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Por que os maiores benefícios da tecnologia raramente chegam ao grande público

Veja entrevista exclusiva com Daron Acemoglu e Simon Johnson, que acabam de ganhar o prêmio Nobel de Economia, sobre o livro deles acerca de tecnologia. Na visão dos dois, deveríamos enfatizar a utilidade da máquina, muito mais do que a inteligência da máquina

Daron Acemoglu e Simon Johnson, entrevistados por Kaushik Viswanat
17 de outubro de 2024
Por que os maiores benefícios da tecnologia raramente chegam ao grande público
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No novo livro Power and Progress: our 1,000-year struggle over technology and prosperity, os economistas Daron Acemoglu e Simon Johnson apresentam uma perspectiva histórica abrangente do quanto os custos e benefícios dos avanços tecnológicos foram desigualmente distribuídos. O texto nos alerta que a tecnologia não é uma força em si mesma, mas uma ferramenta construída para apoiar os objetivos de pessoas e instituições que detêm o poder na sociedade. Reivindicar uma parcela justa dos benefícios da tecnologia para o resto da sociedade, ou seja, para a maior parte da humanidade, requer que se desafie esse poder.

Acemoglu e Johnson conversaram com o editor da MIT SMR Kaushik Viswanath sobre as lições que podemos trazer do passado para um melhor desenvolvimento e aproveitamento da tecnologia hoje e no futuro. Esta conversa foi editada para facilitar a transmissão de seu conteúdo.

Kaushik Viswanath: Qual a tese central do livro e o que os motivou a escrevê-lo?

Daron Acemoglu: Acredito que este é um momento crítico para pensar no futuro da tecnologia. Há muitas decisões importantes que estão sendo afetadas por um “”tecno-otimismo”” tanto no mundo acadêmico como no da tecnologia e no da política. Tecno-otimismo é a ideia de que mudanças tecnológicas extraordinárias automaticamente trarão melhorias para a sociedade, especialmente para os que estão no mercado de trabalho, mesmo que haja alguns custos no processo de transição.

O que sabemos em profundidade sobre história e teoria econômica nos levou a acreditar que não é bem assim. Ao longo da história, existiram decisões que trouxeram benefícios para uns e perdas para outros a partir do surgimento de uma tecnologia, ou veio algo próximo de uma prosperidade compartilhada, ou ainda o uso dessa tecnologia ajudou ou destruiu a democracia. Então, nosso propósito ao escrever Power and Progress foi dissipar a noção de que, na história da tecnologia, tudo sempre deu certo. Temos escolhas e disputas sobre ela hoje como tivemos no passado.

Um dos principais conceitos que se discute no livro é o da onda da produtividade. O que é e como ela cria vencedores e vencidos a cada mudança tecnológica?

Simon Johnson: Chamamos de onda da produtividade a noção de que, quando a tecnologia melhora, obtêm-se melhores salários, mais oportunidades e melhor saúde, e todos acabam ganhando em algum momento. Nosso principal problema com essa ideia é o “”em algum momento””. Se contarmos desde o início da (primeira) revolução industrial, são 120 anos. No período de 1720 a 1840 nasceram muitas novas tecnologias, mas sabemos que, na década de 1840, crianças de até seis anos ainda empurravam carrinhos de carvão do subsolo para fora das minas. Tivemos avanços para mais pessoas na segunda metade do século 19, mas como resultado de muito esforço, não por qualquer tipo de processo econômico ou político automático.

Acemoglu: A perspectiva que Simon e eu trazemos para a revolução industrial Britânica é que ela foi realmente uma revolução de visão. Uma ambiciosa nova classe surgiu e queria aplicar a tecnologia para melhorar o processo de produção e o controle sobre o ambiente. Eles não estavam fazendo isso por altruísmo: estavam preocupados em ganhar dinheiro, queriam subir dentro da hierarquia britânica e não tinham muita simpatia pelos que estavam abaixo deles nessa hierarquia, seja na Grã-Bretanha ou no resto do mundo.

Isso ilustra o que a ambição faz a menos que seja enfrentada pelas instituições e por outros grupos que têm visões alternativas de como a sociedade deve ser organizada. Também ilustra as fraquezas da onda de produtividade. As pessoas foram deixadas para trás nas fases iniciais da revolução industrial por duas razões. Primeiro, a maior parte da tecnologia foi usada para automação, os trabalhadores não eram o objetivo. Quando a tecnologia substitui os trabalhadores, ela não aumenta sua capacidade de produção ou cria uma razão para os empregadores pagarem salários mais altos a eles. Em segundo lugar, tudo isso fazia parte de uma configuração institucional, tanto por causa da visão dos empresários quanto porque os sindicatos eram proibidos e fortemente perseguidos, e a Grã-Bretanha estava muito longe de uma democracia na época.

A classe trabalhadora não tinha direitos ou proteções. É por isso que, mesmo que muitas pessoas ganhassem quantias fabulosas de dinheiro, a renda real dos trabalhadores estagnou ou até diminuiu. Compartilhar os ganhos da tecnologia exigiu uma mudança completa no tecido institucional da sociedade britânica, à qual a elite e as classes média alta resistiram. Exigiu também que a tecnologia fosse aplicada em outra direção, como investir em infraestrutura urbana para melhorar o saneamento e controlar doenças infecciosas. Até então, a vida urbana era horrível para os trabalhadores.

Pulando rapidamente para depois da Segunda Guerra Mundial nos Estados Unidos, vocês dizem no livro que esse período teve uma distribuição menos desigual dos ganhos de produtividade vindos da tecnologia. Como isso se deu?

Acemoglu: Aqui nós vemos como os fatores que impediram a prosperidade compartilhada durante a revolução industrial se transformaram em positivos para a mesma prosperidade compartilhada no século 20, especialmente nas décadas que se seguiram à Segunda Guerra Mundial.

Suas origens podem ser encontradas no sistema americano de fabricação, que foi parte fundamental de um esforço geral para tornar mais produtiva a mão de obra não qualificada pelo uso de máquinas. Essa produtividade, por seu turno, era necessária para que os trabalhadores menos qualificados ganhassem maiores salários, em uma curva ascendente. Nesse período, o desempenho dos empregados poderia ser melhorado por meio de treinamentos.

Isso foi facilitado por uma combinação de tecnologias que não simplesmente automatizaram o trabalho, mas criaram atividades novas e mais técnicas, mais tarefas de manutenção e tarefas de usinagem mais avançadas para os trabalhadores. Se falarmos das instituições, elas forneceram um contexto positivo para as empresas mais poderosas, como uma democracia segura dentro dos padrões históricos, um movimento sindical que se tornou muito mais forte após o New Deal e durante a Segunda Guerra Mundial, e um ambiente regulatório favorável do governo dos Estados Unidos. Isto encorajou a mudança tecnológica, mas também trouxe limites para o que as maiores empresas poderiam fazer, por exemplo, por meio da fiscalização antitruste.

Vocês dizem também que o movimento sindical nos Estados Unidos nessa época incentivou realmente a mecanização das indústrias. Por que fizeram isso?

Johnson: O ponto estava em sua insistência para que os trabalhadores fossem treinados para usar as máquinas. Eles perceberam que a mecanização estava chegando, quer gostassem ou não. Eles não poderiam simplesmente pedir salários mais altos, porque isso levaria a mais automação. Então, {os sindicatos} propuseram que seus filiados adquirissem as habilidades necessárias e fossem remunerados adequadamente. Os sindicatos têm muito menos poder hoje, então esse tipo de demanda está faltando, o que significa que os benefícios da automação irão para quem tem poder social, o que significa relativamente poucas pessoas.

Acemoglu: Veja, não somos contra a automação. Impedir a automação seria não só inviável, mas, se alguém tentasse, o custo seria alto. Em seus melhores momentos, o movimento operário, tanto nos Estados Unidos quanto na Europa, apoiou a introdução de máquinas automatizadas avançadas, mas ao mesmo tempo negociou a criação de tarefas mais ricas e especializadas para os trabalhadores operarem e cuidarem dessas máquinas. Onde não houvesse pessoal com essas habilidades, seria preciso treinar. Assim, era a combinação de novas tarefas e treinamento que os sindicatos defendiam. Hoje, a questão é: ainda temos como incentivar uma automação que seja do tipo certo?

Qual o papel dos líderes empresariais na definição dos caminhos do avanço tecnológico e na distribuição de seus ganhos?

Acemoglu: O futuro da tecnologia não pode ser visto de forma separada da visão de atores poderosos. Não é algo que todos possamos votar democraticamente. O mesmo acontece com a forma como os CEOs decidem dividir os lucros entre diferentes stakeholders. Eles percebem o trabalho como um deles? Essa é uma questão que está completamente emaranhada ao futuro da tecnologia.

Com o passar do tempo, os líderes empresariais passaram a servir apenas aos interesses dos acionistas. A força de trabalho é vista como cara e problemática, então busca-se eliminá-la o máximo possível. E isso vai ao encontro da visão da comunidade de tecnologia de desenvolver máquinas que possam automatizar o máximo possível.

Mas as leis do capitalismo não obrigam a isso. Em outros momentos, outros contextos, as empresas priorizaram o aumento da produtividade dos trabalhadores. Eles encontraram maneiras de recompensar seus acionistas, ao mesmo tempo em que dão aumentos a seus funcionários quando a empresa está indo bem e investem em tecnologias que aumentam a produtividade dos trabalhadores. Uma nova visão entre os líderes empresariais seria possível e muito útil para os tipos de futuro do trabalho de que estamos falando. Mas não vai acontecer por si só. Exigirá pressão das instituições, da sociedade civil e da mídia, além de algum movimento organizado.

Vocês descrevem como a doutrina da maximização do valor para o acionista se tornou consenso nas escolas de administração e, na sequência, nas consultorias de gestão, encerrando um período em que os ganhos obtidos com a tecnologia foram amplamente compartilhados. Vocês veem algum sinal de mudança dessa doutrina?

Acemoglu: Escrevi um artigo com Alex He e Daniel Le Maire em que identificamos que CEOs com diplomas dos principais programas de MBA nos Estados Unidos não aumentam a produtividade, as exportações ou o investimento, mas reduzem o crescimento salarial e a participação da mão de obra. Mas os CEOs da nossa amostra são todos dos anos 1970, 80 e 90. Hoje, as mesmas escolas têm um ar um pouco diferente. Os alunos parecem se importar muito mais com aspectos mais amplos dos negócios. Os professores não falam apenas em aumentar o valor para os acionistas e criar corporações enxutas eliminando mão de obra. Então, eu já sinto alguma mudança nesse sentido. Quanto será, ainda não sabemos.

Johnson: Há muito mais progresso a se obter. O currículo e as ideias centrais que estão impressas nos alunos ainda estão muito mais para Milton Friedman do que para Acemoglu-Johnson ou qualquer outra perspectiva.

Se olharmos para a pressão do mercado financeiro e para a linguagem usada pelos analistas, a visão estreita é reforçada, o que não é, em última análise, bom para os negócios.

Voltando à tecnologia que está em nossas cabeças nos dias atuais: para onde acham que a IA, e a IA generativa em particular, estão caminhando?

Acemoglu: Ambas são tecnologias fenomenalmente interessantes e impressionantes. Isso só aumenta as apostas de colocar essa tecnologia na direção certa e estabelecer a estrutura regulatória apropriada.

Mas as duas visões polares que mais presentes na mídia são inúteis: de um lado estão os tecno-otimistas, que dizem: “”Todos serão beneficiados. Sim, algumas pessoas podem perder seus empregos. Mas você terá mais massagistas, mesmo que não tenha trabalhadores de colarinho branco suficientes.”” Na outra ponta está a visão de que robôs assassinos estão chegando e temos que nos preocupar com o risco existencial.

Nenhuma dessas visões se preocupa com o que é preciso. A IA tem muito poder para ajudar os trabalhadores e a sociedade. Poderia ir como nas plataformas que Taiwan introduziu, por exemplo, para facilitar uma participação mais democrática; elas funcionaram razoavelmente bem. Ou pode ir na direção da automação que aprofunda as desigualdades, entrega mais desinformação, distorção, manipulação dos usuários, que é o que temos visto em mídias sociais, especialmente plataformas como o Facebook.

Nós realmente nos preocupamos com esse caminho, e é aí que nossos líderes estão dormindo ao volante. A sociedade não está se preocupando o suficiente com essas coisas. Não temos ao menos um conjunto correto de aspirações quanto ao que devemos querer dessa tecnologia.

Johnson: Tenho ouvido que agora as pessoas estão reclamando porque são tarefas criativas que estão sendo substituídas por uma máquina, enquanto antes era trabalho manual. O que dizemos em nosso livro é que o que é realmente vulnerável aqui são todas as tarefas cognitivas rotineiras. A Wendy’s, por exemplo, disse que vai usar chatbots para receber pedidos em drive-throughs. Eles ainda usarão humanos para virar os hambúrgueres. Seu pedido de hambúrguer vai ser melhor com essa máquina? Vão pagar mais dinheiro ao chapeiro? Não, eles estão apenas fazendo isso para reduzir o número de trabalhadores.

Chamamos isso de “automação meia-boca”. É uma forma de aplicar o poder contra os trabalhadores. Você está substituindo pessoas que têm peculiaridades e às vezes são difíceis de gerenciar por máquinas projetadas para a mediocridade. Onde está o avanço da produtividade? Onde está o grande benefício?

Acemoglu: Nas revoluções de produtividade do passado, como na Ford Motor Company, a automação era fundamental, mas apenas quando combinada com novos produtos, novas tarefas, novas formas de usar máquinas, nova criatividade. A fábrica da Ford não teria feito nada de notável se pegasse exatamente os carros que outras empresas estavam produzindo e os fizesse com um pouco mais de automação.

É por isso que preferimos enfatizar a utilidade da máquina em vez da inteligência da máquina. Deveríamos usar máquinas para tornar os seres humanos melhores. A IA generativa é tão promissora porque tem essa capacidade. Isso poderia ajudar na recuperação e exatidão de informações para que os tomadores de decisão humanos façam seu trabalho com mais qualidade. Mas isso é muito diferente de automatizar mais alguns quiosques do McDonald’s.”

Daron Acemoglu e Simon Johnson, entrevistados por Kaushik Viswanat
Daron Acemoglu é economista e professor do MIT Institute. Simon Johnson é professor de empreendedorismo no MIT e ex-economista-chefe do Fundo Monetário Internacional. Eles são os autores de *Power and Progress: our 1,000-year struggle over technology and prosperity*. Kaushik Viswanath é editor de reportagens da MIT Sloan Management Review.

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