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O futuro dos contratos inteligentes e blockchain no mercado financeiro
A evolução dos ativos virtuais e da tecnologia blockchain tem transformado profundamente o mercado financeiro global. No Brasil, o Banco Central (BC) e a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) têm desempenhado um papel crucial na regulamentação desse setor, buscando equilibrar inovação e segurança. Essa regulamentação, somada ao avanço de iniciativas como o Drex, a moeda digital brasileira, e à expansão da tokenização, destaca o potencial do blockchain no mercado financeiro e de capitais.
“A participação na era dos ativos digitais não é uma opção – é inevitável”, conforme destaca o Global Blockchain Survey, da Deloitte. Esse estudo de 2021 apontou que 97% das instituições do setor financeiro veem blockchain e ativos digitais como uma maneira de ganhar vantagem competitiva.
“Tecnologias como blockchain, inteligência artificial, internet das coisas (IoT) vão mudar a nossa vida e toda a dinâmica de valor. E talvez nem percebamos porque vamos usá-las de modo natural. Mas isso vai impactar do agro aos mercados imobiliário, financeiro, corporativo…”, avalia Regina Pedroso, fundadora e diretora executiva da Associação Brasileira de Empresas Tokenizadoras e Blockchain (ABToken). Para ela, a conexão dessas tecnologias é o casamento perfeito. “Vamos fechar um ciclo de transformação digital que mudará a forma como fazemos negócio, como lidamos com dinheiro e com os ativos”.
O blockchain, definido como um “grande livro-razão” que registra transações de forma rastreável e irreversível, está no centro dessas inovações. Além de ser a base para a utilização de smart contracts (contratos inteligentes), ele oferece segurança, eficiência e redução de custos operacionais.
Tatiana Guazzelli, sócia do escritório Pinheiro Neto Advogados e especialista em direito empresarial com foco nos mercados financeiro, de capitais e de criptoativos, pontua que a tecnologia está sendo usada para “reduzir a quantidade de intermediários e redefinir os papéis dos participantes no mercado, sem comprometer a regulação nem a prevenção à lavagem de dinheiro”.
Pedroso ressalta o papel do blockchain na prevenção de crimes: “Um tema muito importante diz respeito à prevenção à lavagem de dinheiro e ao financiamento do terrorismo. O blockchain é muito seguro; tem uma característica marcante que é a rastreabilidade”, comenta.
No entanto, desafios permanecem, incluindo a necessidade de adaptação regulatória e a transição de empresas que atuam sem amarras para um ambiente regulado. Para Guazzelli, é essencial um período de transição gradual, para evitar que as regras “matem a inovação”.
A tokenização de ativos permite transformar direitos ou bens em tokens digitais registrados em blockchain, democratizando o acesso ao mercado de capitais. Já é possível negociar tokens de recebíveis, como recebíveis de cartões de crédito, em plataformas reguladas. No entanto, a expansão desse mercado exige ajustes na regulamentação atual para maximizar os benefícios do blockchain.
“A tokenização é o futuro”, enfatiza Guazzelli. Ela acredita que, com o avanço de tecnologias, incluindo o Drex, o acesso a produtos tokenizados será integrado aos sistemas financeiros tradicionais, tornando o processo tão simples quanto fazer um Pix.
Pedroso concorda: “É uma analogia importante em termos de velocidade e simplicidade de operação. Processos que num banco levavam dias, por exemplo, em plataformas tokenizadas levam minutos, porque todos os processos operacionais já foram condensados e programados dentro de um token, nos contratos inteligentes.”
Sobre o Drex, Pedroso destaca sua capacidade de utilizar contratos inteligentes para autoexecutar processos. “Em termos de mercado financeiro, o Drex vai trazer uma dinâmica muito grande no que se refere a crédito e garantias, além de uma diversidade de oportunidades em investimentos.”
O Drex é visto como uma ferramenta-chave para ampliar o uso de ativos virtuais. Construído com base em blockchain, ele possibilitará transações mais eficientes e seguras, integrando-se a contratos inteligentes para facilitar investimentos em produtos tokenizados. Segundo Guazzelli, “o Drex elimina a necessidade de converter reais em stablecoins para acessar produtos tokenizados, simplificando o processo para investidores”.
No entanto, um dos maiores desafios do Drex é a proteção de dados e a privacidade. O Banco Central busca uma solução que equilibre transparência e confidencialidade, permitindo que apenas as partes relevantes visualizem as transações. Superar esse obstáculo será crucial para o lançamento do Drex, que promete revolucionar o mercado financeiro brasileiro.
As vantagens da adoção de blockchain e ativos virtuais são diversas:
Entretanto, os desafios também são significativos:
Apesar disso, Guazzelli é otimista com o futuro: “Vejo uma convergência entre o mercado tradicional e o novo mercado. A tecnologia blockchain será invisível para o usuário final, mas essencial para a eficiência e segurança dos produtos financeiros.”
Em artigo publicado na MIT Sloan Management Review, Mary Lacity, diretora do Blockchain Center of Excellence no Sam M. Walton College of Business da University of Arkansas, e Remko Van Hoek, diretor executivo do CSCMP Supply Chain Hall of Fame, destacaram que, apesar das dúvidas sobre investimentos em blockchain, executivos têm sido alertados sobre o potencial disruptivo dessa tecnologia para os modelos de negócio, com a desintermediação de terceiros.
Portanto, o futuro dos ativos virtuais e do blockchain no Brasil é promissor, com potencial para transformar profundamente o mercado financeiro, integrando inovação, segurança e acessibilidade para todos.
Mas em qual estágio está o arcabouço regulatório para que os ativos virtuais deslanchem no Brasil? A Lei 14.478/2022, que entrou em vigor em 2023, estabeleceu a base para regulamentação dos ativos virtuais no Brasil, definindo-os como representações digitais de ativos usados para pagamento ou investimento.
“Uma das grandes vantagens dessa lei é que ela não regulamenta a tecnologia em si, mas a prestação de serviços relacionados aos ativos virtuais”, explica Guazzelli.
Por um lado, o Banco Central lidera a regulamentação de prestadores de serviços de ativos virtuais, incluindo exchanges e custodiantes. Três consultas públicas (de números 109, 110 e 111) lançadas abordam desde autorização para funcionamento até a atuação no mercado de câmbio.
Por outro lado, a CVM está ajustando suas normas para acomodar a tokenização de ativos no mercado de capitais, uma tendência crescente que amplia o acesso de investidores a produtos financeiros. Guazzelli ressalta: “A tokenização permite fracionar ativos, tornando-os mais acessíveis e eficientes tanto para investidores quanto para tomadores de recursos.”
Pedroso, da ABToken, destaca que tanto a CVM quanto o BC têm sido protagonistas no desenho do cenário regulatório atual. “O esforço tem sido grande, um esforço colaborativo junto com o mercado, com entidades de classe, com empresas.” A expectativa é colher, de todo esse esforço, a democratização do acesso a investimentos e crédito, com maior oferta no mercado. “Para a população, é preciso investir em educação financeira, para aumentar a escalabilidade dos efeitos da tokenização. Já os ganhos estão na velocidade das transações, na performance e na redução de custos operacionais”, conclui.
O artigo foi produzido por Sandra Regina da Silva.