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Crédito de carbono: onde estamos e para onde vamos

Especialistas falam sobre como destravar o potencial desse mercado no Brasil

Sandra Regina da Silva
2 de julho de 2024
Crédito de carbono: onde estamos e para onde vamos
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As mudanças climáticas já são percebidas por todos no dia a dia. Para conter o aquecimento global e suas consequências desastrosas, a meta é de não ultrapassar o aumento de 1,5oC de temperatura até o final deste século. Isso é ambicioso, e estudos apontam que não há mais tempo a perder. “Nossa janela de oportunidades está se fechando”, analisa Jana Dallan, fundadora da Carbonext, startup que conserva cerca de 1,6 milhão de hectares de Selva Amazônica e atua com projetos de geração de créditos de carbono. E é justamente esse mercado que representa uma das ferramentas mais poderosas para conter o aquecimento global.

Para Dallan, a força do mercado de crédito de carbono se dá através de incentivos financeiros. “Há oportunidades, mas o caminho para atingir os potenciais não é simples”, pontuou ela no primeiro episódio do podcast Sustentabilidade, Inovação e Governança – O futuro das regulamentações ambientais, trilogia coproduzida por MIT Sloan Management Review Brasil e Pinheiro Neto Advogados. O tema do episódio de estreia foi O Mercado de Carbono Brasileiro: Como destravar um potencial de bilhões.

Segundo estimativa da Câmara de Comércio Internacional (ICC Brasil), esse mercado pode render US$120 bilhões até 2030 para o País. Para isso, é preciso uma regulação efetiva, que elimine gargalos e incentive a participação de investidores. “Hoje é um mercado voluntário, autorregulado”, avisa Werner Grau, sócio da área ambiental do Pinheiro Neto Advogados. Vários países já começam a ser regulados, enquanto no Brasil o Projeto de Lei no 182/2024 deve ser, em breve, estabelecido como lei, acredita ele. Entretanto, “é algo novo que precisa passar por debates”.

As oportunidades

A maioria dos atuais projetos no Brasil é ligada à natureza. “Esse é o nosso grande potencial”, afirma Dallan. Assim, surgem soluções de conservação ou de restauro florestal, principalmente de árvores nativas degradadas e de recuperação de florestas perdidas. Além desses modelos, outro é o chamado agrofloresta, em que se equacionam várias atividades no mesmo espaço – por exemplo, parte da área dedicada para restauração florestal, outra para plantação e parte para pecuária – com o objetivo de gerar resultado econômico positivo. Grau diz que é “o detentor do direito de propriedade ou de posse que vai se movimentar de acordo com a oportunidade que ele tem, em uma conta de interesse econômico”.

No Brasil, a agricultura desponta como o setor gerador de grande interesse para estar nesse mercado. Entretanto, com o crédito de carbono atualmente em US$12, o valor ainda não é suficiente para fazer frente ao cultivo de soja, por exemplo – para chegar ao trade off-teria de estar na casa dos US$60 a US$70 –, mas já consegue bater o gado. “Com essa equiparação, é possível convencer alguns pecuaristas de que não precisam desmatar áreas porque terão o mesmo retorno com o crédito de carbono ao conservá-las”, explica Dallan.

A regulação e a postura do Estado são essenciais para o avanço do Brasil nessa questão. Espera-se que, por aqui, não aconteça o mesmo ocorrido na Indonésia. Conforme conta Grau, esse país era um endereço certo para se buscar crédito de carbono, na corrida para se tornar neutro. Entretanto, o governo local fez uma intervenção e estabeleceu uma regulamentação em que o crédito de carbono seria usado somente para cumprir suas próprias metas. Resultado: o capital fugiu da Indonésia para outros países, inclusive para o Brasil. É bom destacar que há um impacto positivo socioeconômico em todo o entorno dos projetos de crédito de carbono, como lembra Dallan, além, obviamente, de combater as mudanças climáticas.

Do curto ao longo prazo

No curto prazo, Dallan vê muitos desafios, entre eles a capacitação e o nivelamento de entendimento sobre o assunto. “O setor privado, com sua experiência relevante, tem muito a ajudar nesse curto prazo.” Além disso, é preciso melhorar o debate com atores internacionais.

No médio prazo, ela vê uma fase mais madura, com maior fluxo de informações, e mais segurança para o mercado como um todo. “Espero que já tenhamos uma regulamentação aprovada nesse período”, destaca a fundadora da Carbonext. E, então, a expectativa é por um aumento de demanda. Já para daqui a cinco ou seis anos, “vejo um mercado consolidado, com regras claras, contabilidade integrada e resolvida”, afirma ela, além de maior entrega de resultados para ajudar nas mudanças climáticas.

Para Grau, o que precisa para chegarmos aonde queremos é “estabilidade nas posturas do Estado brasileiro nas negociações”. Como grande desafio, ele vê a necessidade de clareza nos mecanismos de financiamento mundiais, providos por Estados Unidos e países europeus, para que o mercado, como um todo, cresça e se crie um círculo virtuoso.

“Não podemos olhar para a questão climática e nem para a ambiental como sendo puramente filosófica, ideológica ou idealista. A questão é de adequação de oportunidade. Para isso, tem que ter políticas de indução, que vão além de dar incentivo para quem age certo. É a política de Estado se impondo à de governo e à liberdade de mercado. A regulação é parte disso, mas não o todo”, afirma Grau.

Vale frisar que a regulação tem de ser inteligente, dando os parâmetros para os players. Se for rígida, cai num modelo de comando e controle, em que só se faz o mínimo para atender a lei. Quando bem elaborado, um mercado regulado incentiva a criatividade para gerar negócios, explorar novas tecnologias e atingir melhores resultados. Afinal, é a regulação do mercado que promove uma segurança jurídica e que tem o poder de atrair ou afugentar investidores e compradores do exterior. “O PL que está aí pode ou não cumprir esse papel”, diz Grau.

Nessa seara é fundamental também avançar em outros dois pontos: transferência de tecnologia e financiamento – e não está claro de onde virão os recursos. Porém, só assim o Brasil poderá evoluir nessa agenda e assumir um protagonismo no mundo.

O que diz o projeto de lei

O Projeto de Lei no 182/2024 [que estava em tramitação no Senado até o fechamento deste material] faz distinção entre os mercados voluntário e regulado, o que é visto com bons olhos, e cria a estrutura para o segundo, como, por exemplo, a Comissão Nacional para REDD+ (CONAREDD+), a qual tem a função de determinar as regras para o pagamento por resultados na redução de emissões de gases causadores do efeito estufa. Neste caso, o crédito de carbono vai para cobrir a meta brasileira de redução. Quem opta por ele, não recebe pelo crédito que gerou, mas pelos meios que criou para que o carbono pudesse ser mensurado (ou seja, pagamento por resultado). Já se a opção for pelo mercado voluntário, é livre para negociar a venda de seu crédito de carbono para o mundo todo.

O PL prevê o estabelecimento de metas para os emissores de gases prejudiciais. Quem emite acima de 10 mil toneladas de carbono precisa submeter os seus relatórios; e acima de 25 mil toneladas tem ainda que reduzir emissões ou compensar, podendo inclusive comprar crédito do mercado voluntário. Depois de o PL virar lei, aí virão regulamentos, o que deve levar cerca de dois anos. Enquanto isso, temos o mercado voluntário para ninguém ficar parado.

Sandra Regina da Silva
Jornalista com 30 anos de experiência em cobertura de negócios e inovação.

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