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Como gigantes combinam expertise humana e IA na previsão de demanda

De um lado, profissionais experientes sabem captar as demandas. De outro, modelos que rodam com IA usam os dados para reagir rapidamente quando a demanda muda. Saiba como empresas como Amazon, Zara e Nike estão combinando as duas partes com sucesso

Devadrita Nair e  Maria Jesus Saenz
Devadrita Nair e Maria Jesus Saenz
18 de julho de 2024
Como gigantes combinam expertise humana e IA na previsão de demanda
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O pink voltou com toda a força em 2023. Mas, à medida que as marcas do universo da moda aderiram à tendência avassaladora impulsionada pelo filme Barbie –sucesso nos cinemas no ano passado–, muitas sofreram para acertar os números projetados. 

O fenômeno Barbie mostra um dilema moderno: como prever a demanda por um produto quando o panorama de vendas está constantemente mudando? 

Esse desafio sempre existiu, mas o ambiente de varejo agora é ainda mais volátil e exige que as empresas melhorem seu nível de previsão de demanda. Para enfrentar esse desafio, muitas adotaram ferramentas de inteligência artificial (IA). Embora os algoritmos melhorem a assertividade da previsão, intervenções humanas continuam sendo necessárias para contextualizar as mudanças do mercado e trazer outros elementos para a tomada de decisão. 

Como ainda não há um modelo padrão para essas combinações, desenvolvemos um framework baseado nas características do produto para ajudar empresas a equilibrar experiência humana e soluções de previsão de demanda orientadas por IA.

Complexidades do produto

Um obstáculo para elaborar modelos de previsão de demanda é a diversidade de características entre diferentes categorias de produtos. Os de ciclo de vida curto –como os de moda, beleza e alta tecnologia – têm pouco ou zero histórico de dados, o que torna a previsão de demanda uma tarefa desafiadora. 

Esses produtos também representam um risco maior para as empresas, pois são suscetíveis a maiores rupturas de estoque ou disponibilidade em excesso. 

Por outro lado, produtos de ciclo de vida longo – como móveis e eletrodomésticos básicos – se beneficiam por ficar mais tempo no mercado. Portanto, dispõem de dados históricos em quantidade suficiente para prever as vendas. 

Estes últimos exigem ajustes menos frequentes em resposta a mudanças de demanda. No entanto, cada item dentro de uma categoria pode seguir padrões de demanda diferentes, e os métodos de projeção de consumo precisam refletir essas variações.

Já os produtos de alto risco, difíceis de prever (como os de beleza), são os que geralmente enfrentam maior volatilidade de demanda. As empresas que vendem esses itens costumam lidar com frequentes quebras de estoque e níveis de serviço mais baixos. Para isso, valem-se de uma estratégia de cadeia de fornecimento que seja capaz de responder às flutuações de consumo. 

Já a menor volatilidade – vista, por exemplo, em papel higiênico – se traduz em vendas estáveis, mais fáceis de prever. Isso faz com que a eficiência por meio da minimização dos custos de fornecedores e entregas seja o foco da cadeia.

A matriz de previsão de demanda humano-IA

Nossa estrutura para previsão de demanda personalizada usa uma abordagem baseada em dois fatores: ciclo de vida do produto e volatilidade da demanda. Com base nessa matriz de dois fatores, os métodos de previsão podem ser divididos em quatro quadrantes (veja no gráfico).

Os gráficos de pizza indicam a participação de cada agente no processo de previsão de demanda. Para produtos com alta volatilidade de demanda e um longo ciclo de vida, a intervenção humana é o fator mais crítico, pois a tarefa de previsão requer julgamento especializado e adaptabilidade. 

No sentido anti-horário do quadro, a importância da intervenção humana diminui, e os modelos de previsão podem lidar com a tarefa de maneira mais eficaz. Produtos com ciclos de vida curtos e alta volatilidade de demanda são os que menos exigem envolvimento humano.

Para itens com ciclos de vida curtos, o papel principal das pessoas é a modelagem estatística e a análise de dados. Já para produtos de ciclo de vida longo, as previsões dependem mais do quanto as pessoas conhecem aquele domínio e de sua capacidade de avaliação do que de suas capacidades analíticas e técnicas. 

Além disso, os produtos de ciclo de vida curto podem se beneficiar mais de técnicas avançadas e ágeis de previsão. Portanto, exigem investimento na tecnologia mais recente, enquanto os produtos de ciclo de vida longo podem ser bem servidos por análises de séries temporais mais tradicionais, além da avaliação humana.

A seguir, veremos descrições dos papéis dos humanos e da IA para cada um dos métodos de previsão, juntamente com estratégias para implementá-los com sucesso.

Ponto para a IA: ciclo de vida curto, alta volatilidade da demanda

O papel da IA versus agentes humanos

Marcas de fast fashion como Forever 21, H&M e Zara dominam a produção de roupas em tempo recorde, com alguns produtos chegando às lojas em apenas duas semanas. A presença maciça de influenciadores no TikTok catapultou a Shein para o estrelato, já que os consumidores querem ter acesso instantâneo às ofertas.

Os modelos de IA se destacam nesse ambiente volátil. Eles assimilam informações de uma vasta gama de fontes de dados internas e externas para reagir rapidamente às mudanças nos padrões de demanda que levariam mais tempo para humanos preverem. 

As empresas foram além de simplesmente incluir dados sobre vendas passadas e características dos produtos. A Amazon aproveita os textos das avaliações de itens online, enquanto a H&M usa dados de cartão de fidelidade para aprender sobre os padrões de compra do consumidor. 

O processamento de linguagem natural orientado por IA permite que as empresas analisem postagens em redes sociais para identificar o que está em alta e o que está em baixa. A varejista de moda alemã Zalando usa modelos de deep learning para prever a demanda e, depois, decidir preços.

Analistas humanos muitas vezes lutam para prever mudanças rápidas, especialmente quando confrontados com sinais complexos de séries temporais. Eles se baseiam em heurísticas simplificadas, como a ancoragem (em que um indivíduo depende muito de uma informação inicial), o que pode resultar em previsões de baixa precisão. 

Mas os humanos podem ajudar a fornecer insumos valiosos para modelos de IA. Por exemplo, a H&M tem mais de cem designers em sua sede, em Estocolmo, que são responsáveis por identificar tendências de moda em ascensão e verificar os algoritmos em busca de resultados que não sejam confiáveis. 

Para tais produtos, as pessoas têm o papel de cientista de dados. Elas estão envolvidas em desenvolvimento de modelos, seleção de recursos e engenharia, além da interpretação dos resultados do modelo, em vez de participar da atividade de previsão em si.

Estratégia para o sucesso

As empresas com esse perfil devem investir na construção de capacidades digitais internas. A Zara, no princípio, adotou soluções padrão de fornecedores externos e, em seguida, gradualmente fez a transição para o desenvolvimento de seu próprio software de planejamento de demanda (embora a empresa continue a fazer parcerias com outras empresas para desenvolver recursos digitais). 

A Nike incorporou a plataforma de análise de varejo Celect em suas operações de gerenciamento de estoque. Já a Amazon desenvolve todo o seu software internamente – uma escolha que é sustentada por uma equipe robusta de cientistas de dados. 

As empresas também devem desenvolver hubs para capturar dados de alto volume e alta qualidade de várias fontes e incorporá-los aos modelos de IA. Recomenda-se que as organizações tenham intérpretes qualificados, que entendam como os modelos de IA podem conduzir as decisões de negócios. 

Embora isso seja verdade para todas as categorias, esse segmento em particular é caracterizado por modelos de IA/machine learning altamente avançados.

Ponto para o especialista: ciclo de vida longo, alta volatilidade de demanda

O papel da IA versus agentes humanos

Para produtos com ciclo de vida longo (como móveis, utensílios de cozinha e outros bens domésticos), dados históricos podem ser vantajosos na previsão da demanda. Modelos estatísticos padrão podem, portanto, ser aplicados para aprender a prever a demanda futura com dados do passado. 

Seres humanos mostraram que têm capacidade de capturar a tendência média melhor do que os modelos de IA. Os gestores conhecem a dinâmica do mercado, o comportamento do cliente e outros fatores externos que podem influenciar mudanças nos padrões de demanda. 

Para produtos de ciclo de vida longo, a experiência humana desempenha um papel muito importante, em combinação com modelos estatísticos simples, como regressão, para obter previsões de demanda precisas e confiáveis. 

Durante a pandemia, quando os dados históricos foram considerados não confiáveis em um ambiente muito volátil, os analistas humanos tiveram que substituir os resultados produzidos pelos modelos.

Estratégia para o sucesso

A incorporação de informações contextuais de especialistas internos e externos é essencial para aumentar a precisão e a relevância dos modelos de previsão. A forma como os seres humanos interpretam e utilizam a informação é tão importante quanto a abundância e a qualidade da informação. Incluir executivos de diversas áreas reduz vieses e melhora a qualidade dos insumos.

Extrapolação tradicional: ciclo de vida longo, baixa volatilidade da demanda

O papel da IA versus agentes humanos

Em mercados estáveis com mudanças graduais nas tendências de demanda e uma riqueza de dados históricos de vendas, como baterias, veículos elétricos e componentes aeroespaciais, os modelos estatísticos podem prever com precisão a demanda, reduzindo a necessidade de intervenção humana frequente. 

Modelos tradicionais, como séries temporais, são normalmente melhores em prever tendências de demanda com base em vendas históricas e variáveis macroeconômicas do que modelos avançados de IA.

No entanto, quando o mercado experimenta eventos únicos ou mudanças que não são adequadamente capturadas nos dados históricos, os analistas humanos, armados com seu conhecimento contextual e compreensão do ambiente de negócios, podem intervir para fazer ajustes de qualidade nas previsões do modelo. 

Esse toque humano garante que o processo de previsão permaneça adaptável e capaz de responder às mudanças. Por exemplo, as previsões de demanda de baterias de íons de lítio geralmente ficam aquém do tamanho do mercado e são, com frequência, ajustadas para cima. 

As pessoas também podem incorporar informações relativas a eventos geopolíticos, avanços tecnológicos e mudanças regulatórias nas previsões do modelo.

Estratégia para o sucesso

Embora a demanda por esses produtos seja estável, a alta incerteza de oferta pode ser impulsionada pela escassez de material, máquinas ou mão de obra. Se um aumento nos prazos de entrega for esperado, pode ser necessário aumentar estoques ou acelerar seu recebimento. 

Por exemplo, a cadeia de fornecimento de baterias enfrenta desafios ambientais, sociais e de governança que podem afetar o planejamento da demanda. No caso de haver um crescimento do número de consumidores de tecnologias mais verdes, isso levará a um aumento da demanda por baterias para veículos elétricos. 

Portanto, as empresas precisam ser cautelosas com os desafios ao implementar métodos de previsão. A IA generativa pode ser usada para projetar os cronogramas de produção e entrega necessários para corresponder aos níveis de estoque.

Agrupar e prever: ciclo de vida curto, baixa volatilidade de demanda

O papel da IA versus agentes humanos

Produtos de consumo de tecnologia altamente inovadores, como computadores, celulares e eletrodomésticos inteligentes, possuem uma vida de menos de cinco anos no mercado. Eles normalmente têm uma fase de crescimento de demanda curta, seguida por um rápido declínio. 

A dificuldade está em projetar mais precisamente o ciclo de vida durante os estágios iniciais, quando há poucos dados de vendas. A Dell, que começou como uma fabricante de computadores configurados sob encomenda e depois mudou para um modelo de fabricação para estoque, vende máquinas com ciclos de vida curtos, sem estágio de maturidade e em rápido declínio. 

Esse padrão estável é adequado para ajustar curvas simples do ciclo de vida do produto, como as curvas triangular e trapezoidal, após agrupar os itens com base na similaridade. As pessoas estão envolvidas no processo de previsão na Dell apenas na execução trimestral do algoritmo do ciclo de vida do produto. 

Da mesma forma, a Philips aplica modelos de difusão de Bass (que preveem a adoção de novos produtos no mercado ao longo do tempo) em seus produtos de saúde, e que são agrupados com base no mercado. 

Estratégia para o sucesso

A precisão inegavelmente influencia o inventário de segurança e a capacidade de produção. No entanto, também afeta os compromissos de fornecimento e as escolhas de transporte, especialmente para empresas de eletrônicos de consumo como a Dell, que depende em grande parte da receita de seus novos produtos para fazer seu estoque. 

Portanto, o planejador de demanda deve considerar esses fatores adicionais ao elaborar uma previsão, bem como a influência potencial de produtos recém-introduzidos que poderiam canibalizar a demanda por produtos já disponíveis. 

Além disso, os dados históricos de produtos comparáveis entre si devem fazer parte dos modelos de previsão. Os modelos de IA também devem ser flexíveis o suficiente para fazer ajustes ocasionais em função de variações sazonais e ações promocionais. 

Vários algoritmos de clustering de produtos devem ser testados para identificar o mais adequado ao uso como base para a previsão de demanda. Podem basear-se nas características do produto/mercado ou em medidas de similaridade de séries temporais baseadas em dados.

Um futuro garantido

Nossa estrutura ajudará as empresas a melhorarem sua capacidade de previsão de demanda. Mas será que a necessidade de colaboração entre humanos e IA diminuirá à medida que os algoritmos ganharem em sofisticação e escopo? 

Acreditamos que não. A interface humanos-IA continuará a ser de vital importância porque os mercados e as mudanças de contexto permanecem altamente imprevisíveis. Haverá novas rupturas ao estilo Barbie, bem como mudanças geopolíticas e flutuações econômicas.

Além de fornecer insights contextuais inestimáveis e reações rápidas, os humanos podem expandir os benefícios da IA para outros produtos e locais. É importante ressaltar que as pessoas também podem treinar a IA para entender os meandros do contexto. O valor competitivo dos duetos humano-IA não diminuirá tão cedo.

SOBRE A PESQUISA

Essa combinação é baseada em uma extensa análise da colaboração entre humanos e IA atuando na projeção de consumo em várias empresas de muitos setores, por meio de pesquisas empíricas conduzidas pelos autores no MIT Digital Supply Chain Transformation Lab and WHU – Otto Beisheim School of Management

A equipe de pesquisa trabalhou com as empresas para entender os desafios encontrados em seus esforços de previsão e investigar os papéis específicos dos agentes humanos e de IA na área, particularmente as sinergias de unir esses dois recursos. 

As metodologias de pesquisa incluem a análise de projeto experimental que quantifica o efeito da intervenção humana na previsão de demanda de IA/machine learning e o desenvolvimento de modelos de IA/ML que avaliam o valor proveniente do julgamento de especialistas na presença de outros recursos externos, como dados sobre o fluxo de cliques.


PRINCIPAIS TAKEAWAYS

  • Adote IA com moderação. Ela melhora previsões, mas precisa de intervenções humanas para ajustes e contextualização de mercado.
  • Setores diferentes precisam de estratégias diferentes de demanda. Atente-se à natureza do produto e ao comportamento específico do público.
  • Desenvolva capacidades digitais internas e integre dados de diversas fontes para alimentar os modelos de IA.
  • Valorize a interface humanos-IA. É isso que garante previsões adaptáveis e precisas para se adequar às nuances do mercado.
Devadrita Nair e  Maria Jesus Saenz
Devadrita Nair e Maria Jesus Saenz
Devadrita Nair está no pós-doutorado do MIT Digital Supply Chain Transformation Lab. Maria Jesus Saenz é diretora do MIT Digital Supply Chain Transformation Lab e diretora executiva do programa de mestrado em gestão da cadeia de fornecimento do MIT.

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