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Líderes, quebrem as regras do que pode ser dito!

A confiança, o engajamento e o desempenho não melhoram? Isso tem a ver mais com a comunicação dos líderes do que você imagina. E três movimentos podem mudar o rumo das coisas

Jim Detert
Jim Detert
Líderes, quebrem as regras do que pode ser dito!
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Aqui estão algumas coisas que você não pode dizer em seu trabalho, eu aposto. Não importa o quanto você acredite nelas e o quanto elas afetem sua motivação, engajamento ou capacidade de tomar boas decisões estratégicas:

  • “Não me sinto motivado a trabalhar mais ou inovar diante do fato que você e seus chefes recebem a maior parte do crédito e todo o dinheiro do bônus.”
  • “O engajamento dos funcionários é baixo porque os principais líderes não são confiáveis ou respeitados e nada que possa ser levado a sério é feito sobre isso.”
  • “Não posso tomar boas decisões a menos que você e seus chefes sejam mais transparentes com detalhes financeiros ou estratégicos.”
  • “Acho que estamos crescendo e ganhando dinheiro suficiente agora.”

Da mesma forma, se você é um líder sênior, aposto que teria dificuldade dar uma resposta produtiva se ouvisse qualquer uma das frases acima. Você ficaria muito surpreso que alguém lhe dissesse isso.

Por que isso acontece?

O PODER DAS REGRAS TÁCITAS

Esses tipos de comentários violam o que chamo de “regras tácitas” que existem na maioria das organizações. Regras tácitas refletem o entendimento implícito do que não pode ser dito, mesmo nos lugares que têm, ao menos na superfície, uma certa segurança psicológica. Essa forma de poder oculto afeta o bem-estar da maioria das pessoas e, em muitos casos, acaba prejudicando até mesmo os líderes que aparentemente se beneficiam disso.

Deixe-me explicar.

Líderes ainda lutam para tornar as organizações mais democráticas no sentido de uma comunicação verdadeiramente “plena e livre, independentemente da posição e do poder”.

Venho estudando como melhorar a comunicação organizacional há 25 anos, com foco em ajudar os líderes a criarem segurança psicológica e os funcionários a falarem com competência e coragem. Durante meu programa de doutorado em Harvard, fui inspirado por Warren Bennis e queria fazer uma de suas previsões se tornar realidade. Bennis, junto com Philip Slater, dizia, há 60 anos, o seguinte:

“A democracia em um setor de atividade não é uma concepção idealista, mas uma dura necessidade. … A democracia é … um sistema de valores e crenças que regem o comportamento, incluindo comunicação plena e livre, independentemente de posição e poder. … Mudanças nesses fatores estão sendo amplamente promovidas nas empresas americanas.”

Essa declaração foi feita pela primeira vez há 60 anos e, hoje, os líderes em meus trabalhos de consultoria continuam a se debater com questões de comunicação relacionadas a tornar as organizações mais democráticas no sentido de uma “comunicação plena e livre, independentemente de posição e poder”. Curiosamente, quanto ao engajamento dos funcionários, a pesquisa anual do Gallup sobre esse tópico mostra apenas uma melhora modesta nas últimas duas décadas, com algo entre um quinto e um terço de todos os funcionários pesquisados em 2023 se declarando engajados no trabalho.

De novo, a pergunta: por que isso acontece?

Eu pelo menos não acho que seja porque a maioria dos líderes queira acumular poder em benefício próprio. Não intencionalmente. Ao contrário: muitos se esforçam para tornar o mundo melhor, e tenho visto o esforço de um grande número para melhorar a segurança psicológica em todos os níveis. O obstáculo são as regras tácitas da organização, tão profundas que nunca são explicitadas e, coletivamente, deixamos que permaneçam inalteradas.

COMO FUNCIONAM AS REGRAS TÁCITAS

A maior parte do que é dito em uma organização não desafia a estrutura central de poder ou aqueles com mais privilégios. Por conta das regras tácitas. E isso, eu acredito, é uma das principais razões pelas quais, apesar de muito debate executivo sobre a confiança dos funcionários na liderança, seu comprometimento ou estruturas de remuneração, esses fatores – e o desempenho organizacional – continuam a decepcionar. Para ilustrar as regras tácitas, vamos examinar alguns exemplos.

A maior parte do que é dito no trabalho não desafia a estrutura central de poder nem os privilegiados. Isso explica a falta de confiança dos liderados n. liderança e seu baixo engajamento – e o desempenho continua a decepcionar.

Não estou sugerindo que as declarações da coluna da direita, voltadas para a melhoria, não sirvam para nada. Eles são razoáveis e podem agregar valor. O que tais declarações não costumam fazer, porém, é abordar as razões mais importantes ou urgentes pelas quais os funcionários não estão engajados ou porque decisões abaixo do ideal continuam sendo tomadas.

Em segundo lugar, não estou dizendo que raramente ouvimos as declarações da esquerda porque elas são explicitamente proibidas ou sempre severamente punidas. Regras tácitas, como forma de poder, são principalmente sobre o que não acontece – elas sufocam ideias antes mesmo de estas serem expressas.

_Regras tácitas são sobre o que não acontece; elas sufocam ideias antes mesmo que estas sejam expressas

Uma vez que existam regras ocultas impedindo a maioria das conversas sobre o propósito de uma organização, estrutura de poder, remuneração e benefícios, e erros de liderança, os funcionários entendem a mensagem: comentar sobre essas coisa está fora dos limites aceitáveis. Então, eles se autocensuram e mantêm a boca fechada.

Na vida real, nem funcionários nem gestores costumam pensar nisso como uma forma de poder se manifestando/impondo. Ao menos até que alguma “violação” das regras aconteça. Então, infelizmente, o instinto da gestão muitas vezes é extinguir a violação, em vez de explorar ou aceitar a necessidade de mudanças profundas.

Pense na questão do trabalho em casa que começou durante a pandemia, mas continua a ser muito contestada. Em muitos lugares, quando os funcionários dizem que querem continuar trabalhando em casa porque sua cultura de escritório é tóxica ou que se sentem esmagados, eles são recebidos com ameaças de demissão, em vez de uma discussão séria sobre o que seria necessário para tornar o local de trabalho mais saudável. Quando confrontados com a chance de realmente considerar o que esse movimento de pedidos de demissão (que ficou conhecido como “great resignation”) revelou, alguns líderes optaram por dizer aos funcionários que tomassem cuidado com a “grande dispensa de pessoal” que viria assim que as condições macroeconômicas mudassem.

Na maioria das organizações – inclusive a minha – a história e a cultura significam que certas declarações atraem reações negativas e automáticas. E temo que isso esteja piorando porque vivemos em um mundo em que a linguagem é usada como arma para encerrar discussões sérias assim que alguém se sente ameaçado. Por exemplo, nos EUA, tudo o que você precisa fazer para acabar com uma discussão séria sobre alguns aspectos de nosso sistema capitalista é chamar o orador de “esquerdista” ou “comunista”. Conversa encerrada. Regras tácitas mantidas intactas.

PARA IMPULSIONAR A MUDANÇA, TRÊS PASSOS

O que você pode fazer para mudar a situação em sua organização? Para começar, as pessoas com mais poder devem assumir a liderança dessa mudança. Esperar que as pessoas abaixo de você coloquem o pescoço mais para fora não é apenas injusto, não é realista. As pessoas podem não gostar das regras tácitas que vivenciam, mas a maioria não se sente segura ou encorajada o suficiente para começar a desafiá-las.

Aqui estão algumas técnicas, ou “ganchos”, para estabelecer uma conversação que recomendo em meu trabalho. Os líderes me disseram que essas abordagens levaram a conversas surpreendentemente francas e altamente valiosas com colegas sobre questões que ambos os lados concordaram que deveriam ser tratadas, eliminadas ou corrigidas.

  1. Discuta o indiscutível.

Reúna um grupo de pessoas dentro da organização com quem você tem um relacionamento estabelecido e diga a elas que, para se envolver em algum pensamento inovador, você gostaria que elas respondessem a esta pergunta: quais temas indiscutíveis discutiríamos se decidíssemos discutir nossos indiscutíveis?

Você pode perguntar isso genericamente ou anexá-lo a um problema específico adicionando “sobre …” até o final da pergunta.

Essa pergunta, que aprendi com o professor da Harvard Business School, Chris Argyris, cai bem porque interpõe um pouco de leveza, essencialmente reconhecendo que você sabe que está pedindo às pessoas que digam o que parecia indizível.

2. Corrija as loucuras.

Outro gancho que funciona muito bem é pedir às pessoas que falem sobre as loucuras da organização, explicando que uma “loucura” é algo que a organização diz que quer ou valoriza apenas para fazer ou recompensar o oposto. Tudo o que você precisa fazer é dar alguns exemplos do que você quer dizer com isso, e as pessoas entrarão na conversa. Talvez a organização diga que que quer mais colaboração, mas remunere apenas as realizações individuais. Ou talvez esteja defendendo valores como integridade, mas recompensando e promovendo pessoas que pegam atalhos ou se colocam acima dos outros.

Essa ideia vem da descrição clássica de Steven Kerr de “a loucura de esperar por A enquanto recompensa B”. Acredite em mim, seus funcionários sabem da existência de muitas loucuras, mas geralmente não as levantam, porque isso geralmente requer quebrar uma ou mais regras tácitas sobre não mencionar a hipocrisia ou falhas de liderança.

3. Explore o que está “por trás das cortinas”.

Aqui está um jeito final de puxar os assuntos que desenvolvi com base na teoria da justiça do filósofo John Rawls. Ele propõe que você pode dizer se algo é justo observando-o por trás de uma “cortina” em que você se posiciona fora do grupo afetado. Por exemplo, se você está avaliando se a escala de remuneração e benefícios de sua organização é justa, o teste da cortina diz que você só pode afirmar que “sim” se o fizer independentemente da posição que ocupa na organização.

Teoricamente, esSe é um exercício de pensamento que os líderes podem fazer sozinhos. Na realidade do dia a dia, estamos muito carentes de perspectiva para dar uma resposta precisa. Portanto, é fundamental pedir a um grupo diversificado de funcionários que compartilhem o que “alguns colegas acham que é altamente injusto por aqui, dependendo da função organizacional da pessoa”. Essa frase é um pouco menos arriscada: os entrevistados podem se projetar em outras pessoas ao entrar em território de regras tácitas.

Todas essas técnicas geram um ótimo aprendizado se você tiver algumas pessoas que confiam em você o suficiente para “ir adiante” se os seus questionamentos e a maneira como são apresentados lhes derem permissão explícita.

Quando você não tem certeza de que tem isso, pode tentar algo menos ameaçador. Você pode, por exemplo, pedir aos respondentes de uma pesquisa entre funcionários que compartilhem anonimamente as loucuras que percebem. Ou, seguindo o processo que o cofundador da TruePoint, Mike Beer, e seus colegas projetaram, você pode nomear uma força-tarefa multinível de funcionários confiáveis para entrevistar um grupo de colegas usando essas instruções e, em seguida, apresentar os resultados de forma agregada.

Todas essas técnicas podem desbloquear certos tipos de informações que você não está acostumado a receber como líder. Mas – e não posso dizer isso com clareza suficiente – você também precisa fazer algo significativo em resposta ao que ouve. Caso contrário, você apenas confirmará às pessoas que é inútil se preocupar em falar sobre “as coisas reais”. Isso encolherá ainda mais a disposição de uma pessoa de falar sua verdade na próxima vez que você perguntar. Pode até deixá-los mais zangados e privados de direitos porque você pediu para saber, você sabe, e, no entanto, você mesmo assim não age.

O OBJETIVO DE TRAZER À LUZ as regras tácitas da organização não é, em minha visão, criar um ambiente de oba-oba, em que todos tenham direito a voto em todas as decisões ou sejam considerados acima da média ou iguais em suas contribuições para a organização.

Eu acho, porém, que os líderes ainda devem aspirar a criar ambientes mais democráticos, com comunicação mais completa e livre, com processos de tomada de decisão mais justos e transparentes.E não acho que chegaremos lá sem a coragem para expor e explorar as regras ocultas que impedem esse progresso.

Jim Detert
Jim Detert
Jim Detert é professor de administração na Darden School, escola de negócios da University of Virginia, EUA, e autor de “Choosing Courage: the everyday guide to being brave at work”.

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