
Saiba o que faz pessoas terem alta dedicação e performance no trabalho, espontaneamente e de maneira sustentável, segundo a ciência – e o que líderes podem fazer para isso acontecer
Atualmente é praticamente impossível discutir gestão de pessoas e liderança sem que o tema “engajamento” seja parte relevante da conversa. É desejo de todo líder de negócios contar com colaboradores que demonstrem, de maneira consistente, que se dedicam intensa e naturalmente ao negócio. Em minhas diversas experiências, seja como executivo, seja apoiando organizações em trabalhos de planejamento estratégico e de desenvolvimento de líderes e de equipes, constato com frequência que há uma ilusão em relação a quanto, de fato, os colaboradores estão engajados no trabalho.
Não há critérios consagrados para se determinar e quantificar o grau de engajamento de colaboradores nas organizações. Diferentes instituições criaram suas metodologias para fazê-lo. Dentre elas destaco a ADP Research, que vem fazendo ao longo da última década estudos consistentes a respeito do tema, com recortes de diferentes regiões e países, sendo que o último, com dados de 2024, foi divulgado em janeiro de 2025. Esses estudos indicam que, em âmbito global, menos de 20% dos colaboradores de empresas são totalmente engajados no seu trabalho. Ou seja, mais de 80% das pessoas que integram a força de trabalho das organizações mundo afora estão, apenas, “indo trabalhar”, esperando que passem as horas do dia e os dias dos meses, para coletar seu pagamento e tocar suas vidas.
Além disso, cerca de 15% são pessoas que estão totalmente desengajadas, portanto provavelmente insatisfeitas com a organização e prontas para deixá-la na primeira oportunidade. Um cenário triste, se considerarmos que a maior parte da vida produtiva dessas pessoas acontece justamente no seu ambiente de trabalho. No Brasil, que antes da pandemia da covid-19 tinha apenas 14% dos colaboradores efetivamente engajados, os dados de 2024 mostram um cenário melhor, com este percentual atingindo surpreendentes 27% (em grande medida graças ao índice de 32% de engajamento constatado entre os colaboradores que trabalham no modo híbrido, uma mudança de hábito corporativo provocada pela pandemia que talvez mereça um aprofundamento da análise sobre seus efeitos).
Engajamento pode ser definido como “um estado emocional que permite que as pessoas apresentem sua máxima dedicação e performance no trabalho, de maneira espontânea e duradoura”. O conceito começou a receber atenção crescente dos líderes de negócios principalmente a partir do final da década de 1990 e início dos anos 2000. Embora já existissem estudos sobre motivação e satisfação no trabalho antes disso, foi nesse período que o “engajamento de colaboradores” se consolidou como foco de diversas pesquisas em gestão de pessoas e psicologia organizacional.
A globalização, as rápidas mudanças tecnológicas e a maior competitividade de mercado contribuíram para que a retenção de talentos, a produtividade e a inovação passassem a depender cada vez mais de equipes verdadeiramente engajadas.
Estudo de 2002, sobre a relação entre engajamento, desempenho e retenção de pessoas, conduzido por Frank Schmidt, James K. Harter e Theodore L. Hayes, mostrou que há uma correlação positiva clara entre o engajamento e outras métricas de negócios importantes, como satisfação e fidelidade dos clientes, lucratividade, produtividade, menores índices de acidentes e de turnover, entre outras.
A partir de 2010 o tema ganhou ainda mais visibilidade graças à disseminação de ferramentas digitais, redes sociais e novos modelos de trabalho, reforçando a ideia de que o engajamento não só melhora o desempenho, mas também fortalece a cultura organizacional e potencialmente a marca e a reputação da organização empregadora.
Outro ponto que é importante destacar, ainda que intuitivamente já fosse natural assumi-lo como verdadeiro, é que, segundo diversos trabalhos acadêmicos, entre os quais se destaca um estudo realizado em 2010 pelos psicólogos holandeses W. Shaufeli e A. Bakker, há uma relação direta entre felicidade e engajamento. O grau de engajamento das pessoas nas organizações em que trabalham é reflexo do conjunto de sentimentos que elas têm em relação a elas mesmas, às atividades que realizam e aos seus colegas de trabalho. Quanto mais positivos forem esses sentimentos, maior tende a ser seu engajamento, o que as leva a aproveitar ao máximo seu potencial e trabalhar em alta performance de forma consistente.
O grau de engajamento é reflexo do conjunto de sentimentos – positivos ou não – que as pessoas têm em relação a si mesmas, às atividades que realizam e aos seus colegas de trabalho
Portanto, é válido afirmar que engajar as pessoas no trabalho é uma maneira efetiva e objetiva de aumentar a performance e a rentabilidade do negócio, e promover maior felicidade no ambiente de trabalho é um caminho para se conquistar maior grau de engajamento. Os principais catalisadores para que isso aconteça são os líderes e gestores de pessoas, em todos os níveis hierárquicos da organização.
Inicialmente é importante compreender que felicidade é um conceito multidimensional e subjetivo, que envolve fatores biológicos, psicológicos, sociais e culturais. Por isso, pode ser percebido de maneira diferente por cada pessoa. No âmbito da neurociência, focada nos aspectos biológicos e fisiológicos relacionados com os sentimentos, a felicidade está diretamente relacionada ao atendimento de três necessidades humanas: prazer, significado e socialização. Isso envolve múltiplos processos neuroquímicos e circuitos cerebrais que interagem e se complementam, e são acionados por neurotransmissores, que são substâncias químicas produzidas e liberadas pelos neurônios com o objetivo de transmitir sinais entre eles. Esses processos neuroquímicos podem ser organizados em três grandes sistemas:
Ativado por neurotransmissores como a dopamina, endorfinas e serotonina, esse sistema envolve as áreas cerebrais núcleo accumbens, área tegmental ventral (VTA), córtex pré-frontal e hipotálamo, e é o responsável pelo “estímulo positivo” imediato que sentimos ao realizar aquilo que nos dá prazer instantâneo como, por exemplo, comer algo saboroso, vivenciar conquistas pessoais ou profissionais (no momento em que acontecem), ter interações sociais positivas, fazer um ponto bonito no tênis (esporte que pratico), comprar algo desejado, praticar sexo etc.
Tendo a dopamina como neurotransmissor-chave, esse sistema está relacionado com as regiões do cérebro núcleo accumbens, córtex pré-frontal e corpo estriado, e é ativado quando projetamos objetivos e nos engajamos em comportamentos que visam recompensas futuras, sustentando a sensação de motivação em longo prazo, diferentemente do prazer imediato do sistema anterior. Os sentimentos que melhor se associam a esse sistema são os de significado, propósito e a expectativa da conquista de algo relevante e positivo. Algumas situações típicas que podem despertar esses sentimentos são um atleta planejando objetivos e marcas a conquistar e se preparando para uma competição, no ambiente corporativo o estabelecimento de uma visão de futuro, com metas e recompensas (desde que desafiadores, mas atingíveis) e quaisquer outras situações que tragam perspectivas de conquistas futuras.
Esse sistema está relacionado à promoção de laços sociais e afetivos, aumentando a sensação de segurança, confiança e pertencimento a um grupo, e tem como neurotransmissores chave a ocitocina e a serotonina. As áreas cerebrais envolvidas são hipotálamo, amígdala, córtex cingulado anterior e córtex pré-frontal. A ocitocina, muitas vezes referida como o “hormônio do amor”, é especialmente associada ao vínculo, confiança e empatia, enquanto a serotonina contribui para uma sensação geral de equilíbrio emocional, facilitando relacionamentos mais estáveis.
Exemplos de situações que estimulam os sentimentos de vínculo e pertencimento incluem ser parte de uma equipe com objetivos ou interesses comuns, ter grupos de amigos que se reúnem com frequência, manter relações positivas e genuínas com outras pessoas da empresa, viver momentos de conexão mais profunda (celebrações conjuntas de conquistas, por exemplo), ter um grupo de jogos de cartas etc.
Ainda que a felicidade possa ser percebida de múltiplas maneiras, dependo do contexto vivido por cada pessoa, ativar de forma consistente esses três sistemas aumenta muito as chances de que a maioria dos colaboradores se sintam mais satisfeitos, motivados e conectados — estados que estão intimamente ligados ao que chamamos de “felicidade”, consequentemente aumentando também o percentual de pessoas altamente engajadas no trabalho, dada a relação direta que os estudos demonstram haver entre os sentimentos positivos e o engajamento.
NEUROTRANSMISSOR | AÇÃO NO CÉREBRO |
Dopamina | Responsável pela sensação de recompensa, prazer imediato e antecipação de algo positivo, crucial para a motivação e a busca de metas (reforça comportamentos que geram recompensas). |
Serotonina | Auxilia na regulação do humor, redução de ansiedade e manutenção de uma sensação de bem-estar. Baixos níveis de serotonina podem estar associados a estados depressivos ou ansiosos. |
Endorfinas | Endorfinas Funcionam como analgésicos naturais, reduzindo dor e promovendo bem-estar, especialmente após atividade física intensa. Ligadas à sensação de euforia após grande esforço. |
Ocitocina | Ocitocina Conhecida como o “hormônio do amor” ou do “apego”, fortalece laços sociais e afetivos. Elevados níveis de ocitocina estão ligados a maior confiança, empatia e sensação de pertencimento. |
Como a felicidade é um fator-chave para aumentar o engajamento, líderes podem criar as condições para que os sentimentos que caracterizam a felicidade sejam percebidos pelos colaboradores no trabalho. Como fazer isso?
A partir da compreensão do papel desses três sistemas neuroquímicos mencionados, há diversas frentes sobre as quais é possível trabalhar, para estimular cada um deles no ambiente de trabalho e, dessa forma, favorecer sentimentos de bem-estar e felicidade dos colaboradores.
Para sentimentos de prazer e recompensa: foco em estímulos positivos frequentes
Quando colaboradores vivenciam com frequência situações em que se sintam valorizados tanto pela organização como por seu líder, e percebam que suas habilidades são bem empregadas e reconhecidas, a liberação da dopamina, de endorfinas e de serotonina ativa seus sentimentos de prazer e de recompensa, o que gera diversas emoções positivas, imediatamente aumentando seu bem-estar e sua autoconfiança. Ter um líder que inspira, desafia e reconhece conquistas faz o colaborador alimentar esses sentimentos, com reflexo positivo direto em sua propensão a engajar-se no trabalho.
Para motivação e antecipação: foco no estabelecimento de expectativas positivas e significado
Um colaborador, ao se ver participando de forma ativa em projetos de futuro, especialmente com propósito e visão inspiradores, e sentir-se valorizado e se desenvolvendo, tem uma percepção de significado e de relevância de seu papel, e nesta situação a liberação de dopamina lhe traz sentimento de bem-estar e de motivação ante a expectativa de crescimento pessoal e de recompensas futuras relacionada ao êxito desses projetos, sejam essas recompensas materiais ou simbólicas. Um fato que corrobora esta situação é que há, segundo os diversos estudos, uma correlação positiva importante entre o colaborador perceber que suas habilidades e conhecimento estão sendo bem aproveitados no trabalho, e seu engajamento.
Para vínculo e pertencimento: foco na construção de laços e senso de pertencimento
Sentir-se parte de uma equipe coesa e trabalhando em harmonia gera sentimentos de pertencimento e de afeto, provocados pela liberação frequente de neurotransmissores como a ocitocina e a serotonina, que favorecem a sensação afeto e de segurança psicológica, tornando os colaboradores mais unidos, colaborativos e transparentes. Os estudos mostram que empresas que estimulam e aproveitam o trabalho em equipe conseguem maiores níveis de engajamento.
Na tabela abaixo seguem alguns exemplos de atividades e medidas práticas, muitas delas bastante utilizadas por organizações bem estruturadas, que merecem atenção de líderes para trabalhar sobre os três sistemas neuroquímicos mencionados:
PRAZER E RECOMPENSA ESTÍMULO POSITIVO IMEDIATO | MOTIVAÇÃO E ANTECIPAÇÃO VISÃO DE LONGO PRAZO E EXPECTATIVAS | VÍNCULO E PERTENCIMENTO CRIAÇÃO DE LAÇOS E SENSO DE INTEGRAÇÃO |
Ambiente de trabalho prazeroso Disponibilizar espaços físicos acolhedores, investindo em decoração, iluminação e espaços para pausas e convivência (lounges, cafés, áreas verdes) Cuidar da ergonomia, com móveis e equipamentos confortáveis e seguros Zelar por um clima organizacional saudável, promovendo respeito, empatia e boa comunicação, e combatendo comportamentos tóxicos | Propósito e visão inspiradores Ter propósito e visão bem definidos e inspiradores (se a empresa não tiver, criar para a própria área) Comunicar constantemente os objetivos a atingir, a importância que cada membro da equipe tem para seu atingimento Avaliar as forças e conhecimentos dos membros da equipe e zelar para que eles sejam aproveitados e assim o sintam | Relacionamentos genuínos Manter reuniões formais 1:1, para entender desafios e percepções individuais dos liderados Proporcionar momentos de descontração, com cafés informais, almoços em grupo ou pequenas atividades lúdicas que aproximem colegas Realizar programas de teambuilding com trocas de informações e de experiências entre os membros das equipes |
Reconhecimento frequente e imediato Ter o hábito de dar feedbacks constantes, especialmente para reconhecer conquistas Criar espaços de compartilhamento de conquistas (murais físicos, canais de comunicação digitais, grupos de WhatsApp etc. Celebrar pequenas vitórias sempre que possível, parabenizando publicamente colaboradores que se destacarem Abrir reuniões gerais destacando e enaltecendo conquistas individuais e do grupo | Planejamento para atingir a visão Ter e compartilhar um plano de futuro, de preferência criado com o envolvimento de todos (plano estratégico, roadmap de etapas etc.) Definir objetivos e metas individuais e/ou de equipe claras, objetivas, relevantes, desafiadoras, mas atingíveis Assegurar as condições e recursos para que os objetivos possam ser perseguidos por todos | Espaços e momentos de troca Ritos de passagem: celebrar a chegada de novos colaboradores, mudanças de função, promoções, aniversários, datas importantes Realizar eventos de confraternização, como happy hours, festas de final de ano, workshops interativos Realizar encontros e reuniões que proporcionem a integração de diferentes áreas e equipes Implantar espaços virtuais de convivência e de bate-papos formais e informais (ainda mais importante se houver equipes remotas ou híbridas) |
Recompensas frequentes Criar premiações simples, como selos de reconhecimento, troféus simbólicos Desenvolver programas de gamificação / pontos que o colaborador acumula ao contribuir em situações específicas, que depois podem ser convertidos em brindes ou experiências Oferecer bonificações pontuais, como vale-presente, dia de folga, descontos em cursos ou eventos, quando há atingimento de marcos relevantes pela equipe ou colaborador individual | Desenvolver pessoas Manter sistema de avaliação de desempenho e mapear oportunidades de desenvolvimento de competências técnicas e comportamentais Implantar programas de desenvolvimento individual, estabelecendo metas de aprendizagem e acompanhando sua evolução Oferecer treinamentos periódicos, como cursos, workshops e outras formações alinhadas às necessidades técnicas e comportamentais da área / empresa | Comunicação aberta e segura Estimular todos os níveis hierárquicos a contribuir com sugestões ou tirar dúvidas, sem medo de críticas ou retaliações Manter canais de feedback anônimos para que colaboradores enviem ideias sem se identificar, para garantir maior franqueza Fazer retrospectivas ao fim de um projeto ou ciclo relevante, para discutir o que deu certo, o que pode melhorar e lições a aplicar no futuro |
Reconhecimento Celebrar o atingimento de objetivos finais alcançados e de marcos intermediários relevantes Estabelecer premiações (financeiras ou não) vinculadas a resultados e atingimento de objetivos | Segurança psicológica Manter política de reconhecer erros honestos como oportunidades de desenvolvimento Desenvolver a inteligência emocional das equipes, fomentando a empatia e o respeito mútuo Demonstrar abertura e disponibilidade para ouvir colaboradores Ficar atendo e coibir rigorosamente jogos de poder entre membros da equipe em qualquer nível hierárquico | |
Envolvimento da equipe Sempre que possível, compartilhar informações de alto nível e discutir planos e estratégias futuras com a equipe Realizar reuniões de brainstorming sobre novos produtos, processos ou estratégias Dar oportunidade para que diferentes membros participem de iniciativas estratégicas, de acordo com suas habilidades e conhecimento Fazer rotações de papéis em projetos, dando oportunidade a diferentes membros de participar em iniciativas estratégicas | Valores coletivos Ter um código de conduta e valores corporativos ou da área e deixá-los claros para todos, com exemplos práticos inclusive Sempre que possível, desenvolver premiações e reconhecimento aos membros da equipe que apresentem comportamentos alinhados aos valores (“prêmio de empatia”, “prêmio de inovação colaborativa” etc.) Quando pertinente, desenvolver projetos de responsabilidade social ou de voluntariado, envolvendo a equipe em iniciativas que beneficiem a comunidade, reforçando o senso de propósito coletivo |
1. People At Work 2025 – Research Note 2 (Janeiro/2025) – ADP Research (Engagement - ADP Research)
2. Business-Unit-Level Relationship Between Employee Satisfaction, Employee Engagement, and Business Outcomes: A Meta-Analysis (Maio/2002) – Journal of Applied Psychology ((PDF) Business-Unit-Level Relationship Between Employee Satisfaction, Employee Engagement, and Business Outcomes: A Meta-Analysis)
3. Schaufeli, W. B., & Bakker, A. B. (2010). Defining and measuring work engagement: Bringing clarity to the concept (https://www.wilmarschaufeli.nl/publications/Schaufeli/326.pdf)