A luta por diversidade e inclusão faz parte da realidade de milhões de pessoas, entre elas mulheres que batalham por reconhecimento e abrem mão de cargos excelentes em defesa de reparações e liberdade
“Uma grande repercussão foi gerada após a entrevista da atriz Meghan Markle e o príncipe Harry para a apresentadora Oprah Winfrey, na última semana. O mundo parou para assistir a versão dos dois sobre a saída deles da família real britânica e o que se espera de próximos passos para esse caso.
Nessa conversa, eles falaram diversas vezes sobre o racismo sofrido por Meghan, principalmente pela mídia britânica que, com frequência, a atacou com palavras e expressões preconceituosas. Além disso, foram reveladoras as declarações do casal sobre a própria instituição Família Real ter cometido atos de preconceito. Esse foi um dos fatores decisivos que os motivaram a abdicar de seus cargos e títulos como membros seniores.
Fofocas e polêmicas à parte, o que isso tem a ver com o mundo corporativo? Vou te contar uma história fictícia, mas que poderia ser verídica, e que tenta fazer um paralelo às situações descritas por Meghan, quando ela passou a fazer parte da família real.
A história começa com Márcia, mulher, profissional com mais de 20 anos de experiência e que acaba de ser contratada como a primeira diretora negra na Empresa S/A, uma gigante do setor em que atua. A organização tem mais de 120 anos de existência e tem presença global com sua marca reconhecida como a líder do ramo. Resumindo, qualquer criancinha que olhe para seus produtos, reconhece a marca.
Márcia foi recomendada por um alto executivo e logo no primeiro dia foi recebida pessoalmente pelo presidente da empresa, que a tratou extremamente bem. Depois seu líder direto a apresentou para o time e saiu para outra reunião.
Em seu primeiro dia, Márcia, ainda perdida entre configurar sua conta de email e entender os processos e códigos de conduta da empresa, ainda tentava criar alguma primeira boa impressão em seu time e seus colegas. Como seu líder disse que não precisava de sessão de integração, e nem de onboarding do RH, pois “ela tiraria isso de letra”, ela tentou estudar, naquela noite, todos os manuais que havia conseguido baixar da intranet.
Márcia conhecia muito bem a fama que a empresa tinha no mercado: formal e bastante exigente quanto ao que se espera de seus colaboradores. Por isso, se dedicou, além do seu trabalho, a conhecer todas as regras e aprender sobre a cultura da empresa, observando também seus colegas.
Todas as interações com o presidente e com seu líder eram ótimas, mas Márcia sentia que seus pares e outros colegas sempre traziam mensagens e olhares um pouco diferentes. Em reuniões, sentia que suas ideias eram questionadas com mais frequência que a de outros colegas. Era sempre interrompida quando expunha suas opiniões e seu time, por outro lado, esperava que ela conseguisse obter as aprovações para os projetos da área e o reconhecimento pelo trabalho realizado.
Após três anos se adaptando ao cenário, quem visse Márcia em uma reunião diria que ela já era 100% Empresa S/A. Sua determinação por mostrar resultados e alcançar seus objetivos a levaram a conquistar o maior volume de vendas dos dois últimos anos e os clientes a adoravam.
Seu líder a chamou para uma conversa e Márcia já esperava a tão sonhada e merecida promoção. Ele comunicou que o outro colega havia ficado com a posição que ela queria ocupar. Qual o feedback que ela recebeu? “Que as coisas são assim na empresa e, que se ela mantivesse os bons resultados, logo surgiria outra oportunidade”.
Somado à frustração de não ter seu trabalho reconhecido e aos recorrentes episódios de microagressões por parte de seus colegas e, até mesmo clientes, Marcia estava exausta. Sentiu que não tinha mais como aguentar a situação quando, em uma reunião, um colega fez um comentário racista. Ela não exitou e conversou com seu líder que se comprometeu a protegê-la. Semanas depois, tanto o chefe quanto o time de recursos humanos não tomaram nenhuma providência.
Sem alternativa, decidiu, após uma dolorosa e profunda análise, deixar a companhia. O presidente não entendeu sua decisão e Márcia preferiu esclarecer que queria buscar novas oportunidades de carreira. Tempos depois, ouviu de uma ex-colega que também saiu da Empresa S/A que, após a saída de Márcia, vários boatos circularam nos corredores de que ela havia deixado a empresa na mão no momento mais importante do ano fiscal e ido para a concorrência.
Extremamente magoada, fez um post em uma rede social profissional, escancarando toda a história de favoritismo interno e, inclusive, os episódios de racismo que sofreu. Em menos de seis horas, mais de 50 mil pessoas já haviam comentado e compartilhado o post e milhões de pessoas foram alcançadas com sua história.
A empresa teve que mobilizar seu time de relações públicas e lançar uma nota urgente, no dia seguinte à repercussão do post: “lamentamos o ocorrido com Marcia e vamos tomar medidas sérias sobre os casos de racismo”.
O que aprendemos nessa história nada fictícia, além da necessidade de se ter um ótimo time de Comunicação que nos acuda em um momento como esses? Que é muito mais vantajoso olhar para a diversidade como benefício do que como risco.
A Empresa S/A poderia ter se beneficiado de terem uma mulher negra em um alto cargo para atrair outros profissionais negros, afinal sabemos o quão valioso e inspirador pode ser a representatividade. Poderia ter contado com a ajuda de Marcia para trabalhar melhor sua marca inclusiva e se conectar com clientes que também enxergam valor na diversidade. Poderiam ter reportado para os investidores que estavam aumentando a diversidade em cargos seniores e que implementariam um plano estruturado e sustentável, o famoso ESG (Environmental, Social, Governance).
O que vemos ainda são empresas, que assim como a Família Real Britânica, ainda não conseguem entender o quão danoso podem ser os famosos vieses inconscientes. Não acompanhar as mudanças da sociedade pode ser deixar de lado uma vantagem competitiva capaz de definir quanto tempo seu reinado ainda vai durar.
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