A maneira mais efetiva de respeitar e abraçar a diversidade em sua empresa talvez seja filosofar sobre ela
Certos debates são complexos. Por exemplo, como conceber uma definição para mulher que não seja, de alguma maneira, criticada em razão de esquecer alguma dimensão de preconceitos? Como falar da mulher quando não se é mulher? Como divisá-la quando o respeito às diferenças de gênero se encontra na pauta geral do mundo? E se pudéssemos concebê-la de alguma forma por um critério irretocável, como poderíamos ajudar a esclarecer a necessidade de empoderá-la ao modo que faça sentido a ela propriamente, sem correr o risco de desconsiderar o apelo semelhante das minorias sociais?
Há muito que a caracterização (ou distinção) oferecida pela biologia já não parece suficiente para conceber o _gênero_. Falar de macho e fêmea na esfera da diversidade humana, em todas as suas sutilezas comportamentais, é insuficiente e, sobretudo, grosseiro.
Devemos propor essa pergunta de modo recorrente: o que define o feminino? Decerto que usar critérios baseados nas características genitais não representa necessariamente o caráter do feminino. Tal aspecto se manifesta por afeições, preferências, comportamentos, predisposições e vontades que não exigem este ou aquele _sexo_. O feminino simplesmente sabe que é feminino muito antes de quaisquer determinações preconcebidas. O feminino sabe que _é_ _como é_ até quando não alcança a imediata concordância dos outros.
Para aqueles que se denominam homens, entes masculinos, machos na condição de primata, que cheiram à testosterona, o esforço em compreender o feminino, longe das instintivas predisposições de relacionamento, é sempre relegado ao plano da tradição – concepções historicamente construídas segundo a estreita observação biológica. O masculino antevê o feminino pela justa fresta das exigências inatas e observa a si mesmo através dessa mesma fenda.
O feminino, em suas combinações sutis, em seus arranjos que adornam o ser humano com cores variadas, revigora o tema da diversidade. Dessa perspectiva, qualquer estereotipia, à luz da liberdade que todo e qualquer ser humano almeja, é estreitamento da compreensão. O tema da liberdade não debate apenas o urgente e necessário empoderamento feminino. A matéria faz referência a todas as prisões decorrentes dos juízos preconceituosos que coíbem a expressão de outras minorias sociais. Tais prisões ultrapassam a restrição física (a liberdade de ir e vir); incluem prisões psicológicas, ideológicas, as prisões dos credos e das opiniões. Assim que julgar pela lente de qualquer conceito que previamente esqueceu de considerar, a liberdade de ser de qualquer forma é julgar a hipótese antes da prova. Isso vale para o feminino tanto quanto vale para outras minorias.
Porém, ao refletir sobre o feminino, torna-se inevitável abordar temas como violência contra a mulher, a coerção pela submissão, a desconsideração dos direitos, a escuta seletiva, a difamação e outras derivações. Mas se a diversidade nos coloca desafios para determinar esse _ser feminino,_ como deveríamos tratar dessa especificidade objetiva como “violência contra a mulher” ou “desconsideração dos direitos das mulheres” sem tratar da violência e do desrespeito aos direitos cometidos contra o socialmente diverso? Acaso poderíamos abordar esses temas sem falar primeiro em _igualdade_?
Talvez a questão seja mais ampla, uma questão que antecede tudo o que já foi perguntado aqui. A questão primordial precisa abarcar tudo o que advém da falta de respeito com qualquer gênero, com qualquer matiz do feminino. Para formulá-la, precisamos tomar necessariamente o tema da _igualdade_ como ponto de partida.
Pressupor a igualdade como fundamento primeiro dessa ponderação significa admitir que desigualdade de direitos, de oportunidades, de valores, de respeito e outras que se possam pensar é sempre fruto dos preconceitos. Não há qualquer razão que justifique esquecer a igualdade de direitos para qualquer ser humano. Ninguém merece ser tratado de maneira desigual, não importa sua identidade de gênero, sua cor ou seu credo. Contudo, não se trata meramente de oferecer tratamento igualitário e, sim, de, _a priori_, compreender que não há razão para sequer ser necessário pensar em tratamento igualitário. Isso deveria ser natural. Se é que cabe definir de que modo devemos tratar este ou aquele gênero, então o que nos resta é admitir que o único tratamento adequado é aquele que considera qualquer indivíduo de qualquer gênero um ser humano. Não é possível que em pleno século 21 ainda estejamos de caso com discussões que se dirijam a categorias que sucedem a única categoria que importa – o ser humano.
Admitindo-se que não há outra possibilidade senão a _igualdade_ como fundamento, então tudo o que acontece depois disso se dá em função da liberdade que cada um de nós usa para ser ao modo que simplesmente se é. Se, após fundamentarmos nosso debate na igualdade, viermos a recorrer à liberdade para criar uma categoria aquém do humano, categorias de gênero, raça, credo ou qualquer outra, todas essas categorias deverão essencialmente herdar a igualdade considerada irretorquível.
Assim que o empoderamento feminino não trata apenas do empoderamento feminino, mas, sim, da concessão de poder para todas as categorias derivadas daquela de onde elas, as categorias, se originam – o ser humano. Tomando o empoderamento feminino como inspiração, convém também lutar para empoderar os homossexuais, os humildes, os afrodescendentes, os indígenas, os portadores de deficiências, os imigrantes e outras minorias sociais. O empoderamento, este que tanto se faz necessário e urgente, é aquele que devolve a liberdade de ser o que se é para o fundamento de ser igual em direito de ser. Não há outra razão para dar poder a quem não o tem senão em respeito à essência de ser igual.
É possível que toda essa filosofia seja sempre e toda vez insuficiente, pois temos dificuldade de cedermos lugar à razão quando o que se movimenta no núcleo da alma humana é o primata que habita em cada um de nós. Sim. Cedemos muito facilmente àquilo que reside fora da razão; cedemos muito rapidamente aos instintos; cedemos muito mais rapidamente ao receio de que, ao respeitarmos a igualdade de todos, alguém não respeite a nossa. Porque assim é a condição humana: somos reféns de um binômio incontornável, o binômio do instinto e da inefabilidade. No cativeiro dessas duas dimensões, ali onde a palavra apropriada se ausenta, ali todas as outras são insuficientes, só cabem mesmo os grunhidos pitecantrópicos. E no grito nada se resolve.