Há dois aprendizados urgentes para cada um de nós: um em relação aos negócios, envolvendo liderança e mérito, e outro em relação à natureza
Nós, humanos, dominamos a tecnologia. Não faz muito que descobrimos algoritmos de inteligência artificial (IA), demos características humanoides aos aglomerados de alumínio e silício, descobrimos o poder das células-tronco, conquistamos o entendimento das bases da computação quântica. Estamos dando um espetáculo. Quem tem tempo para conversar com as árvores?
Alheia a todo esse burburinho criativo, a natureza goteja, geração a geração, a seiva da diversidade genética para proteger o seu bem mais precioso: a vida. Do seu ponto de vista, as tecnologias, as ciências, as filosofias e tudo o mais que decorre da espécie humana é apenas mais um grão que ela faz germinar, em diligente silêncio, na terra fértil da evolução.
A dualidade decorrente desses hemisférios de luz e sombra, dada de um lado pela claridade da imaginação humana, e de outro pelos vestígios da seleção natural, lembra um tanto os conceitos do taoísmo – o yin e o yang. Como união de opostos, a passividade do universo diante das atribulações humanas abre espaço para que deste convívio tudo surja e a ele tudo se destine.
A simbologia taoísta bem serve para ilustrar a tormenta que cada um de nós, dentre as oito bilhões de pessoas que ocupam o planeta, enfrenta, porquanto cada indivíduo carrega o seu próprio universo e o seu próprio humano – o passivo e o ativo que habitam em nós. De um lado, as representações do mundo e do outro as interpretações sobre nosso papel ali. Precisamos canalizar esse embate para o equilíbrio. É a luta privada entre o bem e o mal, entre o belo e o não belo, entre o verdadeiro e o falso.
No hipotético mundo das máquinas com a leveza do alumínio, envelopadas por tecido vivo produzido por células-tronco, com algoritmos sofisticados de IA e com processamento quântico, estaremos diante de entidades criadas à nossa imagem e semelhança. Seremos, enfim, deuses? Ou seremos escravos de nossa obra? Ou ainda, será que seremos ignorados por ela ao ponto de termos que mendigar por aquilo que nos é necessário?
Vivemos essa particular época em que os nossos discursos sobre as tendências de negócios incluem a perspectiva da relevância. Agora há pouco falávamos de abandonar o foco de produtos e colocar o foco nos clientes, a tal customer-centricity. Diante da revolução analítica, descobrimos que não bastava colocar o cliente no centro da operação, era preciso causar boas experiências, o que chamamos de customer experience. E já há pouco descobrimos que o principal instrumento para proporcionar boas experiências, a IA, precisa ser reencaminhado para o campo da IA centrada em humanos (“Human-centric AI”).
No centro de todos esses conceitos, dá-se o acontecimento do tao que cada cliente, cada fornecedor, cada parceiro, cada talento e cada observador vivência. É o sistema dinâmico dos fluidos motivacionais que define as escolhas entre a passividade de quem observa ou a atividade de quem atua. Não importa se você é cliente, colaborador vinculado ao negócio, parceiro ou fornecedor; na essência, você é o que flui dessa tormenta de sentimentos e emoções do tao que faz você ser o que é e como é.
As tormentas individuais, que caracterizam nossas escolhas de ser desta ou daquela maneira no mundo , provocam tormentas de dimensão global, que se traduzem em urgências políticas, sociais, ambientais, econômicas, científicas e culturais, nem sempre conciliáveis. E ali, à margem desse turbilhão, alheia às nossas atribulações, a natureza mantém o pulso do anseio da vida pela vida.
Tal situação traduz-se em alguns dados que deveriam nos fazer pensar. O site Statista dispõe de alguns dados que dão a dimensão de nossa influência no mundo:
– Em 2018, quase 37 bilhões de toneladas métricas de dióxido de carbono foram emitidas.
– Em 2019, a geração global de lixo eletrônico totalizou 53,6 milhões de toneladas cúbicas. É a categoria de resíduos que mais cresce mundialmente. Em 2030, as projeções mostram que este tipo de lixo pode chegar a quase 80 milhões de toneladas cúbicas.
– O consumo mundial de cobre, indispensável para a indústria tecnológica e eletroeletrônica, é bastante alto e a demanda coloca pressão considerável nas reservas mundiais, que estão diminuindo. E embora o cobre seja totalmente reciclável, grande parte do cobre extraído ao longo da história ainda está em uso.
– O World Resources Institute informa que em 2019, a perda de floresta primária foi 2,8% maior do que no ano anterior e permaneceu teimosamente alta nas últimas duas décadas, apesar dos esforços para interromper o desmatamento.
– Talvez o dado mais sensível, entretanto, diz respeito ao número de pessoas afetados pela depressão. Segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde), contabiliza-se quase 265 milhões de pessoas no mundo com sintomas de tristeza persistente e falta de interesse em qualquer atividade.
Deveríamos colocar o aprendizado em dois recipientes distintos: o dos negócios e da nossa relação com a natureza.
Com relação ao ambiente de negócios, precisamos ampliar o nosso conceito de experiência. Já tratei disso em outro artigo, quando aludi ao conceito de total experience. O núcleo desta perspectiva precisa ser a experiência humana, não importando o papel que cada indivíduo desempenha nas relações com as entidades públicas ou privadas.
É preciso tratar esse ecossistema desde o entendimento de que o foco do tao de cada um de nós é distinto e constantemente recalibrado. A experiência humana é efeito de todas as partes envolvidas: cliente, colaborador que interage com o cliente, parceiro que interage com o colaborador, fornecedor que interage com colaborador, analista que interage com clientes e colaboradores etc.
Abordar os negócios considerando a essencialidade dos valores humanos – mediada pelas escolhas entre ser passivo ou ativo diante de qualquer evento –, pode instaurar a bonança em meio às tormentas de todos que se relacionam com empresas de alguma maneira. Mas não vou me alongar, apenas vale lembrar que isso impõe a revisão dos conceitos de liderança, mérito e missão.
Com relação à natureza, precisamos facilitar as coisas. Nossa impetuosidade para reafirmar continuamente o nosso poder sobre tudo precisa dialogar com a compreensão de que, no campo da experiência humana, nós e o mundo natural nos encaixamos como o yin e o yang. É necessário sentir esse tao comum até mesmo no modo de respirar.
A experiência humana só nos encontra quando compreendemos que nós e a natureza somos partes de uma unidade, aquilo que proporciona a bonança em meio às tormentas. Não quero dizer que precisamos abraçar árvores, mas é preciso vê-las com olhos de quem sabe que, mesmo ali, os verdadeiros deuses estão presentes.”