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Cientista não é mais herói do que ninguém

A ciência é o melhor caminho para o conhecimento, mas tomemos cuidado com o cientificismo: a salvação da humanidade passa por um esforço coletivo e todos precisam ser heróis

Carlos de Mathias Martins
29 de julho de 2024
Cientista não é mais herói do que ninguém
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Antes que perdigotos contaminados com Covid-19 sejam direcionados ao título deste artigo, gostaria de me justificar: somos todos heróis nível Marvel. Uns mais, outros menos. Uns somos nível de heroísmo da DC Comics. Outros nível Star Wars. Poucos nível Speed Racer, que por acaso é um dos únicos heróis que não usa collant. Mas eu divago: minha critica não é direcionada à ciência e aos cientistas, mas ao cientificismo pandêmico que pode vir a atrapalhar o bom combate às causas das mudanças climáticas.

Cientificismo é a crença dogmática de matriz positivista que afirma a superioridade da ciência sobre todas as outras formas de religião e a filosofia. No limite, somente a ciência teria acesso à verdade. Eu estou convicto de que o método cientifico, e, portanto, a ciência, é o melhor caminho que existe para o conhecimento, entretanto, essa primazia não se aplica indiscriminadamente aos cientistas. É bizarro assistir diariamente às diatribes de especialistas cientistas e especialistas jornalistas direcionadas a seus pares que ousam questionar a ortodoxia vigente em relação à pandemia da Covid-19. Todo e qualquer debate é interditado, sempre em nome da ciência obviamente. Claro que não cabe discutir se a Terra é plana 500 anos depois das caravelas de Fernão de Magalhães, mas esse assoberbamento dos cientistas pode contaminar a argumentação em favor da redução das emissões de gases de efeito estufa, tema muito mais árido e controverso.

Estamos vivendo uma pandemia grave durante uma emergência climática, mas mesmo as análises científicas mais rigorosas dedicadas a ambos os eventos embutem margem de erro relevante dadas as incertezas associadas ao comportamento do vírus e a fenômenos geofísicos ainda pouco conhecidos. Aqui entra o princípio da precaução: a principal razão para agirmos imediatamente no lockdown de países inteiros é o risco de arruinarmos nossos sistemas hospitalares além do ponto de não retorno. Mais uma vez, aqui entra o princípio da precaução: a principal razão para agirmos imediatamente no combate às mudanças climáticas é o risco de arruinarmos os ecossistemas terrestres além do ponto de não retorno. Relatórios e pareceres científicos não irão ajudar no convencimento de uma humanidade preocupada com uma eventual depressão econômica.

A idolatria dos cientistas especialistas invade também o terreno das narrativas das grandes invenções. Tipicamente o advento de uma tecnologia disruptiva é narrado a partir de alguma pesquisa cientifica, quando geralmente ocorre o oposto. Por isso me causa estranheza quando escuto que a ciência vai nos salvar da pandemia e do hecatombe climático. Não sou historiador, mas alguém consegue imaginar os cientistas do MIT mandando um telex para o presidente americano sugerindo a criação do programa espacial americano? “Caro presidente Kennedy, favor criar um programa espacial para levar o homem à Lua. Construímos um computador com capacidade de memória igual a de uma calculadora de padaria dos anos 2000. PT, saudações”. Parece obvio que foi a Nasa que enviou telex ao MIT solicitando um computador de bordo para a espaçonave Apollo 11. Enfim, a salvação da humanidade é um esforço coletivo.

DEAD WHITE MEN: EINSTEIN & HAWKING

Para concluir minha argumentação sobre a pertinência do dissenso científico, vasculhei toda a mídia ”golpista”, incluindo exemplares da extrema imprensa. Encontrei apenas o seguinte colóquio: “A teoria produz um bom resultado, mas dificilmente nos aproxima do segredo do Criador”, escreveu Albert Einstein em dezembro de 1926. “Estou, em todos os casos, convencido de que Ele não joga dados”, arrematou o cientista alemão. Já em 1994, o grande físico inglês Stephen Hawking resolveu discordar de Albert Einstein: “Então, Einstein estava errado quando disse que ‘Deus não joga dados’. Considerando o que os buracos negros sugerem, Deus não só joga dados, Ele às vezes nos confunde jogando-os onde ninguém pode vê-los”.

Você não precisa assistir Netflix para saber que o Papa argentino não tem canal direto com o Criador. Portanto se eu tivesse os meios de chegar ao Papa Bento XVI, rogaria ao sumo pontífice que perguntasse a Ele: “Senhor Deus, o senhor joga dados?”. Faltou _peer review_ para este bate boca.”

Carlos de Mathias Martins
Carlos de Mathias Martins é engenheiro de produção formado pela Escola Politécnica da USP com MBA em finanças pela Columbia University. É empreendedor focado em cleantech.

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