Alguns gestores fizeram as ferramentas digitais de muleta. Só que precisamos de líderes com foco na conexão humana
Há 130 anos, um joalheiro chamado Willard Bundy transformou o mundo da gestão: ele inventou o relógio de ponto.
Era uma consequência natural daqueles tempos. A gestão havia impulsionado o industrialismo (e vice-versa). Sem a gestão, não havia como coordenar a mão de obra, garantir que o trabalho fosse feito e assegurar a qualidade. A gestão não só funcionou para conter os custos do nosso mais caro insumo (o trabalho) como criou um regime de comando-e-controle que permitiu aumentar a produtividade e a qualidade.
Então chegou Frederick Taylor, que levou as coisas para outro patamar. Ele foi a Madame Curie da gestão industrial. Seu trabalho pioneiro na administração científica criou um movimento que perdura até hoje. A teoria é simples: com uma prancheta e um cronômetro, é possível medir e melhorar o desempenho dos funcionários.
Obviamente, o grande passo seguinte foram as ferramentas digitais, vistas pelos gestores como uma dádiva. Primeiro, digitalizaram o relógio de ponto, mas esse foi só o começo. Hoje já é possível monitorar o percurso do vigia noturno, o ritmo de digitação da equipe jurídica e a produtividade da linha de montagem. Não só temos uma transparência instantânea sobre o trabalho executado, mas a qualquer momento podemos puxar os dados para gerenciar as pessoas ainda mais de perto.
Na agência de notícias Bloomberg, todos usam crachás. Cada crachá é conectado ao sistema de gestão interna e, agora, os funcionários do escritório são avaliados tão precisamente quanto os operários da linha de montagem.
Porém, uma revolução está ocorrendo. Na mesma medida em que nosso insight se aprimorou, a necessidade de mais gestão rapidamente diminuiu. O próximo passo depois de converter o trabalho em um algoritmo eficiente é automatizá-lo e substituí-lo por um computador que trabalha de graça.
DUAS ARMADILHAS DIGITAIS
Existem duas armadilhas que enganam aqueles que veem na gestão digital uma dádiva.
Primeiro, é mais fácil do que nunca fazer o teste A/B. As ferramentas digitais nos permitem passar bastante tempo comparando uma abordagem com a outra. O teste A/B encoraja passos pequenos, não grandes. É um teste seguro. E nos permite passar o dia entrando em estado de negação em vez de assumir responsabilidade por erros cometidos.
Em segundo lugar, é mais fácil permanecer ocupado. O gestor pode se ocupar com cada funcionário várias vezes por dia. Slack, e-mails e videoconferências significam que o chefe “consciente” está gerenciando de modo itinerante, como escreve Tom Peters. O desafio está no fato de que todo esse deslocamento virtual nos distrai dos assuntos reais.
Daqui em diante, o futuro pertence aos líderes, não aos gestores. A gestão é uma atividade industrial. Em muitos aspectos, facilita o nivelamento por baixo. Ao gerenciar com cuidado, chefes podem reduzir os custos inexoravelmente. O problema do nivelamento por baixo é que você pode chegar a um nível bem baixo.
A Amazon e as demais empresas da internet demonstraram que a política de redução de custos favorece o intermediário monopolista, não a empresa que produz muito ou o motorista de Uber. Os competidores estão tentando passar na sua frente, e esse esforço é medido em termos de produtividade – portanto, em custos.
O teste A/B é uma armadilha porque nos afasta do teste A/J. O teste A/B é um caminho assintótico rumo a um ponto máximo. Não deixa espaço para alternativas mais extremas ou para avanços, se compararmos o método A com algo bem diferente, que chamaremos randomicamente de método J. Este é muito mais difícil de medir digitalmente, e assim, em nossa obsessão por dados métricos, nós o descartamos.
E o fato de estarmos permanentemente ocupados é uma armadilha, pois nos leva a acreditar que agregamos valor. O dia passado em tarefas digitais é excitante, cansativo e extremamente niilista.
É verdade que o seu negócio não está no piloto automático – é você que dirige. Mas o que você não está fazendo é descobrir novos rumos. Não está incentivando sua equipe a avançar, nem inventando um novo jogo. Em vez disso, está jogando o jogo dos outros.
A ARTE DA PERSUASÃO
Liderar é a arte de fazer coisas das quais você não tem certeza, e de fazê–las com engajamento e não com autoridade. A liderança costuma ser associada à gestão, mas são maneiras completamente diferentes de despender tempo e energia.
A gestão é um exercício de poder. Não funciona sem autoridade, porque os gestores dizem às pessoas o que fazer. A gestão eficiente exige conhecimento do trabalho a ser feito, consciência das melhores práticas e, provavelmente, cronômetro.
Por outro lado, a liderança é voluntária. Quem te segue deve estar engajado em sua jornada e convicto em seguir (e contribuir para) a sua visão. Portanto, a gestão digital pode começar pela eliminação de tudo que é considerado “lixo” ou supérfluo, o que facilita muito a parte da gestão. Mas o Slack e o e-mail não tornam sua liderança mais fácil. Na verdade, a mudança de tom talvez deixe as pessoas que trabalham com você um tanto confusas.
Agora, a presença intensificada que as ferramentas digitais criam para os líderes pode amplificar o empenho que os líderes sagazes colocam no trabalho. Do mesmo modo que o ex-presidente dos EUA Franklin D. Roosevelt utilizou o rádio para engajar todo o país em seu esforço de dez anos para sair da Grande Depressão, o líder moderno pode utilizar o carisma digital para delinear sua visão, descrever suas metas e agregar pessoas à sua empreitada.
O carisma digital não se parece com a gestão, e requer canais alternativos. Canais humanos. Canais que exigem se mostrar, e não se esconder atrás de um sistema.
Quem vê você, e quem você vê em contrapartida? O que significa, para aqueles que estão na sua jornada, escutar você, e, dada a natureza assimétrica da liderança (há mais deles do que de você), o que você pode fazer para escutá-los?
Podemos aprender bastante com a maneira como os líderes culturais modernos do Instagram e do Facebook utilizam suas plataformas, embora devamos evitar alguns de seus hábitos. Eles mudaram o mundo da moda, da política e muitos outros. Não porque as pessoas sejam obrigadas a segui-los ou a difundir suas ideias, mas porque escolheram fazê-lo.
Em 1983, como jovem gerente de marca da Spinnaker Software em Cambridge, Massachusetts, iniciei uma das primeiras newsletters da história publicadas a partir de um computador desktop. Imprimi 60 exemplares de uma só vez (em papel amarelo) e coloquei uma cópia na mesa de cada pessoa da nossa pequena companhia em crescimento. Na época, ninguém se reportava a mim. Eu não gerenciava ninguém. Ao salientar a essência dos projetos em que estava trabalhando, ao destacar nossos colaboradores e ao criar uma narrativa que alguns acharam convincente, fui capaz, por meio dessas newsletters, de liderar uma equipe de 40 programadores, músicos, artistas e profissionais de operações. Nenhum deles precisou escolher me seguir, mas todos o fizeram.
Mais cedo ou mais tarde, qualquer trabalho importante se torna uma escolha. Eu me refiro à escolha de colocar algo a mais no projeto, de se importar o bastante para ir além. Na Spinnaker, a escolha era ainda mais óbvia: eu não só devia convencer as pessoas a trabalhar nos meus projetos em detrimento de outras coisas que exigissem sua atenção, mas precisava descrever uma visão e um caminho que pudesse levar à sua realização.
Acabamos por entregar cinco produtos em tempo recorde, todos fizeram sucesso e representaram parte significativa das vendas da empresa. No entanto, o mais importante para mim e a equipe foi que estávamos nos sentindo como parte de algo, avançando e explorando, em vez de simplesmente sendo gerenciados. Mudamos o mundo dos softwares de jogos, descobrimos o quanto éramos capazes e achamos uma atividade que valia o empenho que lhe dedicávamos.
Eu nunca poderia ter obtido um resultado tão extraordinário se tivesse gerenciado esse grupo de profissionais sobre os quais tinha pouca autoridade. A liderança foi a única maneira de conseguir isso.
A gestão é essencial, mas no final das contas é uma maneira de se esconder. As ferramentas atuais abrem as portas para os líderes de amanhã, desde que escolhamos melhorar as coisas fazendo coisas melhores.