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Cria: o nascimento de uma liderança favelada

Na esquina da desigualdade, nasce uma liderança resiliente e inovadora, forjada na realidade e no dia a dia da favela | por Lucas Lima

Líderes do Futuro
12 de julho de 2024
Cria: o nascimento de uma liderança favelada
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Antes de iniciar este artigo, que é sobre como me tornei o líder que sou hoje, devo apresentar meu percurso e como me aceitei como líder. Na minha criação e de muitas outras crianças nas periferias do Brasil, nunca fomos preparados para sermos líderes, e sim para sempre sermos liderados. A preocupação de nossos pais foi garantir a sobrevivência dos filhos em primeiro lugar e repassar essas condições para gerações futuras, sem qualquer perspectiva de crescimento pessoal e profissional. Afinal, as prioridades eram outras.

Infelizmente, nunca me coloquei num papel de liderança quando criança. Só fui me descobrir um líder quando adulto, num momento onde tive meu trabalho reconhecido e descobri meu propósito.

Prazer. Me chamo Lucas Lima, um homem negro e favelado e cria da favela do Complexo do Alemão – Rio de Janeiro, RJ. Me formei em engenharia mecânica, explorei o mundo da docência, me tornando professor, e isso me fez multiespecialista. Atuo como cientista e empreendedor, tendo meu trabalho reconhecido por instituições nacionais e internacionais, como MIT, ONU, Global Solutions e Beygood. Também atuo como embaixador do Conselho Pan-Africano no Brasil e do Startup Program Leader no Sebrae for Startups e tive a honra de ficar em primeiro lugar no ranking do prêmio Young Leaders 2023.

A partir do momento em que entramos no contexto do que é liderar, devemos compreender que a cultura por meio da qual o Brasil foi estruturado sempre renegou pessoas como eu no papel de líderes. Mesmo nos dias de hoje, não somos considerados os “perfis” da cultura das empresas ou preparados para tal cargo. Mas como consegui chegar aonde cheguei e, ao mesmo tempo, abrir caminhos para meus semelhantes, mesmo quando o mundo é contra nós?

> No contexto de um ambiente onde tudo é reprimido, me veio a seguinte reflexão: “quais habilidades para a construção de uma liderança são formadas em ambientes permeados por experiências que fogem à zona de conforto?”

O dia a dia na favela pode ser difícil, mas também é catalisador de habilidades fundamentais para a formação de lideranças. Nessa realidade, aprendemos de forma instintiva.

Três habilidades muito importantes aprendi nesta minha curta experiência mundana, à qual chamamos ‘vida’: capacidade de mentalidade digital, processos de humanização e coinovação. São elas que me possibilitaram estar, neste momento, dividindo um pouco da minha experiência.

Mentalidade digital

Mentalidade digital não é pensar na tecnologia como fim, mas como meio! No momento em que entendermos que os processos não precisam necessariamente de um hardware ou de um orçamento milionário, vamos dar um salto gigante na capacidade produtiva do país. Por isso, considero esta a primeira habilidade fundamental na formação de lideranças.

Ela sempre fez parte de mim como educador, pois a capacidade de inovar de forma contínua, estar aberto a mudanças e ser vulnerável para aprender a aprender e a vontade de viver novas experiências me possibilitaram desenvolver projetos dos quais me orgulho bastante.

É o caso do primeiro programa social da escola de programação 42|Rio, do qual participei a convite do meu amigo e referência de futurólogo Daniel Martins. Acompanhados de uma equipe maravilhosa, que contou com Nina da Hora como facilitadora, produzimos o “impulso 42”, um programa de letramento digital que visava preparar 200 jovens e adultos de favelas do Rio de Janeiro para o vestibular da instituição . O diferencial foi a identificação dos alunos com os professores – negros e periféricos -, que mostraram que é possível desenvolver tecnologia em qualquer lugar.

Humanização

A humanização deriva de duas outras habilidades: a escuta e a empatia. A partir do momento em que escutamos mais do que julgamos, conseguimos produzir projetos e espaços mais justos e humanos, onde somos capazes também de respeitar as vivências e culturas dos diferentes Brasis.

Coinovação

Esta habilidade, que bebe da colaboração, aprendi dentro da favela. Por exemplo, quando nos uníamos para subir o material de construção da vizinha ou bater uma laje, o aprendizado sempre era mais prazeroso. É a habilidade do futuro e que me trouxe até aqui.

O início da minha carreira foi marcado pelo primeiro projeto de fábrica-escola de impressoras 3D dentro da favela do Complexo do Alemão. A inovação do meu negócio não era a impressora em si, mas o processo produtivo, que era colaborativo. Eu capacitava os jovens, que geravam junto comigo uma tecnologia 100% made in favela. Minha missão era compartilhar conhecimento e avanços tecnológicos os entre irmãos e irmãs e, assim, fomentar a coinovação.

Liderança forjada pelas experiências

Nessa jornada de autodescoberta, o perfil de liderança que construí não foi moldado por livros, mas pela escola da vida nas vielas. A educação autodirigida, a sevirologia e a forma única de aprender por meio da gambiarra se misturam, em uma liderança forjada pelas experiências, e não por diplomas.

Mas não quero romantizar minha infância sofrida como combustível para eu estar aqui, nem enaltecer minhas conquistas para influenciar uma meritocracia (até porque isso não existe no Brasil).

Neste artigo, quero demonstrar minha vontade incansável de transformar este país e meu sonho de, um dia, comandar o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação e promover mudanças por meio da ciência, da tecnologia e da inovação.

O desafio agora é escapar do rótulo da exceção, participando da construção de um Brasil onde o jovem da favela não seja mais um dado das estatísticas de violência. A liderança nascida na favela não é só uma história. É uma promessa de um futuro em que as oportunidades não são determinadas pelo CEP ou pela cor, mas pelo potencial inexplorado que pulsa em cada jovem.

A gíria “”cria”” é uma expressão utilizada nas comunidades periféricas do Brasil para se referir a alguém que nasceu e foi criado nesse contexto

Artigo escrito por Lucas Lima, primeiro colocado no Prêmio Young Leaders 2023. É cria do Complexo do Alemão, professor e engenheiro mecânico, com MBA em gestão de inovação, tecnologia e empreendedorismo, educação 4.0, administração estratégica de gestão pública e design thinking e gestão de pessoas. Primeiro lugar e vencedor do Prêmio Pop da Feira de Negócios Shell Iniciativa Jovem; Top Five da Feira de Negócios Juventude Empreendedora; um dos 15 empreendedores selecionados do programa de aceleração Start Ambev; homenageado com o prêmio Parceiro das ODS; homenageado pela Beygood; TEDx speaker; membro da Rede de Líderes da Fundação Lemann; fellow Prolider; Young Leader 2022; Top 50 Global Young Changer; embaixador pelo Pacto da Juventude; mentor de startups pelo Inovenow, CEO da Infill; embaixador PAC Brazil, MIT under 35 Brazil e Startup Program Leader no Sebrae for Startups.

Líderes do Futuro
Esta coluna é assinada rotativamente por membros da Comunidade Young Leaders, que reúne finalistas do Prêmio Young Leaders e participantes do programa de formação de lideranças do Instituto Anga.

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