Todos os ativos digitais, não só os NFTs, estarão no blockchain no futuro próximo. A forma como armazenamos essas informações terá cada vez mais valor
Michael Hayden, ex-diretor da CIA e da NSA, disse certa vez: “Matamos pessoas com base em metadados“”. Ele fez essa observação em abril de 2014, enquanto discutia sobre programas de vigilância em massa, tanto em território americano quanto no exterior, no simpósio de relações exteriores da Universidade Johns Hopkins.
Na mesma ocasião, Hayden debateu com David Cole, professor do Centro de Direito da Universidade de Georgetown, sobre o uso de metadados na coleta de informações pessoais. Tudo em nome da segurança nacional.
Este artigo não trata da utilização de dados no combate ao terrorismo. Mas de outro assunto interligado, e mais em voga atualmente: tokens não fungíveis, já popularizados pela sigla NFT.
Imagine que você costuma conversar com um amigo ou seu filho semanalmente por telefone. As informações relacionadas ao ato de telefonar, e não o conteúdo da conversa em si, são metadados: horário da ligação, duração da chamada, o número do telefone e por aí vai.
Por isso, metadados também são chamados de metainformações. São dados sobre outros dados.
Eles têm a função de facilitar o entendimento dos relacionamentos e evidenciar a utilidade das informações dos dados. Ou seja, um item de um metadado pode informar do que se trata aquele dado numa linguagem inteligível para um computador. Praticamente todos os dispositivos digitais geram metadados a partir do uso que fazemos deles.
Quando escrevi sobre NFTs aqui, não comentei sobre a importância do armazenamento e a disponibilidade de dados. Agora, vamos detalhar e expandir a importância dos dados e metadados no contextos dos tokens não fungíveis, começando por esclarecer como se registra a transação da compra de um NFT.
NFTs já existiam antes do blockchain. Um administrador centralizado (como um site ou plataforma) era o responsável por criar “e armazenar” o identificador do registro da transação de compra e venda.
O blockchain mudou isso. Os NFTs passaram a ser registrados em uma rede descentralizada, de modo que, quando a transação de compra e venda de um token é concluída, ela é registrada e adicionada a um bloco, com carimbo de data e hora, tornando-se rastreável na rede (no caso de um blockchain público) a qualquer momento.
Além disso, quando o blockchain é realmente descentralizado, os registros do NFT baseados em blockchain são mais seguros. É mais difícil para um cibercriminoso invadir uma rede distribuída.
Coloquialmente, podemos dizer que são os metadados que fornecem a descrição de um NFT. São eles que dão as informações descritivas para um identificador de um token específico.
Como a plataforma OpenSea identifica, por exemplo, a identidade de um Cryptokittie? Como a plataforma Cryptovoxels identifica a aparência, o nome e os atributos de uma obra de arte disponibilizada em seu museu virtual?
É aí que entram os metadados. São eles que, no caso do Cryptokitties, informam o nome do gato, a imagem do gato, a descrição e quaisquer outras características adicionais.
Agora, olhemos de uma maneira mais técnica a identidade de um NFT. Ele pode ser dividido nas seguintes partes principais:
É o que identifica o NFT. Por exemplo, o CryptoPunk #2517 ou o BAYC #1597, que possuem metadados associados a ele.
Um identificador de recurso único (URI) que aponta para onde o conteúdo daquele NFT é armazenado. Pode ser site (URL), servidor centralizado, sistema de arquivos interplanetário (IPFS) ou outro protocolo de dados descentralizado.
Informações sobre descrição, nome, atributos, imagens e outros dados do NFT, que podem estar armazenadas em um servidor ou no IPFS, e são referenciadas pelo TokenURI.
Outros dados associados ao NFT, como, por exemplo, um arquivo de imagem real. Eles não são cunhados no blockchain e são armazenados em outro lugar, como servidores AWS ou em um protocolo de armazenamento de arquivos descentralizado.
Quem define onde as metainformações de um NFT serão armazenadas são os estrategistas blockchain ou os desenvolvedores. São eles os responsáveis pela decisão sobre quais metadados representar na rede blockchain (on chain) e quais metadados representar fora da cadeia (off chain).
Os benefícios de representar metadados on chain são que eles residem permanentemente com o token, persistindo além do ciclo de vida de qualquer aplicativo. Além disso, podem mudar de acordo com a lógica de negócios da rede.
É importante destacar, contudo, que a grande maioria dos projetos de NFTs armazena dados fora da rede blockchain (off chain), de maneira centralizada. Isso ocorre por causa das limitações de armazenamento atuais do Ethereum, o principal protocolo blockchain para NFTs.
Blockchains como o Ethereum são ótimos para replicar uma pequena quantidade de dados em centenas (senão milhões) de computadores em todo o mundo, mas geralmente são limitados na quantidade de capacidade de armazenamento on chain.
Como nem todas as partes do NFT são adequadas para serem armazenadas na rede blockchain, os NFTs geralmente aproveitam outras soluções de armazenamento para seus metadados. Por isso, atualmente, a maneira mais simples de armazenar esses metadados off chain é em um servidor centralizado em algum lugar ou em uma solução de armazenamento em nuvem. Mas também há desvantagens.
O maior problema do armazenamento fora do blockchain é que os metadados podem ser alterados à vontade pelo desenvolvedor responsável pelo seu armazenamento. Isso sem falar que, se o projeto ficar offline, os metadados podem desaparecer de sua fonte original e gerar contratempos, como vimos recentemente na OpenSea.
Não se trata de qualquer bobagem. A OpenSea é o maior mercado NFT na rede Ethereum e disponibiliza uma API universalmente usada por muitos outros serviços para exibir tokens aos usuários.
Por isso, nos últimos meses, a OpenSea tem causado muitos aborrecimentos, tanto a empresas como a proprietários de NFTs pelo constante tempo de inatividade em sua API. Mas por que isso acontece?
Qualquer modelo de negócio cujo principal produto ou serviço envolve a transação de ativos digitais (como no caso de um marketplace de NFTs) deve alavancar uma infraestrutura descentralizada, mais condizente com o propósito do blockchain e da Web 3.0. Não é o caso.
As imagens disponibilizadas através da API do OpenSea são hospedadas no Opensea.io (de forma centralizada). O mais indicado seria que os metadados, descritos no contrato inteligente dos NFTs, fossem armazenados de forma descentralizada.
Muitos NFTs possuem um link URL que é referenciado pelo TokenURI. Basicamente significa que o NFT diz: “”vá para este URL/site e você verá a imagem que seu NFT representa””.
Porém, uma URL pode ser facilmente alterada (mudando o ativo associado a seu NFT ou removendo completamente a imagem associada a ele). Ora, se o link (ou o que está conectado à URL) pode mudar, isso é um problema para a sua música, para sua peça de arte multimilionária, Cryptopunk, ou qualquer NFT valioso que você tenha adquirido.
É aqui que empresas e protocolos de armazenamento descentralizados como Storj, Filecoin, Pinata e Filebase, totalmente compatíveis com a infraestrutura e transmissão de dados da Web3, entram para ajudar os usuários a proteger os dados de seu NFT.
O armazenamento descentralizado (armazenamento em nuvem que não depende de nenhuma entidade centralizada) está se tornando cada vez mais importante nesta era de pirataria e vigilância em larga escala. Sistemas descentralizados são mais robustos, seguros e resistentes à censura.
Um sistema de armazenamento de arquivos distribuído (descentralizado), como o IPFS, pode ajudar, por meio de um identificador de conteúdo único (CID)
. O CID transforma os metadados do NFT em um identificador único (hash), em vez de um link URL referenciado pelo TokenURI.
Em resumo, o IPFS possibilita que os metadados do NFT sejam hospedados em computadores espalhados por todo o mundo, de forma que o arquivo seja replicado em muitos locais. Isso garante que os metadados sejam imutáveis e persistam ao longo do tempo, pois o identificador de conteúdo (CID) do NFT pode ser usado para recuperar os dados do NFT (imagens, vídeos, etc.).
Daí, se em algum momento os dados referenciados pelo CID forem alterados, o proprietário do NFT poderá perceber que a imagem foi adulterada. Mas, como os participantes da rede IPFS não são naturalmente incentivados a armazenar dados, é bom lembrar que se ninguém estiver fazendo isso, eles podem ser perdidos.
O armazenamento descentralizado é uma camada chave da infraestrutura Web3 e irá lentamente corroer as margens dos provedores da infraestrutura de internet existentes (Web2).
A adoção de soluções de armazenamento descentralizado ainda está em seu estágio inicial. Um facilitador podem ser as “CeDeStor” (Centralized Decentralized Storage), empresas como a Coinbase, que já estão tornando o uso da tecnologia Web3 mais palatável, com interfaces limpas ou agrupando os vários serviços em um só.
Todos os ativos digitais, não só os NFTs, se moverão inevitavelmente, e num futuro próximo, para o blockchain. Então a forma como armazenamos essas valiosas informações ganha cada vez mais importância.
Os dados e metadados associados aos tokens e seu armazenamento da maneira descentralizada são parte integrante da proposta de valor dos NFTs. Qualquer um que deseje empreender nesse cenário deve considerar tais fatores, seja sob o olhar de um investidor, seja sob a ótica dos usuários dos tokens não-fungíveis. “