Empresa brasileira que produz ventiladores pulmonares personifica uma combinação de políticas públicas e alianças privadas para trazer uma solução para inovar e deve inspirar as próximas gerações de empreendedores de base científica
A Magnamed ficou nacionalmente conhecida como a empresa brasileira contratada pelo Ministério da Saúde para fornecer cinco mil ventiladores pulmonares em três meses. O objetivo era claro: de atender à demanda da pandemia.
O que vamos apresentar nessa breve coluna é o contexto, os esforços empreendedores e empresariais, bem como as políticas públicas que permitiram a constituição de uma empresa brasileira de alta tecnologia, que, além de promover desenvolvimento econômico empregando mão de obra altamente qualificada, resolve grandes problemas que enfrentamos hoje. Os relatos e dados foram extraídos da apresentação do Wataru Ueda, CEO da Magnamed, no webinar Inovação e Criação de Infraestrutura Contra o Coronavírus promovido pelo Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (IEA-USP).
Fruto do propósito de contribuir e devolver para o Brasil o investimento recebido na educação pública do primário ao ensino superior, três engenheiros formados pelo ITA e pela USP conceberam em 2005 o primeiro ventilador pulmonar de transporte, utilizado em pacientes que necessitam do suporte respiratório enquanto são deslocados em curtos trajetos ou por curtos períodos de tempo. Assim criaram a Magnamed. Depois de saírem da garagem, foram incubados no Cietec (a incubadora da USP-Ipen) e captaram R$ 6 milhões de fundos de apoio à pesquisa e desenvolvimento como Fapesp, CNPq e Finep.
Os engenheiros patentearam a tecnologia e, vislumbrando o potencial de sucesso, perceberam a necessidade de construir uma fábrica para manufaturar os ventiladores pulmonares. Através de dois fundos de investimento, foi possível levantar os recursos necessários para a construção da fábrica e obter todas as certificações necessárias. O primeiro deles foi o fundo Criatec I, criado pelo BNDES para estimular uma política de Venture Capital no Brasil e gerido pela Antera e KPTL. O segundo foi o fundo da Vox Capital, que investe em negócios de impacto.
O produto, batizado de Oxymag, foi pensado e desenvolvido para atender os desafios do mercado brasileiro, sendo o primeiro ventilador de transporte. Em 2010, conseguiram exportar 250 ventiladores pulmonares para África do Sul, vencendo uma concorrência com alemães. Em 2011, a empresa passou também a fornecer para o mercado nacional.
No início de 2020, a Magnamed já contava com uma fábrica de 3.000 m² em Cotia-SP, tendo uma capacidade de produção mensal de 200 ventiladores. Até então, já exportava para mais de 60 países, com 30% do faturamento vindo de clientes internacionais, e uma nova fábrica está sendo construída nos Estados Unidos.
Com o desafio da Covid-19, o pedido de compra do Ministério da Saúde demandou que a produção de 200 ventiladores por mês aumentasse para 5.000 em três meses. Wataru sabia que a fábrica atual não iria suportar essa demanda e a primeira coisa que fez foi pedir ajuda no grupo de Whatsapp da sua turma do ITA. De lá, começou a mobilização que reuniu empresas como Suzano, Klabin, Positivo, Flex e Embraer no projeto Respira Brasil. Utilizando da credibilidade com fornecedores e expertise em manufatura, essas organizações auxiliaram a Magnamed a entregar os 5.060 ventiladores pulmonares que hoje estão salvando milhares de vidas brasileiras.
Mas o desafio da Magnamed ainda não acabou. Com 120 pessoas altamente qualificadas na empresa, investindo 4% da receita em pesquisa e desenvolvimento e firmando parcerias com diversos centros de pesquisa e universidades no País, estão utilizando de inteligência artificial e outras tecnologias de vanguarda a fim de continuarem inspirando as próximas gerações de empreendedores e inovadores.
Há várias lições a aprender com a Magnamed.
Por um lado, a Magnamed personifica o resultado de políticas públicas. A história de sucesso conta com a formação de profissionais altamente qualificados por uma instituição pública (os engenheiros fundadores) e passa pelo investimento público em pesquisa e desenvolvimento por meio de instituições como Fapesp, CNPq e Finep, além do estímulo governamental do BNDES para atrair o capital da iniciativa privada a partir do Criatec I. Em outras palavras, a Magnamed é um resultado muito positivo também de um esforço da sociedade.
Mas a Magnamed também é um sinal de alerta em relação ao futuro. A questão que se apresenta hoje é a ameaça cada vez maior da inexistência da próxima geração de novas e inspiradoras “Magnameds” brasileiras. Esse risco existe devido ao declínio recorrente do investimento de fontes que permitem a formação de pessoas, o avanço no conhecimento ou mesmo o desenvolvimento de novas tecnologias. O gráfico abaixo apresenta a evolução do montante de recursos investidos pelos principais fundos de apoio à pesquisa científica e tecnológica no Brasil entre os anos 2000 e 2019.
Fonte: SIOP. https://www1.siop.planejamento.gov.br/, gerado por Daniel Pimentel
Após atingir um pico total de mais de R$ 10 bilhões em 2015, impulsionado à época pelos investimentos no programa Ciência sem Fronteiras, o ano de 2019 acumulou investimentos menores que os do ano de 2013. Seis anos antes!
Esse desafio não se encontra somente no âmbito federal. No Estado de São Paulo, o projeto de lei 529/2020, já relatado aqui por dois dos quatro autores desta coluna, esvazia o financiamento à pesquisa, ao conhecimento e à inovação. Recursos estes que outrora auxiliaram na formação dos três engenheiros da Magnamed, bem como no início do desenvolvimento do Oxymag. (Nota da editora: No Frontiers #3, a secretária do governo paulista Patrícia Ellen fez questão de dizer que nada ainda está decidido em relação ao PL e que ela pessoalmente está lutando para manter os recursos na Fapesp para proteger o investimento de longo prazo.)
Os ventiladores pulmonares da Magnamed importam muito. Eles representam um respiro e vida para os pacientes; uma inspiração para uma nova geração de empreendedores; um oxigênio para os gestores de políticas públicas brasileiros; e um gás para nós, do ecossistema de inovação, continuarmos firmes na construção de mais negócios inovadores no Brasil.”