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Os ecossistemas de inovação brasileiros estão em risco

Os números mostram: o investimento público em ciência, tecnologia e inovação é um dos fatores que mais contribui para o crescimento de uma economia. Mas precisa ser garantido no longo prazo, com previsibilidade orçamentária e autonomia para alocar os recursos. No Brasil, um dos poucos casos em que isso acontece é o da Fapesp, mas até ele está sob risco

Daniel Pimentel e Lucas Delgado
29 de julho de 2024
Os ecossistemas de inovação brasileiros estão em risco
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É indiscutível que o equilíbrio fiscal do País é ponto fundamental para a retomada da saúde econômica do Brasil após a crise provocada pela pandemia. Determinar quais cortes e quais investimentos deverão ser realizados é o que ditará a estratégia e, sobretudo, a recuperação econômica.

Nesse contexto, não é novidade que o investimento público em ciência, tecnologia e inovação (CT&I) é estratégico para a sobrevivência e crescimento no longo prazo das economias nacionais. O gráfico abaixo ilustra isso de maneira cristalina: entre os retornos a partir do aumento de 1% dos gastos públicos em várias áreas em nações do G20, o maior retorno é o proporcionado por CT&I.

No Brasil, a Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e as universidades paulistas vêm sendo protagonistas do avanço científico, tecnológico e inovador do País. Unesp, USP e Unicamp são destaque nos rankings nacionais e internacionais e a Fapesp é admirada enquanto política pública ao redor do mundo. Muito desse desempenho se deve a um mandamento constitucional estadual que, em seu artigo 271, destina pelo menos 1% da arrecadação tributária para a Fapesp, e lhe proporciona autonomia financeira, previsibilidade institucional e orçamentária e, portanto, capacidade real de planejamento.

No entanto, isso está ameaçado agora. O projeto de lei 529/20, do governo do Estado de São Paulo, pode constituir uma ameaça à recuperação da nossa economia, porque  sugere, em seu artigo 14, reduzir com a autonomia orçamentária da Fapesp, ao transferir o superávit financeiro de todas as autarquias (inclusive as de regime especial) e das fundações, à Conta Única do Tesouro Estadual ao final de cada exercício.

Isso constitui um problema na medida em que a realização de pesquisa e promoção da inovação envolve projetos de longo prazo, projetos esses que demandam planejamento, autonomia financeira e previsibilidade institucional e orçamentária. Não havendo tais elementos, realizar projetos audaciosos e com visão de futuro se torna impraticável. Se todo recurso arrecadado por essas instituições para um ano precisar ser despendido nesse mesmo exercício, ficam impossibilitadas a criação de reservas e as previsões para o futuro, acabando com o planejamento de longo prazo.

Uma história de sucesso

Vejamos, por exemplo, o enfrentamento da Covid-19 no Brasil. Grande parte das ações imediatas de preparo técnico e infraestrutural para enfrentar a pandemia, como o sequenciamento genético em tempo recorde do vírus ou o desenvolvimento e a realização de testes e os recursos para a fase III da vacina, foi liderada por pesquisadores e instituições subsidiadas pelos recursos que pretendem ser cortados.

Pense, por exemplo, nos respiradores pulmonares da Magnamed. Essa empresa recebeu investimentos da Fapesp por meio do programa “Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas”, o Pipe, que subsidia o desenvolvimento inicial de centenas de novas empresas de base científica anualmente no Estado de São Paulo. A criação e desenvolvimento de diversas empresas citadas pelo coletivo Sagres Brasil, titular de uma coluna do blog da MIT Sloan Review Brasil, só foram possíveis por meio deste programa da Fapesp –entre elas a Bright Photomedice, Tissue Labs, Pluricell, brain4care, Recepta.

Além de programas voltados especialmente para startups, a Fapesp possui diversas cooperações com grandes indústrias para constituição de centros de pesquisa, como Shell, Natura e diversas outras. Além disso, dezenas de milhares de alunos de graduação e pós-graduação possuem uma formação de excelência devido à autonomia dessas instituições.

Preocupação é de todos

Se você está entre os empresários e executivos que já compreenderam que a competição se baseia cada vez mais em inovação, preocupe-se. A inovação da sua empresa vai ficar, ao menos indiretamente, prejudicada pela falta de subsídios da Fapesp, na medida em que você terá menos pessoas com formação de excelência para contratações, e menos centros de pesquisa financiados aos quais recorrer.

Se você é investidor, também deve ficar preocupado. Haverá menos empresas baseadas em inovação criadas para alimentar seu pipeline.

Se você é parte da sociedade brasileira, também é parte interessada e deve se preocupar. Saiba que não só vacinas, fármacos ou respiradores, mas produtos nos campos do agronegócio, alimentos, energia e de tantos outros poderão ser mais escassos caso este projeto de lei seja aprovado.

A proposta do poder executivo paulista é prejudicial para toda a sociedade brasileira pois impede o avanço da ciência e da inovação. Além disso, acrescentaríamos que é inconstitucional, ao ferir a regra da autonomia das universidades paulistas (artigo 254), e irracional por cortar justamente os investimentos que mais podem proporcionar nossa tão necessária retomada econômica. A Fapesp, a  Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), a Academia Brasileira de Ciências (ABC), o Conselho de Reitores das Universidades Estaduais Paulistas (Cruesp) e diversas organizações representativas já se manifestaram a respeito dessa medida tomada pelo executivo estadual. Mas, além da mobilização da comunidade científica, é elementar e necessária a mobilização da comunidade empresarial e da sociedade em geral.”

Daniel Pimentel e Lucas Delgado
Daniel Pimentel é advogado, mestre e diretor de universidades e transferência de tecnologia na Emerge. Lucas Delgado é engenheiro de produção, especialista em finanças corporativas e diretor de negócios e novos projetos na Emerge. Ambos são colunistas do blog MIT Sloan Review Brasil, como parte do coletivo Sagres Brasil.

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