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IA na saúde: muitos protótipos, pouco resultado. Como superar esse desafio?

Nem sempre a transição do piloto para a aplicação em larga escala dá certo – mas o modelo Flywheel pode ser uma solução

Gustavo Meirelles
IA na saúde: muitos protótipos, pouco resultado. Como superar esse desafio?
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Você provavelmente já ouviu falar de hospitais, clínicas ou prestadores de serviços de saúde que testam soluções digitais baseadas em inteligência artificial (IA). O primeiro passo, normalmente, é a prototipação dessas soluções em um ambiente controlado e de escopo restrito, na forma de um projeto piloto. 

Na saúde, essa etapa é crucial para o ciclo de adoção de IA, pois viabiliza a validação de hipóteses e a medição de resultados antes de uma implementação em larga escala. 

Prototipar em ambientes controlados permite a desenvolvedores, empresas, profissionais de saúde e outros stakeholders identificar problemas, ajustar algoritmos e assegurar que as soluções atendam a necessidades clínicas específicas, gerando valor prático e real para a instituição.

No Brasil e no exterior, muitos usos de IA ainda se limitam a ambientes de testes ou têm escopos bastante restritos, sendo frequentemente descontinuados devido aos desafios de implementação em um cenário real. 

Embora muitas soluções de IA funcionem bem em ambientes controlados, quando colocadas em produção, elas frequentemente apresentam baixa performance e poucos resultados. Portanto, transitar da fase do estudo piloto para aplicação em larga escala continua sendo um grande desafio no setor de saúde.

O gap entre o protótipo de IA e a adoção em larga escala

Apesar dos benefícios da prototipação, muitas soluções de IA em saúde permanecem restritas a ambientes de testes, incapazes de passar para uma adoção mais ampla. Os principais problemas são:

Qualidade e disponibilidade dos dados

Cerca de 97% dos dados de saúde deixam de ser utilizados por não serem estruturados, incluindo os de exames de imagem e registros médicos. A falta de dados estruturados de qualidade é uma barreira significativa para o treinamento eficaz de modelos de IA.​  

Integração complexa

A incorporação de novas tecnologias em sistemas de saúde existentes pode ser complexa e cara. Tarefas administrativas consomem até 70% do tempo dos profissionais do setor, e estima-se que cerca de 15% das horas de trabalho atuais em saúde possam ser automatizadas. Portanto, a transição para sistemas automatizados é um processo complexo e muitas vezes demorado. ​ 

Segurança e privacidade 

Em 2023, foram registrados 725 grandes vazamentos de dados na área de saúde, um aumento significativo em relação aos anos anteriores. O custo médio de um vazamento de dados de saúde atingiu seu maior nível neste ano, chegando a quase US$ 11 milhões, um aumento de 53% desde 2020​. 

Garantir a segurança e privacidade dos dados de saúde é complexo, especialmente em um ambiente com regulamentações rígidas e pela natureza sensível dos dados. 

Falta de frameworks estruturados para IA

Sem um modelo claro para orientar a transição do protótipo para a produção, muitas soluções de IA em saúde nunca chegam à fase de adoção em larga escala. Além disso, 56% dos executivos de TI do setor citam a integração como o maior desafio para a adoção de IA​.

Caso prático – Modelo Flywheel

Diante dos desafios enfrentados na adoção em larga escala de IA, qual modelo pode ser eficaz para fechar essa lacuna? O modelo Flywheel, desenvolvido por Jim Collins, surge como uma solução promissora, oferecendo um caminho interativo e incremental para criar um ciclo virtuoso, de forma prática e sustentável.

Por que o Flywheel é eficaz?

Esse modelo fornece uma estrutura clara e repetível para desenvolvimento e escalabilidade. Em vez de buscar grandes resultados imediatos, promove um progresso constante e incremental, sendo cada etapa projetada para alavancar a anterior, criando um ciclo contínuo de aprimoramento e expansão. 

Aplicação prática

Para ilustrar a eficácia do Flywheel, considere o caso da detecção de achados incidentais em tomografias computadorizadas (TC) de pulmão em um hospital de grande porte. O uso do modelo Flywheel neste contexto pode ser detalhado da seguinte forma:

 Identificação do caso de uso e fontes de dados

  • Escolha do caso de uso: selecionamos a detecção de achados incidentais em tomografias (TC) de tórax como foco principal. Esse caso é particularmente relevante devido à alta incidência de achados incidentais que podem indicar doenças graves, como o câncer de pulmão.
  • Coleta de dados: reunimos um conjunto de dados de alta qualidade provenientes dos exames de TC de tórax. Esse conjunto incluiu imagens de alta resolução e dados clínicos de acompanhamento. Todos os dados foram anonimizados para garantir a privacidade dos pacientes.

Transformação do dado

  • Pré-processamento: convertendo as imagens de tomografia computadorizada (TC) para formatos adequados aos algoritmos de IA, realizamos normalização das imagens, remoção de artefatos e segmentação das áreas de interesse.
  • Anotação de dados: radiologistas anotaram manualmente as imagens para identificar achados incidentais. Essas anotações serviram como base para o treinamento dos modelos de IA.

Treinamento de modelos de IA

  • Modelagem: utilizamos algoritmos de aprendizado profundo (deep learning) para treinar modelos que puderam detectar achados incidentais nas TC de tórax. Redes neurais convolucionais foram amplamente empregadas para essa tarefa devido à sua eficácia no processamento de imagens.
  • Validação cruzada: implementamos técnicas de validação cruzada para assegurar que os modelos não estavam super ajustados (overfitting) e que poderiam generalizar bem para novos dados.

Validação e Implantação

  • Teste em ambientes reais: implementamos o modelo em um ambiente clínico de teste para avaliar seu desempenho em condições reais. Essa fase envolveu a análise detalhada da precisão, sensibilidade e especificidade do modelo, garantindo que ele funcionasse efetivamente no cenário clínico.
  • Garantia de qualidade e conformidade: realizamos uma verificação minuciosa para assegurar que o modelo atendia a todos os requisitos regulatórios e de conformidade. Além disso, garantimos a segurança e a privacidade dos dados dos pacientes, estabelecendo critérios de aceitação rigorosos para o modelo.

Feedback e atualização contínua

  • Monitoramento Contínuo: monitoramos continuamente o desempenho do modelo e coletamos feedback dos radiologistas e outros profissionais de saúde que utilizavam a ferramenta durante seis meses. Esse processo envolveu a análise de métricas de desempenho e a avaliação da usabilidade do modelo no ambiente clínico.
  • Aprimoramento: utilizamos o feedback coletado para realizar ajustes e melhorias no modelo. Isso incluiu a atualização do conjunto de dados de treinamento com novos dados relevantes, a modificação dos algoritmos para melhorar a precisão e a introdução de novas funcionalidades para atender melhor às necessidades dos usuários.

Conclusão

A transição da prototipação para a adoção em larga escala de soluções de IA na saúde apresenta desafios complexos, incluindo a qualidade e disponibilidade dos dados, a integração com sistemas existentes, a segurança e a privacidade, além da ausência de frameworks estruturados. Contudo, o modelo Flywheel, com seu enfoque iterativo e incremental, oferece uma abordagem prática e sustentável para enfrentar esses obstáculos.

Ao adotar o modelo Flywheel, as organizações de saúde podem garantir que suas soluções de IA não apenas avancem da fase de protótipo para a prática, mas também se revelem eficazes e escaláveis em ambientes reais. 

O ciclo contínuo de aprimoramento e expansão promovido pelo Flywheel permite que cada etapa do processo construa sobre a anterior, criando um impulso constante que facilita o crescimento e a geração de valor.

O caso prático de detecção de achados incidentais em TC de tórax demonstra a aplicação bem-sucedida do Flywheel. Desde a identificação do caso de uso e coleta de dados até a validação, implantação e monitoramento contínuo, o modelo Flywheel assegura não só a eficiência e eficácia das soluções de IA, mas também a conformidade com os regulamentos de segurança e a proteção dos dados dos pacientes.

*Artigo escrito em parceria com Jacques Chicourel, executivo sênior da área de saúde digital e IA e vice-coordenador da comissão de startups e scale-ups do IBGC (Instituto Brasileiro de Governança Corporativa).

Gustavo Meirelles
É fundador, investidor e conselheiro de startups, principalmente na área da saúde. Médico radiologista, com especialização, doutorado e pós-doutorado no Brasil e no exterior. Tem experiência como executivo de grandes empresas de saúde, com MBA em gestão empresarial. Mais informações em: www.gustavomeirelles.com.

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