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Os 10 mitos dos ecossistemas empresariais – e a verdade

Antes de determinarem uma estratégia de ecossistema, as organizações precisam desenvolver um novo ponto de vista

Jack Fuller, Michael Jacobides e Martin Reeves
11 de julho de 2024
Os 10 mitos dos ecossistemas empresariais – e a verdade
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Por trás dessa extensão semântica, porém, se encontra um novo fenômeno: o aumento de sistemas dinâmicos de multi-empresas como um novo jeito de organizar a atividade econômica. Sete das dez maiores empresas do mundo que utilizam a tecnologia para mudar não só seus setores, mas também amplas extensões da economia, agora dependem de tais sistemas, e o jeito de pensar dos ecossistemas é mais significativo em empresas de crescimento rápido entre as companhias do índice S&P 500 da Bolsa de Nova York.

Ecossistemas são atraentes em parte devido às novas possibilidades que criam para produtos e serviços rompendo barreiras tradicionais – muitas vezes, recorrendo a plataformas digitais, APIs, tecnologia da internet das coisas e novas ferramentas para coleta de dados e análises. O interesse crescente também surge por necessidade: ambientes empresariais estão evoluindo mais rapidamente, exigindo aquisição rápida e coordenação de habilidades diversas e novas. 

O crescimento dos ecossistemas exige um novo jeito de pensar sobre negócios – a perspectiva dos ecossistemas. Se conseguimos descrever essa perspectiva única e limpar os mitos e confusões acerca do uso do termo, nos colocaremos em uma boa posição para projetar estratégias de maneira eficaz nos ecossistemas. 

A PERSPECTIVA DOS ECOSSISTEMAS

As características essenciais dos ecossistemas empresariais são as seguintes: eles são multi-entidade, formados por grupos de empresas que não pertencem a uma única organização. Eles envolvem redes de mudança, relações semipermanentes, conectadas por fluxos de dados, serviços e dinheiro. As relações combinam aspectos de competição e colaboração, muitas vezes envolvendo complementariedade entre diferentes produtos e habilidades (por exemplo, smartphones e apps). Por fim, em ecossistemas, os participantes evoluem juntos conforme redefinem suas habilidades e relações com os outros ao longo do tempo.

Em um nível fundamental, ecossistemas oferecem novas formas de administrar a troca entre flexibilidade e compromisso. Em geral, as empresas podem tomar decisões flexíveis, como no lançamento de um projeto piloto, ou se comprometeram a um caminho estratégico específico, o que muitas vezes é necessário para atingir uma escala eficiente e uma vantagem competitiva segura. 

Em um ecossistema, uma empresa pode se comprometer a construir uma plataforma, como o Facebook, mas permanecer flexível sobre os serviços que vai entregar, deixando que outros desenvolvam e forneçam esses serviços. Capacidades existentes podem ser combinadas e recombinadas sem uma empresa ter de se comprometer a cada combinação específica interna. Um ecossistema também pode explorar vários novos caminhos em paralelo, criando opções em todo ecossistema que uma empresa tradicional pode não ter os recursos, o tempo ou a tolerância ao risco para criar sozinha.

Ecossistemas podem ser comparados a meios mais tradicionais de organizar a produção dependendo de seu grau de fluidez. Ficam entre empresas verticalmente integradas ou cadeias de fornecimento estáticas em um extremo, e mercados abertos e competitivos, em outro – nos quais os clientes combinam vários produtos de acordo com seus padrões de necessidade em transformação.

Para fazer uso dos ecossistemas, as organizações precisam parar de usar uma perspectiva tradicional, estática e centrada na empresa e passar a aplicar novos jeitos de pensar sobre estratégia de uma perspectiva de ecossistemas. Essa perspectiva é distinta em múltiplas formas:

– Dinâmica: Baseada em uma visão coevolucionária, e não estática, das relações e capacidades. 

– Colaborativa: Conduzida pela elaboração de combinações de produtos novos atraídos por ofertas completares. 

– Baseada em influência: Moldada por influência parcial em vez de completa posse ou controle. 

– Indireta: Lucra com transações do sistema ou envolve subvenções cruzadas, sempre que a monetização ocorrer indiretamente.

– Emergente: Gera e abarca mudanças imprevistas, reversões e consequências não intencionais.

– Conduzidas pela rede: Envolve redes sobrepostas, em vez de cadeias de valor discretas e lineares.

– Focadas externamente: Se concentra fortemente em atividades além das fronteiras de empresas individuais.

OS DEZ MITOS MAIS COMUNS

Uma série de fontes de incompreensão pode nos impedir de emoldurar ou utilizar essa nova perspectiva de maneira eficaz. Podemos identificar mitos em quatro áreas: quando ecossistemas são relevantes, o que são, o que fazem e como utilizá-los. 

Quando um ecossistema é relevante?

Mito 1: Todo mundo agora precisa de um ecossistema. Grande parte das informações que cercam os ecossistemas recaem diretamente sobre a construção de engajamento do ecossistema na sua estratégia corporativa, sem perguntar se ela é realmente necessária. Construir um ecossistema é uma escolha; há muitas empresas bem-sucedidas que não dependem de ecossistemas, como EssilorLuxottica, uma das maiores empresas de óculos do mundo, que é altamente integrada verticalmente. A escolha por empresas depende parcialmente das capacidades de colaboradores potenciais e o custo de desenvolver capacidades internas especializadas. 

O ambiente empresarial também desempenha uma função. Em ambientes imprevisíveis e maleáveis, construir um ecossistema pode fazer sentido. Em setores mais previsíveis, uma abordagem de análise clássica, planejamento e execução, dependente de cadeias de suprimento estáticas, provavelmente será mais adequada. 

Ecossistemas não são uma solução para cada problema empresarial; nós devemos considerar o que queremos que um ecossistema alcance antes de nos prepararmos para construir um. Por exemplo, um ecossistema pode ser útil quando as necessidades da empresa envolvem:

– Explorar uma nova área de possibilidade, conduzindo experimentos e desenvolvimentos paralelos com os outros, especialmente quando você não possui todas as habilidades para participar dessa exploração (por exemplo, grupos de empresas explorando as possibilidades dos veículos autônomos).

– Unir uma oferta complexa envolvendo múltiplos complementos, especialmente quando você pode se beneficiar cooptando outros atores (considere o ecossistema de músicos e empresas de eventos da Spotify).

– Contornar a complexidade da distribuição e do custo construindo um canal novo e mais eficaz (por exemplo, os comerciantes do Alibaba Group contribuem para uma plataforma compartilhada).

– Para provocar disrupção em uma indústria inteira, devido ao modelo de maior escala, escopo e influência e se associando aos jogadores existentes (por exemplo, a PayPal trabalhando com bancos estabelecidos). 

O que é um ecossistema?

Mito 2: Um ecossistema é uma cadeia de suprimentos. “Ecossistema” é muitas vezes usado como um sinônimo para cadeia de suprimentos. De fato, uma série de relações com fornecedores, se colaborativa e dinâmica, _pode_ ser um ecossistema. A Apple, por exemplo, mudou e cocriou relações com fornecedores múltiplos. Ao invés de apenas comprar partes padronizadas, a Apple dedica tempo e dinheiro em desenvolver novos tipos de vidro ou robôs de linha de produção, mandando seus engenheiros testarem novos processos em fábricas de fornecedores, o que retroalimenta seus próprios designs. Entretanto, os ecossistemas muitas vezes se estendem além desse tipo de parceria. Considere os investimentos e relações da Intel em empresas que utilizam seus microchips – uma rede que vai muito além de sua cadeia de suprimentos. Nós perdemos o maior valor do conceito de ecossistema se restringimos nossa visão apenas aos fornecedores: um ecossistema certamente pode englobar uma cadeia de fornecimento e mais, ou nenhuma cadeia de fornecimento. 

Mito 3: Ecossistemas são sempre abertos ao máximo. Discussões sobre ecossistemas muitas vezes enfatizam abertura. Segundo artigo recente da Forbes: “Empresas que querem liderar ou unir ecossistemas irão agressivamente adotar sistemas que encorajem uma colaboração aberta”. 

Essa ênfase é compreensível: todos os ecossistemas são, até certo nível, “abertos”, já que envolvem interações na fronteira corporativa. Mas o nível e tipo de abertura variam. Qualquer tipo de abertura vem em detrimento do controle, e alguns ecossistemas eficazes são comparativamente fechados no que diz respeito a novos participantes ou dados e propriedade intelectual. Por exemplo, a Rio Tinto trabalha com um ecossistema de empresas para administrar seus dados, incluindo Microsoft, SAP, Accenture e Avenade – empresas que a organização selecionou para a complementarem. O valor aqui não vem da maximização do número de participantes; os dados são abertamente compartilhados, mas dentro de um grupo muito seleto.

Outro exemplo é o Susteinable Fashion Alliance, um ecossistema de empresas que colaboram em práticas de sustentabilidade. O valor que elas criam depende da credibilidade nessa arena – o ecossistema é valioso porque aplica critérios fortes de seleção. A abertura é uma escolha: em situações imprevisíveis em que a exploração é chave, pode fazer sentido ter um sistema mais aberto. Em contraposição, talvez faça sentido ter menos quando mais controle é exigido para o sistema criar valor.

Mito 4: Um ecossistema é uma plataforma digital. Em muitas discussões, ecossistemas e plataformas digitais são quase inseparáveis. Mais uma vez, é fácil identificar como esse mito surgiu, já que muitos ecossistemas realmente envolvem plataformas digitais, como Spotify, Facebook ou Airbnb. Mas isso não significa equipará-los e ignorar o conjunto mais amplo de opções que os ecossistemas oferecem. Considere a farmacêutica Novo Nordisk, que foi introduzida à China em 1994.  A Novo desenvolveu um extenso ecossistema não digital acerca da diabetes – que até então não era abordada na China – engajando o Ministério da Saúde da China, a Associação de Medicina Chinesa, universidades, grupos de médicos, grupos de pacientes e organizações não governamentais, enviando ônibus de especialistas para áreas rurais para educarem médicos e pacientes. A empresa agora tem US$ 1 bilhão em vendas anuais relacionadas à diabetes na China e 60% de participação no mercado. Uma plataforma digital nesse caso não foi necessária.

A tecnologia pode vigorosamente facilitar a orquestração de múltiplos jogadores em um ecossistema complexo, mas ecossistemas bem-sucedidos podem existir sem plataformas digitais. 

O que faz um ecossistema?

Mito 5: Um ecossistema não muda o funcionamento interno de uma empresa. É possível pensar em um ecossistema puramente como inovação estrutural externa à empresa. Mas seria estranho se a dependência de um ecossistema não tivesse grandes consequências para como uma empresa funciona. Muitos participantes de ecossistemas líderes na verdade se concentram em recriar seus processos internos para serem mais responsivos e adaptativos às dinâmicas do ecossistema. Por exemplo, um dos princípios de orientação do Alibaba é “trazer o mercado para a organização”. Para alcançar isso, a empresa utiliza algoritmos, movidos por dados ao vivo retirados desse ecossistema, para automatizar o máximo de decisões de operação possível. O Alibaba chama essa reatividade interna de “empresa auto-sintonizada”. 

Qualquer empresa que aspira administrar relações complexas em um ecossistema, como Volkswagen ou Alibaba, também precisa construir o músculo organizacional para isso. Muitas empresas ainda exibem o selo do design organizacional do século 19, operando como gigantes industriais integrados que tentam fazer ou controlar tudo. Se construir ou unir um ecossistema faz sentido, é preciso recriar processos internos para se tornar muito mais flexível e responsivo. 

Mito 6: Ecossistemas são constantes ao longo do tempo. Embora criar um ecossistema baseado em onde e quanto valor cada participante agrega pareça um ponto de partida natural, isso significaria que podemos de alguma forma saber essa informação. Mas os ecossistemas são complexos, os participantes têm um alto nível de autonomia, e os papéis dentro dos ecossistemas não são constantes. Em ecossistemas biológicos, a “sucessão” ocorre quando uma configuração semi-estável é substituída pela próxima, como quando um ecossistema de pasto é substituído por uma floresta, unidos por uma rede de relações semi-estáveis. 

Podemos ver isso claramente no caso da PayPal. Em 2015, a PayPal se concentrou nas relações com seus 13 milhões de comerciantes e enxergou os bancos como concorrentes evidentes. Então os bancos começaram a empurrar uma nova tecnologia de pagamentos, e a gigante rival de tecnologia, Amazon, passou a oferecer serviços bancários e de pagamento. Em 2018, as dinâmicas do ecossistema mudaram completamente: a Paypal trabalhava com múltiplos concorrentes anteriores: Citi, Chase, Barclays, FIS e Mastercard. 

O perigo desse mito é que ele nos leva a adotar abordagens estáticas, dedutivas, que contrariam a personalidade dinâmica e emergente dos ecossistemas. Quando presumimos esse tipo de abordagem, arriscamos nos fechar para mudanças ou não perceber os sinais das oportunidades emergentes rápido o bastante.

Como utilizar um ecossistema?

Mito 7: Qualquer pessoa pode ser um orquestrador. Uma suposição comum sobre os ecossistemas é que qualquer empresa – geralmente a sua própria – pode liderar esforços. Poucas empresas, porém, realmente estão em posição de fazer isso. A orquestração requer a posse de vários ativos excepcionais – uma marca poderosa, uma plataforma existente, a habilidade de ascender, uma visão mútua atraente, ou reservas de caixa, e, portanto, a habilidade de explorar e construir pacientemente. Pense na fabricante de vidros Corning, uma empresa que trabalha duro para satisfazer as necessidades de produto da Apple e ganhar investimento para projetos P&D conjuntos. A Corning é bem-sucedida no esforço, mas claramente não é a líder em ecossistema nesse cenário. 

Entretanto, é fácil não ser realista ao desenvolver estratégias – afinal, quem não gostaria que a própria empresa fosse a personagem principal? Mesmo empresas líderes do setor devem pensar cuidadosamente se realmente estão em posição para orquestrar novos ecossistemas intersetoriais. Todos os CEOs devem pensar em como sua empresa vai operar em relação aos ecossistemas relevantes, mas nem toda empresa pode ou deve se dispor a orquestrar um.

Mito 8: Ecossistemas devem ser controlados ou administrados. Mesmo os orquestradores têm apenas controle limitado sobre os ecossistemas. Ao criar uma estratégia de ecossistema, é melhor pecar por modéstia, com um objetivo de influência, do que por controle total. Um modelo bem-sucedido vem com interação e coevolução, atualizando o modelo do ambiente e os objetivos continuamente, juntamente com outros que fazem o mesmo, em vez de fingir que todos concordam com um único objetivo e critério de sucesso. 

Essa é a abordagem do Alibaba, como foi vividamente resumido pelo chefe de estratégia Ming Zeng: “Nunca deixe um MBA perto de um mercado que pode se autogerenciar”. O perigo aqui é utilizar táticas clássicas de planejamento e execução quando o que precisamos é de adaptação e modelagem indireta. Ao fazer isso, nós nos enganamos e acabamos despreparados para encarar o inesperado. 

Mito 9: Você só precisa de um ecossistema. A maioria das discussões nesse espaço se concentra em desenvolver um único ecossistema. Mas empresas como Google, Apple e Facebook são membros de uma série de ecossistemas. Pense na Philips Healthcare, que tem um ecossistema de inovação que envolve laboratórios acadêmicos, empresas robóticas e startups; um ecossistema de entrega de fornecedores de equipamentos e softwares em hospitais; e um terceiro ecossistema, que se baseia em um aplicativo de saúde à distância apoiado por múltiplos parceiros digitais de cuidados com a saúde. Concentrar-se em apenas um encerra a possibilidade de unir-se ou construir múltiplos ecossistemas, e impede que uma empresa pense em como fazer melhor uso dos papéis que já pode estar desempenhando em diferentes ecossistemas. 

Mito 10: Se você entender a estratégia do ecossistema, você pode fazê-la. Os ecossistemas exigem uma estratégia de modelagem_,_ que se refere a colaborar com os outros usando influência indireta (incluindo ser influenciado pelos outros), ser responsivo a mudanças imprevisíveis, e desenvolver o ecossistema para benefício mútuo. Promulgar tal estratégia pode parecer contra-intuitivo, já que geralmente nós nos sentimos mais familiarizados e adeptos a práticas de uma estratégia clássica de “planejamento e execução”. 

Para testar isso, a equipe de pesquisa da BCG Henderson Institute construiu um jogo que simula diferentes ambientes e estratégias, incluindo a estratégia de modelagem apropriada a ecossistemas. Em múltiplas empresas, os gestores unanimemente acharam a estratégia de ecossistemas a mais desafiadora: apenas 18% prosperaram contra um concorrente-máquina (IA). Já na estratégia clássica, 71% venceram a IA.  Gestores com baixa capacidade de aprendizagem não se saíram nada bem.

O DESAFIO

A mudança no pensamento dos ecossistemas desafia a própria ideia de “indústria” que herdamos da revolução industrial – um conjunto discreto de jogadores amplamente semelhantes competindo para produzir um produto final comum em um modelo verticalmente integrado. 

As décadas a seguir provavelmente verão uma maior disseminação de ecossistemas, com empresas co-evoluindo em grupos temporários de relações semi-fluidas, atravessando barreiras industriais tradicionais. Devemos, portanto, ser cautelosos ao aplicar, inadvertidamente,  pressupostos de ambientes mais clássicos ou generalizar a partir de precedentes conhecidos. Em vez disso, devemos adotar a perspectiva de ecossistemas e pensar nas nossas escolhas estratégicas específicas com base em nossa situação específica, em nossas aspirações e capacidades. 

Imagem: Shutterstock.

Jack Fuller, Michael Jacobides e Martin Reeves
Jack Fuller é consultor do BCG Henderson Institute, grupo de reflexão da BCG para estratégia e gestão. Michael G. Jacobides é professor de estratégia e empreendedorismo na London Business School, onde ocupa a cátedra de empreendedorismo e inovação do Sir. Donald Gordon, e é coautor do relatório da Fórum Econômico Mundial sobre plataformas digitais e ecossistemas. Martin Reeves é diretor global do BCG Henderson Instituto e sócio sênior do escritório da BCG em Nova York.

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