Esse tipo de organização da economia cívica pode ativar a agenda coletiva para o bem, inclusive gerando capacidades dinâmicas e implantando sistemas de governança eficazes. Já há exemplos no Brasil
Primeiro veio o smartphone, depois a computação em nuvem, as plataformas digitais e as redes sociais. Uma soma que nos fez experimentar um fluxo de interações sem precedentes na história da humanidade e que deu origem à “economia digital”.
A reboque, vieram outras tecnologias que passaram a redefinir o próprio sistema. Ainda em seus estágios iniciais, a web 3.0 — que inclui blockchain, inteligência artificial (IA) generativa, internet das coisas (IoT) e realidade mista — pode ajudar a remodelar a maioria das instituições que moldaram nossa sociedade nos últimos 150 anos, como os sistemas monetário e eleitoral, além das infraestruturas físicas e cívicas.
Toda essa evolução trouxe uma sobreposição de choques econômicos, sociais, ambientais, sanitários e humanitários. Um estado crítico global e uma série de ameaças se entrelaçam numa multiplicidade de crises — a chamada “policrise”.
Para conseguir lidar com essas crises múltiplas e urgentes e enfrentar os desafios que elas impõem, indivíduos mobilizados pelo senso de propósito e por sua capacidade digital ampliada emergem como peças-chave para criar o que chamamos de ‘comunidades transformacionais”.
São que grupos de pessoas movidas pelo desejo de criar e promover mudanças inclusivas, bem como de provocar transformações positivas e sustentáveis na sociedade.
Buscam “turbinar” fluxos de engajamento e ativar ecossistemas para desafiar os modelos existentes e liderar impactos sociais, econômicos, culturais, regulatórios ou ambientais por meio da colaboração.
No centro das comunidades transformacionais estão os “fluxos interacionais de engajamento”, como sugerido por Venkat Ramaswamy, professor da Ross School of Business, ligada à University of Michigan, nos EUA. Em vez de se concentrar apenas nas atividades das “cadeias de valor” das instituições que operam ou nos “consumos de bens e serviços”, os membros da comunidade abraçam “a jornada de engajamentos de todos os indivíduos interessados como experimentadores e a realidade estendida de experiências que emergem das suas interações, desde a realidade pura à realidade mista e à virtualidade pura”.
O valor é então estendido de uma perspectiva pessoal para um maior bem-estar social, cultural, ecológico e econômico. As comunidades de aprendizagem rompem com as configurações convencionais professor-aluno, a educação andragógica assimétrica (alunos como tábulas rasas) e a universidade corporativa (que replica o modelo de universidade ultrapassado).
Há evidências crescentes que mostram como abordagens abertas, solidárias e baseadas em relacionamentos profundamente integrados com as comunidades fazem mudanças duradouras. Um exemplo é a EO (Entrepreneur’s Organization), uma comunidade feita para e por 19 mil empreendedores em 83 países, construída para ajudar líderes a irem mais longe. O fórum EO é um sistema de apoio para o sucesso. Cada indivíduo apresenta seus desafios de vida mais relevantes (os 5%) e outros membros compartilham suas próprias experiências de vida sobre como abordaram um problema semelhante.
Outro exemplo é a comunidade de aprendizagem “Decodificando o digital”, que foi projetada pela GoFW para alfabetização digital dos funcionários da CBA no Brasil. Neste caso, a cocriação de valor, a web 3.0 e as missões (inovação orientada para a missão) são a pedra angular da nossa abordagem às comunidades transformacionais.
Nela, os colaboradores aprendem genuinamente uns com os outros, experimentam tecnologias emergentes, compartilham experiências vividas, geram impacto nos negócios e prosperam sem medo de sua transformação pessoal.
A comunidade permitiu ter uma melhor noção da lacuna de competências digitais na empresa que atualmente está lançando uma segunda comunidade para aprofundar os estudos em inteligência artificial, automação de dados e suas aplicações comerciais. A comunidade, inclusive, foi premiada como exemplo de agilidade e com resultados consistentes para a CBA que figurou no Top 6 como empresa mais ágil do Brasil pela Agile Trends.
As comunidades transformadoras podem realmente acender o poder da cocriação por meio de plataformas de engajamento onde os indivíduos são incentivados e estimulados a moldar o futuro de forma colaborativa. Embora a cocriação tenha sido associada à web 2.0 e às redes sociais, a cocriação impactante só pode acontecer quando um grupo de indivíduos intencionalmente impulsiona uma mudança positiva do status quo.
Num oceano digital de desinformação, as comunidades se tornaram ilhas de confiança e florescimento, onde os indivíduos podem encapsular suas vidas em espaços seguros para experiências, mas especialmente encontrando ambientes com propósito para colaborar e prosperar em vários domínios, como saúde, educação, justiça social ou empreendedorismo de impacto.
Comunidades transformacionais por design podem ativar a agenda coletiva para o bem, amplificar experiências culturalmente enraizadas, gerar capacidades dinâmicas e implantar sistemas de governança eficazes. Alguns pensadores e estudiosos têm usado a palavra economia cívica ou economia social para descrever esse movimento.
Uma das maiores promessas das comunidades transformadoras é o (re)design institucional. Os grupos impulsionam a missão em um ambiente multidisciplinar e propício para codificar princípios, políticas e regulamentos de processos de tomada de decisão.