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Não permita que a síndrome do impostor seja “criada”

Profissionais de alto desempenho podem começar a duvidar da própria competência quando seus gestores desprezam o impacto de políticas e práticas nocivas no ambiente de trabalho

Angélica S. Gutiérrez
12 de julho de 2024
Não permita que a síndrome do impostor seja “criada”
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Isabela trabalha em uma empresa global de consultoria, na qual ela começou logo depois de concluir seu MBA em uma escola de prestígio. Suas excelentes habilidades analíticas e quantitativas, aliadas à sua competência de relacionamento interpessoal e de comunicação lhe garantiram pontuações de alto desempenho. Porém, apesar de seus resultados brilhantes e da avaliação de clientes e superiores de que ela já tem uma qualificação gerencial, Isabela não se candidatou à posição que está em aberto na empresa.

Os executivos da empresa podem rapidamente chegar à conclusão de que ela não se candidatou por sofrer da síndrome do impostor, o que significa a pessoa ter a sensação de inadequação e temer que outros venham a saber que não deveria ocupar uma dada posição. Eles provavelmente já leram e ouviram sobre isso em um seminário sobre desenvolvimento que discutisse a suscetibilidade de alguns profissionais a essa síndrome. As psicólogas Pauline Clance e Susan Imes cunharam a expressão “síndrome do impostor” para descrever mulheres muito capazes que se sentem incompetentes e têm medo que outras pessoas pensem que elas são uma fraude e que achem que não deveriam estar onde estão, uma descrição que parece se aplicar a Isabela. Mas Isabela nunca se viu como inadequada e nem questionou sua habilidade de gestão, pelo menos no começo. O fato é que ela decidiu não se candidatar por não ter sido promovida no ano anterior. Em seu lugar, quem recebeu a promoção foi Greg, seu colega que está na empresa há menos tempo que ela. Isabela concluiu que talvez não fosse tão inteligente, competente e perfeita para a posição como achava.

O problema real: a “impostorização”

A experiência de Isabela enfatiza o risco de assumir que tais comportamentos, incluindo a decisão de não concorrer a posições de liderança, tenha origem na autopercepção de uma deficiência. Para Isabela e outros profissionais, a síndrome do impostor é a questão presumida, mas o verdadeiro problema é a impostorização.

O termo se refere a políticas, práticas e interações aparentemente inócuas que fazem, ou querem fazer, com que indivíduos questionem sua própria inteligência, competência e senso de pertencimento. As estratégias em geral recomendadas para ajudar as pessoas a enfrentar a síndrome do impostor, como assumir uma postura de poder, fazer declarações positivas e observar seu sucesso em situações anteriores, têm ação limitada contra a impostorização.

Isso não quer dizer que Isabela e outros não possam sofrer da síndrome do impostor, nem que seus superiores não devam oferecer o apoio necessário para lidar com seus efeitos. Um artigo recente da MIT Sloan Management Review traz insights úteis para que seja identificada e as formas de oferecer suporte. Mas, antes de presumirem que esse é o problema, é essencial que examinem como o ambiente corporativo pode estar provocando essa impostorização de maneira inadvertida e causando aos sentimentos que se precisa evitar.

Os exemplos a seguir mostram os efeitos dessas políticas, práticas e interações.

Decisões tendenciosas de promoção. Funcionários como Isabela podem ter uma sólida autoestima e eficácia pessoal, que não estão presentes em quem tem a síndrome do impostor, mas podem ser feitas promoções que disparam o sentimento de inadequação. A decisão da empresa de promover um homem em vez de Isabela é consistente com um estudo da MIT Sloan School of Management, conduzido pela professora Daniela Li e outros, em que se identificou que funcionários do sexo masculino tendem a receber pontuações mais altas quando se avalia “potencial”, como em “se for dada a oportunidade, esta pessoa seria um bom gestor?”. Essas pontuações, que serviriam para projetar a performance de determinado indivíduo, são comumente influenciadas por preconceitos de gênero e do que seja um bom líder, e que costumam favorecer os homens. O estudo descobriu que cerca de 50% da diferença entre as promoções de homens e mulheres se devem a essas avaliações. Decisões de avanço na carreira não baseadas em performance podem desencadear a síndrome do impostor entre os que forem preteridos. Sem ter informação que os contradiga, os funcionários podem acreditar que as decisões se originaram das falhas que se atribuem, como falta de qualificação e de encaixe na posição.

Nomeações de risco. Aqui temos uma ironia: enquanto no geral mulheres e pessoas de cor tendem a ser menos promovidas em relação a seus colegas homens brancos, elas são promovidas com mais frequência para liderar organizações de baixo desempenho. Estudos com dados da Fortune 500 descobriram que as minorias são mais propensas do que os homens brancos a serem nomeados CEO de empresas de baixo desempenho, um fenômeno conhecido como penhasco de vidro. Como essas organizações podem continuar com menor sucesso, essas pessoas tornam-se culpadas. Nomeações penhascos de vidro podem causar sentimentos de serem impostores entre as minorias – apesar de seus registros anteriores de sucesso – levando-as a questionar sua competência e interpretar as falhas organizacionais como um reflexo de suas próprias deficiências, em vez de circunstâncias objetivamente desafiadoras ou falta de apoio.

Interrupções e roubo de ideias. Isabela chegou à empresa confiante e pronta para se destacar. Fazia recomendações frequentes e compartilhava insights durante as reuniões, mas via um padrão: ou era cortada ao falar, ou suas ideias passavam despercebidas apenas para serem apresentadas minutos depois por um colega que era então elogiado pela novidade. Embora interrupções sejam comuns, estudos mostram que os homens interrompem as mulheres com mais frequência do que os outros homens durante reuniões, e recebem crédito por reapresentar o que já foi dito pelas mulheres. Dada essa frequência de interrupção, pode parecer sem importância, mas seu efeito cumulativo pode ser impostorizante. Pessoas que são interrompidas e cujas ideias passam despercebidas podem começar a questionar o valor de suas contribuições. Eles podem se perguntar se não conseguiram articular suas ideias suficientemente bem e duvidar de si mesmos, o que, por sua vez, pode diminuir sua participação e contribuições.

Evitar a impostorização

Prevenir a instalação da síndrome do impostor é tão importante quanto apoiar quem passa por ela. Os gestores podem tomar as medidas abaixo para evitá-la e, no processo, aumentar a satisfação no trabalho, a cidadania organizacional, a motivação para liderar e a retenção.

Objetividade nas decisões de promoção. Vieses inconscientes podem afetar decisões baseadas em avaliações subjetivas. Garanta que as oportunidades de promoção sejam comunicadas aos funcionários elegíveis a participar e use critérios claros e explícitos ao avaliar os candidatos. Uma boa ideia é dar feedback específico àqueles que não forem promovidos. As pessoas têm uma necessidade inata de ver sentido nos resultados, e não ser promovido pode ser impostorizante se isto for interpretado como reflexo de sua inadequação. Aproveite falar não só sobre o que poderia ser trabalhado para fortalecer sua competitividade para a próxima promoção, mas também sobre o que está fazendo bem. O feedback equilibrado pode ajudar a evitar o desencadeamento da síndrome do impostor entre os funcionários, chamando a atenção para seus pontos fortes. Evitá-la é tão importante quanto apoiar os funcionários que possam viver esse problema.

Garanta recursos suficientes. Segundo o ditado, “”ao não se preparar, você está se preparando para falhar””. Pode ser ao chegar ao C-level ou em um cargo de nível básico, os funcionários têm mais chances de dar certo quando têm suporte organizacional. Da mesma forma, deixar de prover aos funcionários os recursos de que precisam, incluindo integração e orientação eficazes, pode prepará-los para falhar. O fracasso pode ser uma experiência impostorizante, levando indivíduos inteligentes e competentes a acreditar que são inadequados, em vez da falta de apoio organizacional.

Implementar normas de interação que promovam a escuta e o crédito de ideias. A IDEO, uma empresa global de design e inovação, promove a criatividade incentivando os funcionários a evitar críticas negativas às ideias dos outros; quando o fazem, toca-se um sino. O estabelecimento de regras, seja tocando um sino ou de não interromper, pode levá-los a ouvir ativamente, evitar cortar colegas que estão falando e dar crédito onde ele é devido. Tais normas também contribuiriam para evitar a impostorização, transmitindo aos funcionários que eles são ouvidos, suas contribuições são reconhecidas e que eles são membros integrantes da organização – em outras palavras, que não são impostores.

Embora grande parte da literatura e das discussões sobre a síndrome do impostor tenham se concentrado no indivíduo, e as estratégias para combater seus efeitos tenham uma abordagem de correção de suas posturas, na verdade são as organizações – por meio de políticas, práticas e interações aparentemente inócuas – que podem estar sem querer desencadeando o problema. Os gestores devem considerar que os sentimentos e comportamentos dos funcionários podem não ser sintomas da síndrome do impostor, mas sim as consequências da “impostorização”.

Avalie como a cultura organizacional – por seus preconceitos, microagressões, machismo ou racismo, por exemplo – pode estar “impostorizando” os funcionários. Se um funcionário com um histórico de desempenho promissor decide não se candidatar a um cargo de liderança, é porque acredita que não é capaz de liderar – ou porque não há evidências que sugiram que a organização apoia a diversidade estrutural? Se um funcionário começa sua vida na empresa trazendo contribuições à mesa e depois deixa de fazê-lo, é porque ele não confia mais em si mesmo ou porque suas ideias foram repetidamente ignoradas ou creditadas a outra pessoa? O problema é realmente a síndrome do impostor, ou a impostorização? Crie uma cultura de segurança psicológica e coloque essas perguntas para quem está mais qualificado para responder: seus colaboradores.”

Angélica S. Gutiérrez
Angélica G. Gutiérrez é professora associada de gestão no College of Business Administration da Loyola Marymount University em Los Angeles.

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