Diretora da Accenture para Indústria de Seguros no Brasil diz que, nesse mercado, “o consumidor, quer um produto realmente personalizado”
De um lado, proporciona mutabilidade de serviços e produtos customizados. De outro, traz acesso em tempo real a dados e facilita o controle de riscos. Antes mesmo de decolar, o open insurance (também chamado de sistema aberto de seguros) já mostra que é capaz de conciliar os principais interesses do ecossistema segurador. Mas os desafios são variados.
A troca de dados entre corretoras, insurtechs e outras entidades autorizadas pela Superintendência de Seguros Privados (Susep) requer uma abordagem inédita. Além de correr contra o tempo para atender ao escopo regulatório, as seguradoras precisam aprimorar a experiência do cliente. É assim que a Accenture Brasil considera potencializar a atuação em mercados de nicho e fomentar parcerias entre os diversos participantes.
Na entrevista a seguir, Karen Abe, diretora responsável pela área de seguros da multinacional de consultoria de gestão, fala mais sobre as mudanças necessárias para aproveitar o melhor do open insurance.
MIT Sloan Management Review Brasil: O mercado tem se preparado para a abertura de dados e a integração de sistemas no mercado de seguros. Mas o que muda na prática?
Karen Abe: O open insurance muda as regras do jogo. As entidades mais tradicionais poderão encontrar novas formas de monetização. E a própria reguladora (Susep) fará o controle dessas receitas. As insurtechs terão a oportunidade de oferecer serviços para corretoras. Por exemplo, quando temos a informação de que a família do consumidor conta com cinco notebooks em casa, surge uma oportunidade. É possível propor uma composição na apólice do seguro residencial para incluir a proteção de equipamentos eletrônicos e dispositivos móveis. É preciso lembrar que as seguradoras nem sempre contam com um portfólio completo. A parceria possível a partir do open insurance transforma a concorrência em cooperação.
As seguradoras precisam atender ao escopo regulatório. Mas devem abrir os olhos para aproveitar as oportunidades. Quais são os principais desafios em decorrência do open insurance?
A transformação de sistemas legados tem sido o calo das seguradoras. Os prazos também são desafiadores. No open banking, as etapas foram estendidas por causa da complexidade. Talvez aconteça o mesmo com o open insurance. Também existem dificuldades do ponto de vista estratégico, pois estamos falando de uma indústria com produtos, em geral, tradicionais. Outro desafio é a comunicação. No modelo brasileiro, a comercialização é quase sempre realizada por intermédio do banco ou do corretor. O desafio das seguradoras é entender quem é o cliente final e marcar presença. Todo mundo conhece o Itaú, o Santander, o Banco do Brasil. Mas poucos conhecem o nome das corretoras. É um terreno a ser explorado. Isso não significa invasão de privacidade, hoje temos uma série de aparelhos de monitoramento. Mas falar de dispositivos que detalham o comportamento do cliente é intimidador. Os dados precisam ser usados a favor do consumidor, e a contrapartida deve ficar clara. É importante saber como utilizar essas informações com responsabilidade.
Como acompanhar o ritmo acelerado das fases de implementação do open insurance sem deixar a inovação de lado?
Mantendo um olho no peixe e outro no gato. Não basta se preocupar com o regulamento. O open insurance exige uma mudança de mindset. Algo que também dialoga com a estratégia. Ações mais imediatas envolvem posicionamento de marca, por exemplo. É importante conquistar a confiança do consumidor, trabalhar a ideia do compartilhamento de dados. O próprio corretor também merece atenção, eles precisam receber o melhor suporte em termos de ferramentas e informações. Mas existem mais exigências no processo de adaptação. A primeira envolve a mudança de foco. É comum pensar que o cliente é o corretor. Na verdade, é o consumidor final. O segundo ponto tem a ver com o salto tecnológico: o data analytics tem que estar pronto para performar com qualidade. Mas precisamos tomar cuidado, não podemos nos espelhar no telemarketing, o cliente não quer uma chuva de campanhas sem sentido. Ele quer um produto realmente personalizado. A indústria precisa lembrar disso.
O open insurance é fator decisivo para as seguradoras mostrarem seu diferencial. Qual é a relevância desse movimento para o consumidor?
Ele ganha tempo. O open insurance aproveita informações que já estão disponíveis. Você não precisa se preocupar com nada. Preencher um formulário gigantesco pode ser uma experiência assustadora, algumas seguradoras chegam a perguntar para qual time você torce (risos)! Com o open finance, as corretoras podem conhecer o básico sobre o cliente antes mesmo de entrar em contato. Se alguém compra com frequência do Mercado Livre ou no iFood, por exemplo, a seguradora também pode se perguntar se vale a pena se conectar a esse pedaço da jornada. Com o open insurance, o seguro aparece de uma forma mais fluida na vida das pessoas. A experiência tende a melhorar bastante.
Podemos fazer uma comparação entre a chegada do sistema de seguros abertos e a disrupção causada pelo open banking?
Os bancos oferecem, tradicionalmente, “”produtos de prateleira””. Cartões de crédito, conta corrente, linhas de crédito. Não foge muito disso. O open banking acabou aumentando a competitividade. Só que isso não acontece com o open insurance. A possibilidade de colaboração é muito maior, o que resulta em uma melhor experiência. As insurtechs estão revolucionando o mercado de seguros, e a parceria com esses negócios fortalece o trabalho das seguradoras. Além disso, as pesquisas da Accenture mostram que o cliente está disposto a pagar mais por um serviço melhor. Com o open insurance, ampliamos as possibilidades de contato com o cliente. Ajudamos as pessoas a resolver problemas reais, que fazem parte do cotidiano.
Proposta digital, programa de fidelidade e portfólio amplo e flexível são algumas das preferências emergentes do consumidor brasileiro de seguros. O que explica essa tendência?
Nossa expectativa mudou. Empresas como Amazon, Google e Apple subiram a régua da experiência. Hoje, fazemos as coisas de forma mais descomplicada. O anseio por fidelidade e flexibilidade foi transferido para o mundo financeiro. O open insurance não é uma imposição dos players do mercado nem uma exigência regulatória, é uma demanda que parte dos consumidores. Precisamos nos perguntar o que as pessoas querem e precisam, o foco não pode se limitar às receitas e aos resultados. No Brasil, o desafio é ainda maior. Temos mais smartphones do que a maioria dos países, o que também é uma oportunidade. As gerações mais novas são mais pragmáticas. Não se apegam tanto ao material. Antigamente, comprar um carro era sinônimo de independência. Será que isso ainda faz sentido? O que eu posso fazer de diferente para acompanhar a evolução de motivações e expectativas? Essas são as perguntas que precisam ser feitas.”