganhe aquilo”.
Assim, um colaborador trabalha para ganhar seu salário, seu bônus. Se o faz bem, ganha. Se deixa de cumprir com algo, então perde sua remuneração. Trata-se de uma grande troca comercial.
O modelo funcionou e teve seu sucesso, mas atualmente é uma receita para gerar times desmotivados e resultados aquém do esperado.
Times precisam de mais do que metas e cobranças. Precisam de inspiração e propósito em um ambiente de trabalho mais dinâmico, inovador e humano. Essa é a base da liderança transformacional.
A tese não é nova. Ela surgiu em 1978 com James MacGregor Burns, um cientista político que observou que relações prolíficas entre líderes e liderados se davam por um maior entendimento de necessidades, atenção às crenças e alinhamento de valores.
Foi a partir dessa constatação, que Bernard Bass, já na década de 80, expandiu e adaptou o conceito para o mundo corporativo e organizacional.
Embora não seja exatamente nova, a teoria ganhou força e parece moldada para o mercado de trabalho atual.
O mercado atravessa uma transformação digital sem precedentes, caracterizada por uma complexidade e imprevisibilidade crescentes. A inteligência artificial avança em ritmo exponencial, redefinindo paradigmas tradicionais de trabalho, inovação e interação humana. Algoritmos de aprendizado e machine learning já são capazes de realizar tarefas complexas, desde análise de dados estratégicos até diagnósticos médicos precisos, sinalizando uma revolução que vai além da simples automação.
Nesse cenário de rápidas mudanças tecnológicas, empresas emergem e se dissolvem em ciclos cada vez mais curtos, enquanto profissionais são desafiados a se reinventarem constantemente.
Dessa maneira, a tecnologia não apenas impactou as relações comerciais e laborais, mas também redesenhou completamente as competências necessárias para o sucesso organizacional.
Líderes hoje precisam desenvolver uma abordagem verdadeiramente adaptativa e humanizada, equilibrando a eficiência tecnológica com a compreensão profunda das nuances emocionais e sociais de suas equipes.
Um ótimo exemplo de empresa e cultura que se adapta rapidamente às mudanças do mercado é a Netflix. A empresa que começou com aluguel online de DVDs soube aproveitar a onda da tecnologia e passar a entregar seus conteúdos via streaming. Depois, o modelo de assinatura e as produções originais ganharam cada vez mais peso na operação. Atualmente a Netflix segue inovando em seus modelos e é uma das empresas mais valiosas do mundo.
Essa capacidade organizacional está diretamente relacionada ao modelo da liderança da empresa. Reed Hastings, fundador e CEO da Netflix, conta em seu livro “A Regra é não ter regras” como a forte cultura organizacional promove o alto engajamento de seus colaboradores.
Os pilares os quais Hastings baseia o seu modelo de liderança estão intrinsecamente relacionados com o modelo da liderança transformacional. Hastings oferece aos colaboradores um bom salário, mas vai muito além disso.
Ele inspira seus colaboradores com seu modelo de gestão, dando autonomia e liberdade para que possam agir em prol da empresa. Um modelo com menos burocracias, menos aprovações internas e que confia profundamente na capacidade dos seus colaboradores de tomadas de decisão complexas, como as relacionadas a gastos corporativos.
Ele também é um grande defensor da transparência radical. De falar abertamente sobre problemas e dar feedbacks honestos em todas as situações. Isso cria um espaço de confiança e de aprendizado contínuo. A frase que ele usa para seu time é: “Você faz parte desse time para me falar coisas diferentes das que penso”.
Além disso, Hastings é um exemplo de atitudes. Ele mesmo vivencia na prática as políticas de empresa – como tirar um número ilimitado de dias de férias –, o que inspira e motiva os colaboradores a fazer o mesmo.
Essa forte cultura empregada pela liderança tornou a Netflix uma das empresas com maior efetividade nas respostas às mudanças de mercado e também uma das empresas mais valiosas do mundo. Não é por acaso que todas essas características estão conectadas aos pilares da liderança transformacional.
A base dessa abordagem pode ser explicada por meio de quatro elementos fundamentais, conhecidos como os 4 “I”s da liderança transformacional. Cada “I” tem como referência um termo em inglês.
Aqui a liderança é vista como um modelo a ser seguido, uma grande referência, um exemplo, um espelhamento de atitudes.
Os atos da liderança devem ser condizentes com os valores pregados por ela e pela empresa.
Isso significa que a liderança não pode apenas exigir compromisso e ética de seus colaboradores, mas deve ser a primeira a demonstrar esses valores.
Comportamentos como manter a palavra, ser justo em decisões difíceis e agir com transparência são sinais claros de influência idealizada. Quando a liderança adota esses princípios, ela estabelece um padrão que inspira os demais a seguir.
A influência idealizada pode ser observada em atitudes como a de Arne Sorenson, ex-CEO da famosa rede de hotéis Marriott. Durante a pandemia da covid-19, Sorenson gravou um vídeo sincero e transparente para explicar a gravidade da situação à equipe. Nele, o executivo falou sobre os próprios desafios de saúde que estava enfrentando, se posicionou de maneira clara sobre os efeitos negativos do covid para as receitas da empresa e também falou sobre como iam juntos tentar reverter esse cenário. Essa atitude gerou respeito e confiança dos funcionários, mesmo em tempos difíceis.
Um outro reconhecido caso de influência idealizada é Paul Polman, ex-CEO da Unilever. Durante sua liderança, Polman foi pioneiro em transformar a Unilever em uma empresa comprometida com o desenvolvimento sustentável, uma decisão difícil, porém justa.
Ele desafiou o mercado ao adotar práticas que priorizavam o bem-estar ambiental e social, em invés de focar apenas em resultados financeiros de curto prazo. Suas ações fizeram dele um líder admirado não apenas por seus colaboradores, mas por toda a indústria, ao demonstrar como uma liderança ética e baseada em valores pode impulsionar mudanças significativas.
Recorra sempre à seguinte pergunta ou reflexão: “As ações diárias da liderança refletem os valores desejados para a equipe?”
Na motivação inspiracional, a liderança deve ser capaz de criar uma visão clara e inspiradora, que dê sentido ao trabalho e que tenha a capacidade de unir a equipe em prol de um objetivo comum.
Essa é a etapa em que a liderança efetivamente difere dos modelos tradicionais, usando recursos de motivação que vão além das transações financeiras.
Não que elas não existam – elas devem e precisam existir –, mas estão longe de ser a única forma de motivação.
É sobre o propósito empregado no trabalho, sobre a jornada de aprendizado que irão percorrer ou mesmo sobre os feitos que irão atingir. Isso ajuda a mover, inspirar e motivar o time.
Os comportamentos dessa etapa são: comunicar de maneira otimista e inspiradora, conectar as tarefas diárias com uma missão maior e fomentar o entusiasmo coletivo. Quando a liderança adota esses comportamentos, a equipe se sente mais engajada e comprometida.
Um exemplo de motivação inspiracional é Richard Branson, fundador da Virgin Group, conhecido por liderar com otimismo e energia contagiantes. Branson está sempre motivando suas equipes a superar limites e perseguir novas ideias, mantendo um clima leve e inovador.
Ele é um defensor da diversão no trabalho e acredita que a paixão pelo que se faz gera os melhores resultados. Branson fala abertamente sobre sua dislexia e como ter consciência sobre essa condição permite que ele use isso como uma vantagem competitiva, ao realizar tarefas com maior foco e atenção. É esse pacote de atitudes que faz com que suas equipes se sintam inspiradas e comprometidas com a visão e objetivos da empresa.
Um outro exemplo é da ex-CEO da PepsiCo, Indra Nooyi, que transformou a empresa com o conceito de performance with purpose (desempenho com propósito), enfatizando a sustentabilidade e a responsabilidade social.
Ela guiou a PepsiCo para se tornar uma organização que não buscava apenas o lucro, mas também o bem-estar das pessoas e do planeta. Ao criar essa visão, Nooyi conseguiu inspirar milhares de colaboradores a se engajarem com entusiasmo em uma missão que ia além dos resultados financeiros. Essa combinação de propósito e desempenho foi central para sua liderança.
Recorra sempre à pergunta ou reflexão: “A liderança está contribuindo para que a equipe se sinta conectada a um propósito maior e é inspirada por uma visão coletiva?”
No pilar estímulo intelectual, o papel da liderança é desafiar a equipe a pensar de forma inovadora e resolver problemas de novas maneiras.
Esse é um pilar cada vez mais importante para o mercado de trabalho. Modelos modernos de gestão são mais abertos ao teste, ao erro e ao desafio intelectual. O colaborador não quer apenas fazer, mas ter um nível de dificuldade que permita que se sinta pessoalmente orgulhoso ao realizar uma tarefa.
Líderes que estimulam intelectualmente seus times são aqueles que dão autonomia ao seus times, que investem em projetos ousados e que estão abertos a resultados que não conseguem controlar.
Os grandes comportamentos dessa etapa são: promover discussões abertas sobre temas, oportunidades ou pensamentos; celebrar erros como oportunidades de aprendizado e encorajar a experimentação de novos projetos. Quando a liderança dá autonomia e confiança para o time, esses comportamentos são mais facilmente realizáveis.
Steve Jobs, cofundador da Apple, era conhecido pela habilidade de desafiar suas equipes a pensar de forma disruptiva. Ele acreditava no potencial de seus colaboradores para criar algo que ninguém ainda havia imaginado.
O maior expoente disso é o desenvolvimento do iPhone, processo em que ele incentivou engenheiros e designers a repensar completamente o que um telefone poderia ser. Jobs era famoso por suas reuniões intensas, nas quais desafiava as suposições da equipe e estimulava a criação de soluções inovadoras.
Outro exemplo de estímulo intelectual vem de Jeff Bezos, fundador da Amazon. Ele acredita que a falha é necessária para o sucesso, e encoraja sua equipe a experimentar, aprender e continuar inovando.
Uma de suas afirmações deixa clara essa intenção: “Se você dobrar o número de experimentos que faz por ano, você vai dobrar sua inventividade”. A amazon encoraja a experimentação, celebra os erros e aprende com eles para se tornar uma empresa melhor.
Recorra sempre à pergunta ou reflexão: “A liderança encoraja a equipe a desafiar o status quo e a pensar de forma criativa e inovadora?”
Por fim, é preciso que o colaborador se sinta individualmente considerado. Quer dizer que ele quer sentir que não é só mais um no time, que recebe um feedback padrão ou que possui caminhos de crescimento idênticos a todas as outras pessoas da sua organização.
Ele quer se sentir visto, percebido e com caminhos individuais de suporte, atenção e crescimento.
O papel da liderança é ver cada pessoa como única, adaptando seu estilo e abordagem para atender às necessidades individuais e ajudar cada um a atingir seu potencial máximo. É uma liderança mentora, com o papel de entregar o resultado final, mas também desenvolver cada membro da equipe.
Os comportamentos dessa etapa são: oferecer feedback personalizado, entender as motivações individuais e dar suporte contínuo ao desenvolvimento de carreira. Líderes que adotam essas práticas tendem a criar um ambiente onde os colaboradores se sentem valorizados e motivados a crescer.
No Brasil, Luiza Trajano, presidente do Conselho do Magazine Luiza, é amplamente conhecida por sua liderança humanizada e sua atenção ao bem-estar e desenvolvimento de seus colaboradores. Ela se destaca por sua empatia e preocupação genuína com o crescimento pessoal e profissional de cada membro da equipe.
Trajano implementou uma cultura de cuidado e valorização das pessoas na empresa, promovendo programas de inclusão e empoderamento. Seu estilo de liderança, centrado nas necessidades individuais, é um modelo de consideração individualizada.
Recorra sempre à pergunta ou reflexão: “A liderança conhece as aspirações e necessidades de cada membro da equipe e oferece o suporte necessário para ajudá-los a crescer?”
Com a liderança transformacional, todo mundo ganha. Ganham:
Os colaboradores, que terão um ambiente de trabalho com mais autonomia, reconhecimento e crescimento profissional e se sentirão mais inspirados e conectados às suas tarefas;
As lideranças, que se sentirão mais próximas ao seus times, e que por uma relação transformacional tenderão a atingir melhores resultados;
As organizações, com times mais felizes, mais integrados e com melhores resultados para a empresa. Empresas se tornam mais inovadoras e eficientes;
Ganham clientes e o mercado no geral, com melhores resultados, menores prazos, produtos mais efetivos ou mais baratos.