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Gerando impacto na prática

Através da sigla ESG, ou de conceito semelhante, as ações sustentáveis de inovação social ganham destaque se forem inseridas, de maneira prática, nos valores e propósitos organizacionais; avaliações extensivas e metodológicas qualificam a execução dos projetos

João Souza
30 de julho de 2024
Gerando impacto na prática
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“Já aconteceu com vocês de encontrar um termo ou conceito em inglês do campo da inovação social e, ao pesquisar o significado, descobrir que aquilo já é aplicado em todas as etapas do seu negócio? Há algum tempo venho me deparando com alguns artigos sobre environmental, social and corporate governance, o famoso ESG (ambiental, social e governança corporativa, em português), e de como as empresas estão correndo para adotar tais práticas em suas estruturas corporativas.

Pois bem, o ESG é uma série de métricas e ações que buscam potencializar compromissos com sustentabilidade dentro de uma organização. O objetivo é evidenciar relações econômicas, sociais e ambientais sustentáveis no território no qual a organização está inserida, dialogando internamente com governanças corporativas e com as práticas diárias com stakeholders.

Um fato é que: esses três pilares devem ser integrados e trabalhados em cada decisão de uma organização.

Desde o início, os valores e propósito do Fa.Vela, organização da qual sou cofundador, são guiados por questões de raça, gênero e território. Essa proposta prática naturalmente impacta na forma como encaramos todas as etapas de um novo projeto, bem como de uma contratação, do uso do nosso espaço físico ou na manutenção institucional da organização.

Na prática com nossos empreendedores

Em 2018, lançamos o projeto “Fa.Vela Resiliente”, criado com o ideal de promover a inclusão e o desenvolvimento econômico resiliente em comunidades de baixa renda em situação de vulnerabilidade socioambiental. O projeto buscou fortalecer os laços entre indústria e comunidade, por meio do ensino de habilidades para 30 moradores de favelas. Essas habilidades são necessárias, por exemplo, para prosperar seus negócios e projetos de maneira sustentável e reduzir as vulnerabilidades socioambientais das comunidades afetadas e dos arredores.

Compreender essa resiliência significou entender (1) as condições e dinâmicas de desenvolvimento na localidade, (2) a relação entre os moradores, (3) a forma como interagem com as instituições da região; assim como entre a comunidade e o ambiente social, econômico e ambiental em que vivem. Quando decidimos que este projeto iria aumentar a resiliência de uma localidade, partimos para uma avaliação extensiva do seu contexto, que orientou as formas nas quais as intervenções e atividades seriam realizadas.

Criamos essa esfera metodológica que abarcou pilares fundamentais para a nossa lógica como organização: a conexão entre pessoas, territórios e como engajar os empreendedores dentro de cada iniciativa, buscando melhores práticas de gestão que assegurassem sustentabilidade econômica e ambiental.

Na prática com o Fa.Vela

Internamente, essa lógica da busca pelas melhores práticas sociais, ambientais e de governança nunca existiu. A busca nunca existiu porque essas práticas já eram instintivas. Estavam no nosso DNA. Em cada brainstorming de qualquer novo passo, contratação e execução de algum projeto, essas três letrinhas já estavam no nosso discurso em sua essência.

O Fundo de Aceleração para o Desenvolvimento Vela nasceu desse instinto. Somos uma iniciativa liderada por empreendedora/es sociais negras/os, LGBTQIAP+ e periférica/os, que protagonizam a geração de soluções aos seus desafios.

Diante da nossa trajetória pessoal e profissional, a organização nasceu do nosso descontentamento com a indústria do desenvolvimento e ecossistema de empreendedorismo de impacto. Identificamos que iniciativas existentes não eram efetivas no seu potencial de transformação e reproduziam, muitas vezes, uma lógica colonizadora, sem o devido protagonismo e representatividade das vivências dos “”problemas”” aos quais visavam solucionar, justamente nos campos sociais, territoriais e sociais.

Observando os nossos pares, vimos a educação empreendedora em linguagem acessível e inclusiva como um caminho, diante do grande número de empreendedores formais e informais que dinamizam a economia local de territórios vulnerabilizados, e que não acessam oportunidades de desenvolvimento das suas habilidades.

Esse olhar nos fez debruçar sobre aspectos importantes como estrutura de gestão, responsabilidades corporativas e relações com nossos colaboradores para que esta engrenagem não enferruje ou engastalhe. Fazemos isso por meio de reuniões com lideranças de setores, checkpoints mensais com a equipe para apresentar o desenvolvimento institucional e benefícios, por exemplo.

Não pense, faça!

Toda a diretoria é formada por pessoas negras e com suas trajetórias de vida na favela e periferias. Nossa equipe técnica também é composta majoritariamente por pessoas negras, LGBTQIAP+ e periféricas. Isso facilita muito nosso trabalho e diálogos com os públicos atendidos, tendo em vista que não é um exercício de empatia, mas sim um diálogo muito horizontalizado e que se reflete em todas as nossas atividades e perspectivas de trabalho.

Para uma organização que nasceu das vivências de quem empreende sob alto grau de vulnerabilidade, como a comunidade LGBTQIAP+, pessoas negras e mulheres, esse tema reacende nosso dever institucional de promover uma cultura de diversidade e acolhimento dentro e fora do nosso BARRA.CO, nome da nossa sede.

Como é isso em números? 100% das pessoas em cargos de lideranças hoje no Fa.Vela são pessoas negras. Sabemos que a população brasileira negra corresponde a 56%, somando negros e pardos pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estáticas (IBGE), no quando se olha para os cargos de liderança das 500 maiores empresas do país, os negros somam apenas 4,7%, segundo dados do Instituto Ethos divulgado pelo portal UOL. No geral, entre os funcionários da nossa organização, o número chega a 82,3% da equipe composta por pessoas negras.

Seis das setes pessoas em cargos de liderança são mulheres. Somando com todos os colaboradores, esta estatística chega a 76,4%. As mulheres ocupavam, em 2019, 37,4% dos cargos gerenciais e recebiam apenas 77,7% do rendimento dos homens, segundo a pesquisa “Estatísticas de gênero: indicadores sociais das mulheres no Brasil”, divulgada em 2021 pelo IBGE.

A pauta LGBTQIAP+ também é presente. Hoje, nossa organização conta com cerca de 44% dos colaboradores que se identificam como LGBTQIAP+ e se sentem seguros em falar sobre isso, porém sabemos que esta não é a realidade de muitos negócios. Fatidicamente, muitas pessoas desta comunidade deparam-se com a violência e marginalização no mercado de trabalho e o mundo corporativo, extensão da cultura machista e LGBTQIAP+fóbica do Brasil.

Para o Fa.Vela, a diversidade – seja de raça, gênero e orientação sexual – é uma dimensão para a inclusão e a inovação social. Desde a contratação de pessoal até a abertura de nossos projetos, há o olhar cuidadoso para com nossos públicos. É sobre abraçar as diferenças e reconhecer as possibilidades de futuros que podemos criar juntes e para todes.

Aqui, usamos esses procedimentos para reduzir os riscos e desigualdades. A fim de mitigar em antecipação, a responder rapidamente e eficientemente às eventuais mudanças no sentido ambiental, social e de governança. E isso nos garante uma afirmação dos nossos valores e princípios discutidos desde a primeira reunião dos cofundadores do Fa.Vela, em 2014, no Morro do Papagaio, um dos maiores aglomerados de Minas Gerais. E aí, como seu negócio faz e mensura o impacto nessas esferas?

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João Souza
Futurista negro, head da plataforma de inovação social Futuros Inclusivos, é empreendedor social reconhecido pela rede global Ashoka. É sócio e diretor-presidente do FA.VELA, um hub de inovação social, aprendizagem inclusiva e empreendedorismo que atua na aceleração de pessoas, territórios e negócios, fundado em 2014.

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