Especialistas falam sobre como destravar o potencial desse mercado no Brasil
As mudanças climáticas já são percebidas por todos no dia a dia. Para conter o aquecimento global e suas consequências desastrosas, a meta é de não ultrapassar o aumento de 1,5oC de temperatura até o final deste século. Isso é ambicioso, e estudos apontam que não há mais tempo a perder. “Nossa janela de oportunidades está se fechando”, analisa Jana Dallan, fundadora da Carbonext, startup que conserva cerca de 1,6 milhão de hectares de Selva Amazônica e atua com projetos de geração de créditos de carbono. E é justamente esse mercado que representa uma das ferramentas mais poderosas para conter o aquecimento global.
Para Dallan, a força do mercado de crédito de carbono se dá através de incentivos financeiros. “Há oportunidades, mas o caminho para atingir os potenciais não é simples”, pontuou ela no primeiro episódio do podcast Sustentabilidade, Inovação e Governança – O futuro das regulamentações ambientais, trilogia coproduzida por MIT Sloan Management Review Brasil e Pinheiro Neto Advogados. O tema do episódio de estreia foi O Mercado de Carbono Brasileiro: Como destravar um potencial de bilhões.
Segundo estimativa da Câmara de Comércio Internacional (ICC Brasil), esse mercado pode render US$120 bilhões até 2030 para o País. Para isso, é preciso uma regulação efetiva, que elimine gargalos e incentive a participação de investidores. “Hoje é um mercado voluntário, autorregulado”, avisa Werner Grau, sócio da área ambiental do Pinheiro Neto Advogados. Vários países já começam a ser regulados, enquanto no Brasil o Projeto de Lei no 182/2024 deve ser, em breve, estabelecido como lei, acredita ele. Entretanto, “é algo novo que precisa passar por debates”.
A maioria dos atuais projetos no Brasil é ligada à natureza. “Esse é o nosso grande potencial”, afirma Dallan. Assim, surgem soluções de conservação ou de restauro florestal, principalmente de árvores nativas degradadas e de recuperação de florestas perdidas. Além desses modelos, outro é o chamado agrofloresta, em que se equacionam várias atividades no mesmo espaço – por exemplo, parte da área dedicada para restauração florestal, outra para plantação e parte para pecuária – com o objetivo de gerar resultado econômico positivo. Grau diz que é “o detentor do direito de propriedade ou de posse que vai se movimentar de acordo com a oportunidade que ele tem, em uma conta de interesse econômico”.
No Brasil, a agricultura desponta como o setor gerador de grande interesse para estar nesse mercado. Entretanto, com o crédito de carbono atualmente em US$12, o valor ainda não é suficiente para fazer frente ao cultivo de soja, por exemplo – para chegar ao trade off-teria de estar na casa dos US$60 a US$70 –, mas já consegue bater o gado. “Com essa equiparação, é possível convencer alguns pecuaristas de que não precisam desmatar áreas porque terão o mesmo retorno com o crédito de carbono ao conservá-las”, explica Dallan.
A regulação e a postura do Estado são essenciais para o avanço do Brasil nessa questão. Espera-se que, por aqui, não aconteça o mesmo ocorrido na Indonésia. Conforme conta Grau, esse país era um endereço certo para se buscar crédito de carbono, na corrida para se tornar neutro. Entretanto, o governo local fez uma intervenção e estabeleceu uma regulamentação em que o crédito de carbono seria usado somente para cumprir suas próprias metas. Resultado: o capital fugiu da Indonésia para outros países, inclusive para o Brasil. É bom destacar que há um impacto positivo socioeconômico em todo o entorno dos projetos de crédito de carbono, como lembra Dallan, além, obviamente, de combater as mudanças climáticas.
No curto prazo, Dallan vê muitos desafios, entre eles a capacitação e o nivelamento de entendimento sobre o assunto. “O setor privado, com sua experiência relevante, tem muito a ajudar nesse curto prazo.” Além disso, é preciso melhorar o debate com atores internacionais.
No médio prazo, ela vê uma fase mais madura, com maior fluxo de informações, e mais segurança para o mercado como um todo. “Espero que já tenhamos uma regulamentação aprovada nesse período”, destaca a fundadora da Carbonext. E, então, a expectativa é por um aumento de demanda. Já para daqui a cinco ou seis anos, “vejo um mercado consolidado, com regras claras, contabilidade integrada e resolvida”, afirma ela, além de maior entrega de resultados para ajudar nas mudanças climáticas.
Para Grau, o que precisa para chegarmos aonde queremos é “estabilidade nas posturas do Estado brasileiro nas negociações”. Como grande desafio, ele vê a necessidade de clareza nos mecanismos de financiamento mundiais, providos por Estados Unidos e países europeus, para que o mercado, como um todo, cresça e se crie um círculo virtuoso.
“Não podemos olhar para a questão climática e nem para a ambiental como sendo puramente filosófica, ideológica ou idealista. A questão é de adequação de oportunidade. Para isso, tem que ter políticas de indução, que vão além de dar incentivo para quem age certo. É a política de Estado se impondo à de governo e à liberdade de mercado. A regulação é parte disso, mas não o todo”, afirma Grau.
Vale frisar que a regulação tem de ser inteligente, dando os parâmetros para os players. Se for rígida, cai num modelo de comando e controle, em que só se faz o mínimo para atender a lei. Quando bem elaborado, um mercado regulado incentiva a criatividade para gerar negócios, explorar novas tecnologias e atingir melhores resultados. Afinal, é a regulação do mercado que promove uma segurança jurídica e que tem o poder de atrair ou afugentar investidores e compradores do exterior. “O PL que está aí pode ou não cumprir esse papel”, diz Grau.
Nessa seara é fundamental também avançar em outros dois pontos: transferência de tecnologia e financiamento – e não está claro de onde virão os recursos. Porém, só assim o Brasil poderá evoluir nessa agenda e assumir um protagonismo no mundo.
O Projeto de Lei no 182/2024 [que estava em tramitação no Senado até o fechamento deste material] faz distinção entre os mercados voluntário e regulado, o que é visto com bons olhos, e cria a estrutura para o segundo, como, por exemplo, a Comissão Nacional para REDD+ (CONAREDD+), a qual tem a função de determinar as regras para o pagamento por resultados na redução de emissões de gases causadores do efeito estufa. Neste caso, o crédito de carbono vai para cobrir a meta brasileira de redução. Quem opta por ele, não recebe pelo crédito que gerou, mas pelos meios que criou para que o carbono pudesse ser mensurado (ou seja, pagamento por resultado). Já se a opção for pelo mercado voluntário, é livre para negociar a venda de seu crédito de carbono para o mundo todo.
O PL prevê o estabelecimento de metas para os emissores de gases prejudiciais. Quem emite acima de 10 mil toneladas de carbono precisa submeter os seus relatórios; e acima de 25 mil toneladas tem ainda que reduzir emissões ou compensar, podendo inclusive comprar crédito do mercado voluntário. Depois de o PL virar lei, aí virão regulamentos, o que deve levar cerca de dois anos. Enquanto isso, temos o mercado voluntário para ninguém ficar parado.