Nem sempre a transição do piloto para a aplicação em larga escala dá certo – mas o modelo Flywheel pode ser uma solução
Você provavelmente já ouviu falar de hospitais, clínicas ou prestadores de serviços de saúde que testam soluções digitais baseadas em inteligência artificial (IA). O primeiro passo, normalmente, é a prototipação dessas soluções em um ambiente controlado e de escopo restrito, na forma de um projeto piloto.
Na saúde, essa etapa é crucial para o ciclo de adoção de IA, pois viabiliza a validação de hipóteses e a medição de resultados antes de uma implementação em larga escala.
Prototipar em ambientes controlados permite a desenvolvedores, empresas, profissionais de saúde e outros stakeholders identificar problemas, ajustar algoritmos e assegurar que as soluções atendam a necessidades clínicas específicas, gerando valor prático e real para a instituição.
No Brasil e no exterior, muitos usos de IA ainda se limitam a ambientes de testes ou têm escopos bastante restritos, sendo frequentemente descontinuados devido aos desafios de implementação em um cenário real.
Embora muitas soluções de IA funcionem bem em ambientes controlados, quando colocadas em produção, elas frequentemente apresentam baixa performance e poucos resultados. Portanto, transitar da fase do estudo piloto para aplicação em larga escala continua sendo um grande desafio no setor de saúde.
Apesar dos benefícios da prototipação, muitas soluções de IA em saúde permanecem restritas a ambientes de testes, incapazes de passar para uma adoção mais ampla. Os principais problemas são:
Cerca de 97% dos dados de saúde deixam de ser utilizados por não serem estruturados, incluindo os de exames de imagem e registros médicos. A falta de dados estruturados de qualidade é uma barreira significativa para o treinamento eficaz de modelos de IA.
A incorporação de novas tecnologias em sistemas de saúde existentes pode ser complexa e cara. Tarefas administrativas consomem até 70% do tempo dos profissionais do setor, e estima-se que cerca de 15% das horas de trabalho atuais em saúde possam ser automatizadas. Portanto, a transição para sistemas automatizados é um processo complexo e muitas vezes demorado.
Em 2023, foram registrados 725 grandes vazamentos de dados na área de saúde, um aumento significativo em relação aos anos anteriores. O custo médio de um vazamento de dados de saúde atingiu seu maior nível neste ano, chegando a quase US$ 11 milhões, um aumento de 53% desde 2020.
Garantir a segurança e privacidade dos dados de saúde é complexo, especialmente em um ambiente com regulamentações rígidas e pela natureza sensível dos dados.
Sem um modelo claro para orientar a transição do protótipo para a produção, muitas soluções de IA em saúde nunca chegam à fase de adoção em larga escala. Além disso, 56% dos executivos de TI do setor citam a integração como o maior desafio para a adoção de IA.
Diante dos desafios enfrentados na adoção em larga escala de IA, qual modelo pode ser eficaz para fechar essa lacuna? O modelo Flywheel, desenvolvido por Jim Collins, surge como uma solução promissora, oferecendo um caminho interativo e incremental para criar um ciclo virtuoso, de forma prática e sustentável.
Esse modelo fornece uma estrutura clara e repetível para desenvolvimento e escalabilidade. Em vez de buscar grandes resultados imediatos, promove um progresso constante e incremental, sendo cada etapa projetada para alavancar a anterior, criando um ciclo contínuo de aprimoramento e expansão.
Para ilustrar a eficácia do Flywheel, considere o caso da detecção de achados incidentais em tomografias computadorizadas (TC) de pulmão em um hospital de grande porte. O uso do modelo Flywheel neste contexto pode ser detalhado da seguinte forma:
A transição da prototipação para a adoção em larga escala de soluções de IA na saúde apresenta desafios complexos, incluindo a qualidade e disponibilidade dos dados, a integração com sistemas existentes, a segurança e a privacidade, além da ausência de frameworks estruturados. Contudo, o modelo Flywheel, com seu enfoque iterativo e incremental, oferece uma abordagem prática e sustentável para enfrentar esses obstáculos.
Ao adotar o modelo Flywheel, as organizações de saúde podem garantir que suas soluções de IA não apenas avancem da fase de protótipo para a prática, mas também se revelem eficazes e escaláveis em ambientes reais.
O ciclo contínuo de aprimoramento e expansão promovido pelo Flywheel permite que cada etapa do processo construa sobre a anterior, criando um impulso constante que facilita o crescimento e a geração de valor.
O caso prático de detecção de achados incidentais em TC de tórax demonstra a aplicação bem-sucedida do Flywheel. Desde a identificação do caso de uso e coleta de dados até a validação, implantação e monitoramento contínuo, o modelo Flywheel assegura não só a eficiência e eficácia das soluções de IA, mas também a conformidade com os regulamentos de segurança e a proteção dos dados dos pacientes.
*Artigo escrito em parceria com Jacques Chicourel, executivo sênior da área de saúde digital e IA e vice-coordenador da comissão de startups e scale-ups do IBGC (Instituto Brasileiro de Governança Corporativa).
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