Especialista em liderança em situações-limite diz que lidar com os 50% de negativistas é um dos desafios, pois estes funcionam com base no medo
O novo coronavírus, e a pandemia conhecida como Covid-19, estão abalando o mundo. As pessoas correm para estocar suprimentos, mercados estão em queda livre, governos têm restringido viagens. Em meio a essa grande turbulência, a certeza relativa com a qual as pessoas e as empresas organizam suas atividades parece ser o recurso que mais está em falta.
Os aspectos técnicos para lidar com isso são os mais objetivos: os especialistas são conhecidos, recursos foram alocados e uma quantidade crescente de dados está sendo coletada para poder guiar decisões. Embora não haja uma solução instantânea para uma pandemia assim, e os possíveis erros são muitos, o caminho para a solução está claro.
Mais desafiador – e afetando mais indivíduos, organizações e comunidades – são as dimensões humanas para lidar com essa crise. Os doentes precisam de cuidados, as famílias daqueles que partem merecem conforto, e quem está bem precisa seguir em frente apesar do medo – ou a consequência será uma catástrofe global, social e econômica. Essa necessidade de continuar a tocar as coisas apesar dos problemas se torna responsabilidade de líderes da comunidade e de instituições. Como Linda Ginzel da Booth School of Business sempre me lembra, liderar tem a ver com guiar as pessoas para o futuro apesar dos riscos e incertezas.
Em mais de 15 anos de pesquisa de campo sobre liderança em tempos de crise, incluindo nas crises furacões, ataques terroristas e desafios de saúde pública como esse, meus colegas e eu descobrimos que liderar durante os momentos mais sombrios é uma arte – e, tão importante quanto, que dominar essa arte torna os executivos líderes melhores em seu dia-a-dia também.
Há duas coisas que podem ser imediatamente absorvidas do nosso trabalho: • A primeira é que, embora a crise inicial não possa ser evitada, crises secundárias derivadas de reações inadequadas o podem. • A segunda tem a ver com o entendimento de que cada incidente possui narrativas com vítimas, vilões e heróis. Ainda é cedo demais na história do Covid-19 para executivos e organizações definirem o papel que terão nessa crise. Para ascender ao papel de heróis, por exemplo, é necessário escolherem tomar medidas que contribuam para o bem geral, sem pensar em outros interesses. Essa situação fará com que as intenções contidas na famosa carta de 2019 da Business Roundtable, que redefine o propósito corporativo, sejam testadas.
A arte da liderança eficiente em meio a uma crise se concentra em três áreas. independentemente da atividade em questão, pois as três são o que ajuda a sustentar um alto – e até heroico – desempenho dos times e da empresa como um todo:
Capacidade adaptativa. A crise evolui com o tempo, especialmente um surto de uma doença infecciosa. Instituições e seus líderes devem executar uma série de ações conforme os acontecimentos e o contexto operacional de cada acontecimento mudam. Frequentemente, é necessário que partes da organização que normalmente não trabalhariam juntas se unam em harmonia. Também é possível que precisem deixar hierarquias de lado, com especialistas de uma área de repente lidando diretamente com executivos seniores, e talvez até os liderando. Não é simples. O potencial para o medo, o conflito e a disputa é grande.
Uma ação de sucesso exige que um pé esteja fincado numa ideia sólida enquanto o outro caminhe numa nova direção. Durante a turbulência de uma crise, um compromisso inabalável com os valores essenciais da organização cria uma noção de segurança que facilita uma atitude mais fluida em relação à estratégia e táticas. Se, por exemplo, sua organização costuma dizer que as pessoas estão em primeiro lugar, garanta que todas as suas decisões reflitam isso. Apoie, na companhia inteira, as pessoas que tomam decisões utilizando esse conceito, mesmo que haja consequências financeiras de curto prazo para isso. Valorize as contribuições nesse sentido, não importa quem as oferece – este não é o momento para ser político.
Resiliência. Embora muitos fiquem na defensiva durante uma crise, existe a oportunidade de inspirar as pessoas também. A adversidade de uma situação urge sua equipe a agia da melhor forma que poderia. Pense em como todos vocês podem sair desse incidente melhores do que entraram – ou seja, mais fortes, mais engajados e mais capazes do que eram antes. Criar condições como essas exige que os líderes acalmem e encorajem todos na empresa, assegurando que “juntos podemos vencer” e os apoie tanto no trabalho quanto em casa.
Lucy English, vice-presidente de pesquisa e ciência da meQuilibrium, uma empresa especializada em resiliência para trabalhadores, me falou que pesquisas mostram que aproximadamente 50% das pessoas são “negativistas”. Numa crise, elas vão funcionar na base do medo – contribuindo com uma energia negativa e compartilhando suas ideias de cenários apocalípticos. English afirmou que o antídoto para isso é quando líderes trabalham utilizando análises realistas do que é provável que irá acontecer. Isso, ela disse, “cria um quadro geral menos assustador”. Com essa avaliação do que provavelmente acontecerá, líderes podem desafiar a equipe a pensar de forma mais positiva.
Confiança. Nossa pesquisa mostrou que confiança está no alicerce da liderança colaborativa. O surto de Covid-19 cria inúmeros momentos para testar a confiança, assim como a oportunidade de ser um herói para colaboradores, consumidores e comunidades. A questão que os líderes devem se perguntar é: “Como podemos merecer a confiança de nossos investidores nesse momento de dificuldade?”. Confiança é algo construído por meio de diálogos e ações, não declarações de intenções, e precisa do engajamento das pessoas responsáveis por definir, em termos concretos, o que significa confiança nessas circunstâncias.
Como essa é uma situação global, o preço das ações deve ser afetado no curto prazo pelas condições gerais do mercado, a não ser que seus produtos ou serviços estejam diretamente relacionados às medidas de resposta à crise. Essa falta de controle pode ser libertadora para as companhias de capital aberto. Que momento seria melhor para demonstrar lealdade, compaixão e compromisso aos funcionários e consumidores? Que momento seria melhor para ser um bom vizinho? APRENDIZADOS Algumas situações vão afetar a todos nós e que estão além do controle de uma empresa única. Por exemplo, uma cidade (ou, no caso do Japão, uma nação inteira) pode fechar suas escolas. Essa escolha vai gerar consequências para famílias, incluindo dificuldades logísticas, emocionais e econômicas. Ajudar a mitigar essas riscos internamente com seus funcionários, e talvez até externamente com seus consumidores e parceiros, cria laços duradouros que resultam em dividendos a longo prazo. Seus esforços podem incluir apoio corporativo direto ou você pode criar formas das pessoas ajudarem umas as outras.
Decisões e ações tomadas nesses momentos difíceis ecoarão para muito além do nosso presente. Eu já trabalhei com executivos cujas lideranças durante a Grande Recessão de 2008, a Primavera Árabe, e outros eventos semelhantes ajudaram a definir a cultura da empresa pelos anos seguintes. Projeções sobre mudanças climáticas, urbanização global e envelhecimento populacional indicam que pandemias e outros eventos disruptivos vão acontecer cada vez mais.
Com o tempo, poderemos enfrentar uma pandemia com um nível de letalidade bem mais alto que o do Covid-19, semelhante ao do H1N1 da gripe espanhola de 1918, o que levará nossos sistemas sociais e econômicos além de todos os limites. As lições que pudermos aprender agora – e as práticas que pudermos implementar – tornarão nossas empresas mais preparadas para turbulências futuras, além de mais saudáveis hoje.”